O MP brasileiro e o Conselho Nacional de procuradores-Gerais divulgaram nesta quinta-feira, 28, nota técnica alertando sobre o prejuízo em investigações de crimes praticados na internet devido ao descumprimento, por parte de empresas estrangeiras, da legislação brasileira. A nota cita empresas como Facebook e WhatsApp que, ao argumento de que têm sede no exterior, só cumprem decisões de seus países.
De acordo com o texto, o marco civil da internet (12.965/14) trata da proteção da privacidade dos usuários e estabelece que a prestação de serviços a cidadãos brasileiros deve seguir as leis nacionais. No mesmo sentido, o decreto 8.771/16, que regulamenta a norma, deixa claro que tal obrigação também se refere à transmissão de dados às autoridades brasileiras sempre que requisitados, sendo observada lei processual brasileira, sem necessidade de cooperação jurídica internacional.
No entanto, o argumento de que têm sede no exterior e que, por isto, só devem cumprir decisões judiciais emitidas por autoridades de seus países, tem sido reiteradamente utilizado por empresas como Facebook e WhatsApp.
Cooperação
O MP salienta que tem insistido na negociação com essas empresas. Contudo, até o presente momento, os avanços têm sido insatisfatórios. Diferentemente do que alegam, afirma o MP, as empresas de aplicativos de internet não colaboram de forma efetiva nem manifestaram real disposição para negociar caminhos para o fornecimento imediato de dados determinados por ordem judicial. Uma vez que essas empresas se negam a cumprir as normas brasileiras, fica configurada a inadequação do serviço por elas prestado no país.
Bloqueio
O texto destaca que a suspensão temporária de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros de dados pessoais, prevista no MCI, é medida subsidiária a ser adotada quando outras sanções não forem suficientes para fazer cumprir a legislação.
O MP conclui que os problemas que têm sido enfrentados no combate aos ilícitos praticados pela Internet apenas poderão ser satisfatoriamente solucionados com a adequação das empresas provedoras de conexão e de aplicações às leis brasileiras.
Veja a íntegra da nota.
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Nota técnica sobre o descumprimento da legislação brasileira que regulamenta o uso da internet
O Ministério Público Brasileiro e o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, considerando ser necessário alertar a sociedade brasileira sobre prejuízos que vem ocorrendo às investigações relacionadas aos diversos crimes praticados por meio da Internet pelo descumprimento da legislação brasileira por empresas estrangeiras que prestam serviços no Brasil, vêm a público expor e relatar o que segue.
Fornecimento de dados e jurisdição
O Marco Civil da Internet (MCI) – norma inovadora e fruto de intenso e democrático debate – trata, entre outros assuntos, da proteção da privacidade dos usuários e do fornecimento de dados pelas empresas provedoras de conexão e aplicações, entre as quais as que prestam o serviço de transmissão de mensagens online e em redes sociais. O MCI estabelece, ainda, que a prestação de serviços de internet a cidadãos brasileiros deve seguir as leis nacionais, visando a efetividade das decisões judiciais e a proteção dos cidadãos, conforme os artigos 10 a 12 e o art. 5º , inciso XXXV, da Constituição Federal.
Ao prever que esses dados somente podem ser disponibilizados mediante ordem judicial, o MCI explicitou que estão protegidos pela chamada cláusula de reserva de jurisdição, que visa conferir especial proteção aos usuários de Internet, considerando o risco peculiar a que estes se sujeitam ao participarem da rede.
Outrossim, o artigo 11 do MCI determina que empresas que prestem serviços no Brasil (a brasileiros), ainda que aqui não possuam filiais, devam observar a lei brasileira quanto aos procedimentos de coleta, armazenagem, guarda ou tratamento de dados de registro, dados pessoais ou dados de comunicações.
Já o Decreto nº 8771/16, que regulamenta o MCI, deixou claro que tal obrigação também se refere à transmissão desses dados às autoridades brasileiras sempre que requisitados, devendo ser observada a lei processual brasileira, com comunicação direta às autoridades nacionais, sem a necessidade de pedido de cooperação jurídica internacional (mutual legal assistance request). O argumento de que têm sede no exterior e que, por isto, só devem cumprir decisões judiciais emitidas por autoridades de seus países, tem sido reiteradamente utilizado por empresas como Facebook e WhatsApp.
O artigo 15 do MCI prevê que cabe ao provedor de aplicações de Internet – expressão que inclui aplicativos de mensagens instantâneas online e redes sociais – a obrigação de manter os registros de acesso a tais aplicações, sob sigilo, em ambiente controlado e seguro, pelo prazo de 6 (seis) meses.
Contudo, essas empresas ou se negam a guardar os registros de acesso pelo período legal (algumas não armazenam por nenhum período), ou os apagam antes de findo o prazo legal e, por tais motivos, vêm descumprindo sistematicamente ordens judiciais brasileiras, o que dificulta ou mesmo inviabiliza a responsabilização cível e criminal de autores de atos ilícitos na Internet.
Modelo criptográfico
O uso do modelo criptográfico nas comunicações ponto a ponto é tema da mais alta complexidade que envolve, de um lado, a política de segurança adotada quanto aos conteúdos das mensagens e a privacidade dos usuários e, de outro, a maior dificuldade na obtenção de provas nas searas cível e criminal. Contudo, habitualmente as empresas utilizam este argumento para também se esquivar da obrigação de fornecer registros de comunicação, dados armazenados e os metadados, que não são criptografados.
Sanções
O artigo 12 do MCI busca assegurar a eficácia das decisões judiciais brasileiras em tema de dados de Internet. O principal argumento das empresas para o não fornecimento de dados que trafegam em aplicativos de mensagens online ou em redes de relacionamento é o de que tais companhias não se submetem à jurisdição brasileira por não terem sede no País. A suspensão temporária da coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros de dados pessoais, prevista no inciso III do artigo 12, é medida subsidiária a ser adotada quando outras sanções capazes de inibir o descumprimento das ordens judiciais – a exemplo de advertências, multas e bloqueio de contas bancárias dessas empresas–, não forem suficientes para fazer cumprir a legislação vigente. Tais medidas devem ser usadas sempre que necessário, após o esgotamento de outras menos gravosas.
Necessidade de colaboração
Para fazer valer a sua missão institucional prevista na Constituição de 1988, o Ministério Público tem insistido na negociação com as empresas de Internet. Contudo, até o presente momento, os avanços têm sido absolutamente insatisfatórios. Diferentemente do que alegam, as empresas de aplicativos de Internet, como Facebook e WhatsApp, não colaboram de forma plena e efetiva, conforme exigem as leis brasileiras, nem manifestaram real disposição para negociar caminhos efetivos para o fornecimento imediato de dados determinados por ordem judicial.
Uma vez que essas empresas se negam a cumprir as normas brasileiras, fica configurada a inadequação do serviço por elas prestado no País.
Crimes pela internet
A universalização da Internet e o crescimento da convivência humana no mundo virtual tem aumentado exponencialmente a prática de cibercrimes e de crimes comuns, mas graves, tais como tráfico de drogas (doméstico e internacional), divulgação de pornografia infantil, racismo, crimes de ódio, crimes patrimoniais e, no momento em que terão início os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o crime de terrorismo. A cooperação dos provedores de conexão e de aplicações com o Ministério Público e com a Polícia é fundamental para deter ou prevenir essas atividades criminosas.
Missão do Ministério Público
Com esta nota técnica – cuja versão integral pode ser lida aqui –, os Ministérios Públicos Estaduais integrantes do GNCOC e o Ministério Público Federal pretendem cumprir seu dever constitucional de prestar informações claras e objetivas à sociedade para melhor esclarecê-la dos problemas que têm sido enfrentados no combate aos ilícitos praticados pela Internet e que apenas poderão ser satisfatoriamente solucionados com a adequação das empresas provedoras de conexão e de aplicações às leis brasileiras, devendo tais pessoas jurídicas colaborar efetivamente com as autoridades nacionais, sob pena de se inviabilizar a investigação e persecução penal ou cível de graves condutas violadoras da lei já nos seus primeiros passos.
É fácil perceber as consequências e riscos do mau uso de aplicações de Internet e as dificuldades que surgem com o descumprimento da legislação em vigor, notadamente o MCI. Somente uma sociedade informada pode colaborar no debate, visando encontrar o devido equilíbrio entre os direitos à privacidade e à liberdade de expressão e os direitos à segurança pessoal e à segurança pública mediante atuação do Estado, no seu dever constitucional de prover Justiça para todos.
Subscrevem a nota:
Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG) e MP Brasileiro:
Ministério Público Federal
Ministério Público do Trabalho
Ministério Público Militar
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Ministério Público do Estado do Acre
Ministério Público do Estado de Alagoas
Ministério Público do Estado do Amapá
Ministério Público do Estado do Amazonas
Ministério Público do Estado da Bahia
Ministério Público do Estado do Ceará
Ministério Público do Estado do Espírito Santo
Ministério Público do Estado de Goiás
Ministério Público do Estado do Maranhão
Ministério Público do Estado do Mato Grosso
Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul
Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Ministério Público do Estado do Paraná
Ministério Público do Estado do Pará
Ministério Público do Estado da Paraíba
Ministério Público do Estado de Pernambuco
Ministério Público do Estado do Piauí
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
Ministério Público do Estado de Rondônia
Ministério Público do Estado de Roraima
Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Ministério Público do Estado de São Paulo
Ministério Público do Estado de Sergipe
Ministério Público do Estado de Tocantins