Nos jornais pululam atualmente notícias diárias das CPIs. No entanto, a quantidade massificante de informações não significa que o conteúdo esteja correto. Muitas vezes, até mesmo por falta de conhecimento concreto do trabalho exercido pelas CPIs e da própria Constituição, os jornalistas baseiam-se em informações infundadas. O emprego da palavra "indiciar", por exemplo, é usado freqüentemente. O que muitos não sabem é que a CPI não tem poder para indiciar. Os periódicos, ao falarem que a CPI indiciou este ou aquele, estão ferindo os poderes da Comissão. São manchetes e mais manchetes que passam a ideia errada para o leitor do verdadeiro funcionamento do instituto das CPIs e de sua real competência.
Confira abaixo na íntegra.
Migalhas: A CPI pode ou não indiciar?
Dr. Ovídio: A CPI não pode indiciar. Seus poderes se restringem à investigação sobre o fato determinado. O indiciamento somente poderá ser feito depois de aprovado o relatório final a ser encaminhado para o Ministério Público. Somente o Ministério Público, se entender presentes indícios de crime, requererá à Polícia Judiciária que promova a abertura de inquérito policial e proceda, se as investigações autorizarem, o indiciamento da pessoa apontada como possível autor do delito.
Migalhas: O brasileiro acompanha atualmente os desdobramentos da CPI dos Correios e dos Bingos. Qual é em verdade o poder de investigação de uma CPI?
Dr. Ovídio: Os poderes da Comissão Parlamentar de Inquérito são limitados, não podendo extravasar os limites estabelecidos para sua criação e procedimento. São limites impostos pela Constituição, pelas leis e normas regimentais das Casas Legislativas.
A fonte primária de tais limites está na Constituição (art. 58, §3º), onde está expresso que a CPI só pode ter por objeto fato determinado, concreto e individuado. Isto é fato certo. Por exemplo, a CPI dos Bingos tem como fato determinado investigar bingos, as pessoas que se dedicam a este tipo de jogo e possíveis condutas ilícitas referentes a essa prática de jogos de azar. Nada mais.
No entanto, referida CPI se transformou em Comissão de Investigação de “fatos indeterminados”. Fugindo do fato determinado, passou a investigar as mortes dos prefeitos de Santo André e Campinas; possíveis atos ilícitos praticados pelo ex-Ministro da Fazenda, de auxiliares seus, especialmente, aqueles que serviram em sua administração na prefeitura de Ribeirão Preto; sobre o aluguel de uma casa e das pessoas que a freqüentavam e o que ali fizeram...
Nada disso tem a ver com bingos, que é o fato determinado único, que serviu de justificativa e de base para a abertura da CPI.
Quando o eminente ministro Cezar Peluso, em liminar, impediu que o caseiro Nildo depusesse na CPI dos Bingos, seu despacho estava certíssimo: o depoimento da testemunha nada, absolutamente nada, tinha a ver com o fato determinado da CPI dos bingos. No entanto, jornalistas pouco afeitos ao conhecimento da Constituição, deputados e senadores, que deveriam conhecê-la, preferiram criticar e para fazer coro com a Mídia, resolveram atacar a decisão do Ministro, falando, até mesmo, em intromissão do Supremo em assuntos do Congresso Nacional.
Ora, o órgão máximo de controle da Constituição, que senadores e deputados juraram respeitar, é o Supremo Tribunal Federal. O erro foi dos parlamentares que se esqueceram de cumprir a Constituição.
No dia de ontem, a CPI realizava acareação entre um ex-petista e o sr. Okamoto para investigar possível angariação de dinheiro das prefeituras administradas pelo PT e provável pagamento de uma dívida pessoal do presidente Lula, por um correligionário seu. O que esses assuntos têm a ver com bingos? NADA.
Migalhas: Em qualquer que seja o "poder de polícia" é possível, diante dos fatores culturais e sociais de uma testemunha, criar convicção no sentido de que o depoimento é inoportuno e, portanto, proibi-lo previamente?
Dr. Ovídio: Toda pessoa capaz, que não seja impedida ou suspeita, pode ser testemunha, independentemente, de fatores culturais e sociais. Logo, não é possível, “a priori”, criar convicção de que seu futuro depoimento é inoportuno e, portanto, proibi-la de depor.
Como antes se expôs, apenas é possível argüir, previamente, que a testemunha está impedida, suspeita ou é incapaz.
Migalhas: O senhor acha que o instituto das CPIs deve acabar?
Dr. Ovídio: É incontestável a importância das Comissões Parlamentares de Inquérito na estrutura do Estado Democrático de Direito, desde que observadas as regras jurídico-constitucionais que limitam sua existência e funcionamento.
Todavia, os abusos praticados, durante o andamento das CPIs, são de corar um monge de pedra. Seus integrantes, em grande maioria, preocupados com os holofotes da televisão, fazem das sessões da Comissão um palco iluminado. Muitos deles não estão preparados para argüir e, por conseqüência, atacam e agridem, moralmente, as pessoas que ali vão depor.
Abandonam o fato determinado e passam a investigar fatos novos, de interesse político ou da imprensa em geral. Perdem-se, diante de tamanha avidez de transformar a CPI em arma política.
Em meu livro “CPI ao Pé da Letra”, prefaciado pelo meu amigo queridíssimo Ministro Saulo Ramos, descrevo os inúmeros abusos praticados.
Portanto, não é o caso de acabar com o instituto da CPI. É necessário, apenas, discipliná-la. Que desde o seu início fique claro que a investigação a ser realizada deverá se ater, exclusivamente, ao fato determinado. Nenhum outro fato será objeto de investigação, tendo o Presidente da Comissão poderes de vetar qualquer iniciativa a esse respeito. Que todos os membros da Comissão estudem e conheçam, de forma plena, quais os limites e os poderes de uma CPI. Aprendam que ninguém é obrigado a ouvir desaforo, ofensa à honra pessoal. E assim por diante. Devem ter presente a inegável propriedade e atualidade da seguinte observação feita pelo ilustre Deputado paraibano Samuel Duarte: transformar a CPI em “arma política, de pura conveniência partidária de um grupo, de uma parcialidade sem o objetivo de resguardar a legalidade, a moral administrativa ou os legítimos interesses do Tesouro, importa em fraude à Constituição.”
Precisam entender, ainda, que a quebra de qualquer sigilo depende da existência de fato certo e grave relativo ao fato determinado e ao quebrá-lo a Comissão deverá fazê-lo mediante despacho fundamentado. Cito um exemplo: Assisti estarrecido, pela TV Câmara, sessão da CPI da CBF/NIKE, quando, em seu final, após a oitiva do sr. Hélio Viana, sócio da empresa Pelé Esportes e Marketing, o presidente da CPI – hoje, Presidente da Câmara dos Deputados – Deputado Aldo Rebelo fazer a seguinte comunicação: “em minha mesa requerimentos do Deputado Dr. Rosinha pedindo a quebra do sigilo bancário e fiscal do sr. Hélio Viana e das empresas que menciona. Requerimentos em discussão. Como não há nenhum Deputado que queira se manifestar, passo à votação dos requerimentos. Aprovados.” Em segundos, sem qualquer fundamentação, sem mínima referência ao fato que representaria causa provável ao pedido de quebra do sigilo bancário, muito menos do período de tempo a limitar a providência excepcional, a CPI pela voz de seu Presidente, aprovou os requerimentos de palmar nulidade e a representar inegável aberração jurídica e deu como viável a quebra do segredo para instaurar uma incrível devassa, como se estivéssemos na escuridão da tirania própria dos regimes nazistas, fascistas e estalinistas. E tudo sendo feito, sem que aparecesse qualquer assessor, com formação jurídica, para alertar os dois parlamentares – ao que parece médicos de formação – da bastemmia giuridica que estavam a praticar. É estranho, muito estranho.
Em França “os abusos foram tremendos, pois a publicidade é um incentivo à falta de escrúpulo de alguns parlamentares esquecidos do fim útil e nobre das comissões e que, para interesse próprio (que mascaram com o público), usam das comissões para fins demagógicos, arranjarem novos eleitores e levarem à desonra os inimigos políticos” como lecionavam, na década de 1950, Alcino Pinto Falcão e José Aguiar Dias.
Por isso, lei francesa sobre as comissões parlamentares, a Lei n. 53-1215, de 8.12.1953, “determina o caráter sigiloso dos trabalhos das comissões até o relatório final, com sanções penais pela violação do segredo e do sigilo”.
Migalhas: O senhor se lembra de mais de uma CPI, nos últimos anos, que tenha chegado a algum resultado profícuo?
Dr. Ovídio: De memória não me recordo de mais de uma CPI que tenha chegado a um resultado profícuo. Todavia, posso dizer que existiram algumas, especialmente aquelas que, não tendo apelo da mídia e exposição nas telas das emissoras de televisão, chegaram a bons resultados, inclusive com propostas viáveis de aprimoramento do ordenamento jurídico.
Para finalizar gostaria de dizer que, muitas vezes as CPIs não chegam a resultado positivo por culpa de seus próprios membros, preocupados, em grande maioria, pelo apelo público e no uso de arma política contra os adversários, aumentam o leque de investigações, abandonam o fato determinado e fazem aparecer um “mar” de situações que à Comissão cabe examinar. Perdem-se no próprio aranzel por eles criado.
Esquecem-se, ainda, de uma outra circunstância: o relatório somente deverá ter em conta o fato determinado que serviu de base para a criação e instalação da CPI. Não pode conter outros assuntos, muito menos dissertar sobre outros fatos.
Para exemplo, temos, aqui e agora, a prebenda sobre o relatório final da CPI dos Correios. Se seus trabalhos tivessem se realizado no exame do fato determinado – irregularidades na administração dos correios – nada disso teria acontecido e a comissão terminaria por apresentar relatório final profícuo. Bateram asas e foram se complicar na atmosfera adversa...
__________
Um pouco de história
A primeira CPI instituída para investigar fatos de interesse do Parlamento foi na Inglaterra, no ano de 1689. No Brasil, a Constituição imperial de 1824 era omissa a respeito das CPIs. A de 1891 também não previa as Comissões. Somente com o advento da Constituição de 1934 houve a previsão expressa das comissões.
Constituição de 1934, artigo 36:
Art 36 - A Câmara dos Deputados criará Comissões de Inquérito sobre fatos determinados, sempre que o requerer a terça parte, pelo menos, dos seus membros.
Parágrafo único - Aplicam-se a tais inquéritos as normas do processo penal indicadas no Regimento Interno.
A Constituição de 1934 durou apenas 3 anos e na que foi instituída em 1937 as Comissões não são citadas. Até a chegada da Constituição de 1946.
Constituição de 1946, artigo 53:
Art 53 - A Câmara dos Deputados e o Senado Federal criarão Comissões de inquérito sobre fato determinado, sempre que o requerer um terço dos seus membros.
Parágrafo único - Na organização dessas Comissões se observará o critério estabelecido no parágrafo único do art. 40.
Depois da Constituição de 1946 ocorreram mudanças nas de 1967 e de 1988.
Constituição de 1967, artigo 39:
Art 39 - A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, em conjunto ou separadamente, criarão Comissões de Inquérito sobre fato determinado e por prazo certo, mediante requerimento de um terço de seus membros.
Constituição de 1988, artigo 58, parágrafo 3º:
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
O advogado nas Comissões Parlamentares de Inquérito
Complementando o assunto, Migalhas apresenta aos migalheiros um texto com o título “O advogado nas Comissões Parlamentares de Inquérito”, do dr. Ovídio Rocha Barros Sandoval, publicado no livro “CPI ao Pé da Letra”, de autoria do advogado. Confira abaixo, na íntegra.
O advogado nas Comissões Parlamentares de Inquérito*
Quer dizer: no exercício profissional deve o advogado cuidar não só em Juízo, como também em quaisquer órgãos públicos de todos os Poderes do Estado, do direito e do interesse de seus clientes. Bem por isso o Estatuto da Advocacia garante ao advogado o direito de ingressar livremente “em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional...” (art. 7°, VI,c), bem como tem o direito de ingressar livremente “em qualquer assembléia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais” (art. 7°, VI, d).
Portanto, o advogado tem o direito de acompanhar cliente seu que seja convocado a depor perante Comissão Parlamentar de Inquérito, ainda mais tendo presente a prática existente de transformar testemunhas em indiciados e, até mesmo, em culpados, diante do público, como se CPI tivesse o poder de julgar quem quer que fosse.
Mais do que nunca se faz necessária a presença de advogado para comunicar-se com seu cliente, pessoal e reservadamente (art. 7°, III, da Lei n° 8.906/94); interferir quando presente qualquer tipo de abuso de poder por parte da Comissão ou de seus membros;impedir que seu cliente se autoincrimine1.
O advogado ao comparecer a uma reunião ou sessão de Comissão Parlamentar de Inquérito, no legítimo exercício de sua profissão, deverá merecer do Presidente, Relator e demais membros um tratamento digno e respeitoso. Não pode ser visto, em diversas oportunidades, como alguém que ali se encontra para embaraçar os trabalhos da Comissão. Ao contrário, o advogado ali se encontra para zelar pela aplicação da lei e impedir a prática de abuso do poder. Não é verdade que a Comissão Parlamentar de Inquérito tudo pode, porquanto a Constituição e a lei são os únicos instrumentos a guiar os seus poderes de investigação.
Magnífica, assim, a r. decisão do eminente Ministro CELSO DE MELLO ao pontificar que “o advogado - ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constitui, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado - converte a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação, ao Advogado incube neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas – legais ou constitucionais- outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, a prerrogativa contra a auto-incriminação e ao direito de não ser tratado, pelas autoridades públicas, como se culpado fosse, observando-se, desse modo, diretriz consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal2.
E continua o eminente Ministro, com a sabedoria própria dos grandes Juízes: “O exercício do poder de fiscalizar eventuais abusos cometidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito contra aquele que por ela foi convocado para depor traduz prerrogativa indispensável do Advogado, no desempenho de sua atividade profissional, não podendo, por isso mesmo, ser ele cerceado, injustamente, na prática legítima de atos que visam neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito daquele que lhe outorgou o pertinente mandato”3.
Eis porque “o Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação livre e independente há de ser, permanentemente, assegurada pelos Juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão” e, assim sendo, “o ordenamento positivo brasileiro garante ao cidadão, qualquer que seja a instância do Poder que o tenha convocado, o direito de fazer-se assistir tecnicamente, por advogado, a quem incumbe, com apoio no Estatuto da Advocacia, comparecer às reuniões da CPI, nelas podendo, dentre outras prerrogativas de ordem profissional, comunicar-se, pessoal e livremente, com seu cliente, para adverti-lo de que tem o direito de permanecer em silêncio (direito este fundado no privilégio constitucional contra a autoincriminação), sendo-lhe lícito, ainda, reclamar, verbalmente ou por escrito, contra a inobservância de preceitos constitucionais, legais ou regimentais, notadamente quando o comportamento arbitrário do órgão de investigação parlamentar lesar as garantias básicas daquele – indiciado ou testemunha- que constituiu esse profissional do Direito”4.
Vem, agora, como fecho de ouro, uma importante advertência: “A função de investigação não pode resumir-se a uma sucessão de abusos e nem deve reduzir-se a atos que importem em violação de direitos ou que impliquem desrespeito a garantias estabelecidas na Constituição e nas leis. O inquérito parlamentar, por isso mesmo, não pode transformar-se em instrumento de prepotência e nem converter-se em meio de transgressão ao regime da lei” e “os fins não justificam os meios”, pois “os órgãos do Poder Público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais graves que sejam os fatos cuja prática motivou a instauração do procedimento estatal”5.
Em outra oportunidade, o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar, enfatizando que “a Comissão Parlamentar de Inquérito, como qualquer outro órgão do Estado, não pode, sob pena de grave transgressão à Constituição e as leis da República, impedir, dificultar ou frustrar o exercício, pelo Advogado, das prerrogativas de ordem profissional que lhe foram outorgadas pela Lei n° 8.906/94”6. O desrespeito às prerrogativas do exercício da profissão “constitui inaceitável ofensa ao estatuto jurídico da Advocacia, pois representa, na perspectiva de nosso sistema normativo, um ato de inadmissível afronta ao próprio texto constitucional e ao regime das liberdades públicas nele consagrado”7.
A liminar, por último transcrita, foi deferida em virtude de ato praticado pela CPI/Narcotráfico da Câmara dos Deputados, vindo o Presidente da referida Comissão, a requerer reconsideração, que não foi aceita. Em tal pedido, o Presidente da Comissão afirmava que o Poder Judiciário, ao garantir a presença do Advogado estaria a invadir área própria do Poder Legislativo. Respondendo a tão absurda e irrazoável assertiva, o eminente Ministro CELSO DE MELLO deixou claro e expresso: “Nem se diga, de outro lado, na perspectiva do caso em exame, que a atuação do Poder Judiciário, nas hipóteses de lesão a direitos subjetivos amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima dos juízes e tribunais na esfera de atuação do Poder Legislativo. Eventuais divergências na interpretação do ordenamento positivo não traduzem e nem configuram situação de conflito institucional, especialmente porque, acima de qualquer dissídio, situa-se a autoridade da Constituição e das leis da República. Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis” e “uma decisão judicial - que restaura a integridade da ordem jurídica e que torna efetivos os direitos assegurados pelas leis - não pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder Legislativo, consoante já proclamou o Plenário do Supremo Tribunal Federal”8.
O ilustre e brilhante Advogado paulista MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA, de forma precisa e feliz, escreveu artigo sob o título “As CPIs e a Advocacia”, onde tece importantes considerações. Após expor a irritação dos parlamentares com a liminar deferida pelo Supremo Tribunal Federal, chegando alguns deles afirmar “que a decisão do STF significaria o malogro de quaisquer investigações congressuais, presentes ou futuras”, pontifica: “Nem se diga, no lastimável argumento repugnante à inteligência e comprometedor do bom senso, que a presença ativa dos advogados nas sessões das CPIs frustraria os seus propósitos investigatórios. Fosse assim, tampouco chegariam a termo as averiguações policiais; ou, ainda, as inquirições probatórias administradas pelo Judiciário. Com plena razão, magistrados, promotores e delegados jamais alegaram a Advocacia como obstáculo, bem ao contrário, nela enxergando meio útil à descoberta da verdade e à administração da Justiça”9.
Portanto, dúvida alguma existe sobre o direito do Advogado acompanhar seu cliente, em reunião de CPI, no exercício pleno das prerrogativas de sua profissão.
_______________
1 Aliás sempre tenho presente na memória, ao assistir a uma reunião da CPI dos Medicamentos, a pergunta feita, logo no início de sua intervenção, por um Deputado do PT do Distrito Federal a um Secretário Municipal de Saúde que estava a depor: “Vossa Senhoria é um corrupto?” Tristíssima realidade! É de estarrecer!
2 MS 23.576- DF, Pedido de Reconsideração, Informativo STF n° 176, de 9.2.2000.
3 Idem.
4 Ibidem.
5 Ibidem.
6 Informativo do STF n° 176.
7 Idem.
8 DJU, de 14.12.1999.
9 Jornal O Estado de S. Paulo, de 5.12.1999,p. A-22.
______________________
*SANDOVAL, Ovídio Rocha Barros. CPI ao Pé da Letra - Campinas: Millennium, 2001. Página 155.