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Ministro Marco Aurélio: há violação generalizada de direitos fundamentais no sistema prisional

Ministro votou no sentindo de conceder parcialmente liminar pleiteada pelo PSOL para que o STF imponha providências ao poder público para solucionar crise prisional.

27/8/2015

O STF iniciou na tarde desta quinta-feira, 27, o julgamento da ADPF 347, ajuizada pelo PSOL pedindo o reconhecimento da violação de direitos fundamentais da população carcerária. Na arguição, com pedido de medida cautelar, o partido pleiteia que o Supremo imponha a adoção de providências para sanar lesões a preceitos fundamentais previstos na CF, decorrentes de atos e omissões dos poderes públicos da União, dos estados e do Distrito Federal no tratamento da questão prisional no País.

Relator do caso, o ministro Marco Aurélio votou no sentindo de dar parcial provimento a medida liminar determinando:

a) aos juízes e tribunais – que lancem, em casos de determinação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no artigo 319 do CPP;

b) aos juízes e tribunais – que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão;

c) aos juízes e tribunais – que considerem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal;

d) aos juízes – que estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo;

e) à União – que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.

No início de seu voto, o ministro pontuou que o tema da arguição não é um “campeão de audiência”, ao contrário, trata-se de pauta impopular, envolvendo – segundo o ministro, direitos de "um grupo de pessoas não simplesmente estigmatizado, e sim cuja dignidade humana é tida por muitos como perdida, ante o cometimento de crimes."

“Em que pese a atenção que este Tribunal deve ter em favor das reivindicações sociais majoritárias, não se pode esquecer da missão de defesa de minorias, do papel contramajoritário em reconhecer direitos daqueles que a sociedade repudia e os poderes políticos olvidam, ou fazem questão de ignorar.”

O PSOL sustenta a adequação da ADPF para a questão uma vez que estariam preenchidos os requisitos de violação de preceitos fundamentais, de impugnação de atos do Poder Público e de inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesividade. Analisando a preliminar, Marco Aurélio considerou estarem satisfeitos os requisitos.

Quanto a regra de que não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade (artigo 4º, § 1º, da lei 9.882/99), o ministro ressaltou não existir, no âmbito do controle abstrato de normas, instrumento diverso mediante o qual possam ser impugnados de forma abrangente, linear, os atos relacionadosàs lesões a preceitos fundamentais articuladas.

"Os direitos apontados como ofendidos consubstanciam preceitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, vedação de tortura e de tratamento desumano, assistência judiciária e os direitos sociais à saúde, educação, trabalho e segurança dos presos."

Analisando o mérito, Marco Aurélio avaliou a "situação vexaminosa" do sistema penitenciário brasileiro". Segundo ele, o autor da ADPF aponta violações sistemáticas de direitos fundamentais dos presos decorrentes do quadro revelado no sistema carcerário brasileiro. "O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, comparou as prisões brasileiras às ‘masmorras medievais’. A analogia não poderia ser melhor."

De acordo com o ministro, dados da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados (2007-2009), do CNJ e da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ, cuja representação ao autor deu origem ao processo, confirmam o cenário descrito pelo PSOL.

“Considerando o número total, até mesmo com as prisões domiciliares, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, depois dos Estados Unidos e da China. Tendo presentes apenas os presos em presídios e delegacias, o Brasil fica em quarto lugar, após a Rússia.”

Marco Aurélio observou também que a maior parte dos detentos está sujeita às seguintes condições: superlotação dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual.

Para ele, no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. "A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia.”

“As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se ‘lixo digno do pior tratamento possível’, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre.”

Segundo Marco Aurélio, a violação da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial autoriza a judicialização do orçamento, sobretudo se considerado o fato de que recursos legalmente previstos para o combate a esse quadro vêm sendo contingenciados, anualmente, em valores muito superiores aos efetivamente realizados, apenas para alcançar metas fiscais. “A situação dramática não pode esperar o fim da deliberação legislativa.

"O quadro não é exclusivo desse ou daquele presídio. A situação mostra-se similar em todas as unidades da Federação, devendo ser reconhecida a inequívoca falência do sistema prisional brasileiro."

Após o voto do relator, o julgamento foi suspenso e deve ser retomado na próxima quinta-feira, 4 de setembro.

Veja a íntegra do voto do ministro.

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