Neste contexto, os professores da Faculdade de Direito da UERJ Carlos Affonso Souza e Ronaldo Lemos redigiram parecer no qual defendem que "proibir a atuação do aplicativo Uber no Brasil seria não apenas falhar em compreender como a norma jurídica precisa se adequar à realidade e tutelar os direitos e interesses relevantes que dela emergem".
"Mais ainda, proibir essa alternativa de incremento na mobilidade urbana quando as grandes cidades brasileiras estão estranguladas, leva ao questionamento sobre qual seria o motivo do legislador, magistrado ou administrador simplesmente abrir mão dessa oportunidade de transformação."
Economia de compartilhamento
O parecer foi solicitado pela Uber, por intermédio do escritório Licks Advogados. Nele, os professores discorrem sobre os efeitos jurídicos da disponibilização da plataforma do aplicativo para a intermediação de contratos de transporte no Brasil, exemplo da chamada economia do compartilhamento, além da observância aos termos do marco civil da internet.
Souza e Lemos esclarecem que a economia de compartilhamento caracteriza uma nova etapa no processo de desenvolvimento econômico, simbolizada pela superação da lógica de consumo em massa, passando a privilegiar novas formas de acesso a bens e serviços. Isso se deve, conforme alegam, à saturação do mercado por crises financeiras e leva em conta as necessidades ligadas à sustentabilidade e uso racional de bens.
Citando Ricardo Abramovay, os autores afirmam que as principais transformações teóricas que a junção da lógica do compartilhamento com as mídias digitais possibilitam são a descentralização das atividades impulsionadas pela rede, a redução dos custos de transação e a emergência de uma economia da atração pautada na confiança em relações interpessoais.
Neste contexto, segundo os professores, a atividade econômica de integração entre motoristas e passageiros não se confunde com a atividade de transporte público individual de passageiros e, além disso, a jurisprudência e a legislação brasileiras vêm evoluindo no sentido de compreender essa distinção, o que tem grande relevância para as atividades econômicas desenvolvidas na internet.
Judiciário
Sobre os limites para intervenções judiciais neste tipo de atividade, os autores destacam: "o marco civil da internet proíbe a determinação de que uma dada aplicação seja bloqueada ou censurada". "A ordem de retirada do ar de um serviço de internet é uma medida extremamente grave, de consequências correlatas às de uma medida de caráter punitivo."
"No afobamento para garantir a preservação de interesses de classes determinadas ou em busca dos holofotes que se voltam contra quem consegue proibir o 'aplicativo da vez', encena-se com triste frequência no Brasil o teatro da disputa – ora judicial, ora administrativa – sobre a preservação de um modelo de negócio frente à constatação de que eventualmente algum ilícito vir a ser cometido através da plataforma."
Legislativo
A respeito da interferência legislativa na tentativa de se impedir o desenvolvimento de determinada tecnologia, os professores citam advertência de Garcia Marques e Lourenço Martins, para consignar que a intervenção, "além de poder assentar em bases erradas ou imperfeitas, pode tornar-se indesejável, retardando de maneira porventura injustificada a cadência do progresso técnico e científico, social e econômico, por imposição de normas inadequadas".
Desafios
Segundo os professores, dados os desafios atualmente enfrentados pela Uber é necessário ressaltar o óbvio – considerando-se o quadro jurídico da liberdade de iniciativa e dos modelos de negócio online – para impedir graves infrações às liberdades econômicas que permitem a constante inovação que é característica marcante da internet.
"No caso da Uber, esses entendimentos são integralmente aplicáveis. Não é dado a qualquer autoridade pública brasileira determinar que uma plataforma tecnológica seja retirada de circulação por conta de uma postura refratária e anti-inovação de setores com interesses investidos na manutenção e na ampliação (para um novo setor da atividade econômica) de uma reserva de mercado. A medida, como foi demonstrado aqui, além de não ser razoável ou eficaz, contraria boa política pública e a própria legislação vigente."
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