O ministro Gilmar Mendes concluiu pela inconstitucionalidade do dispositivo entendendo que ele viola o princípio da proporcionalidade. De acordo com seu voto, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos. "A criminalização da posse de drogas para uso pessoal conduz ofensa à privacidade do usuário, está a se desrespeitar a decisão da pessoa de colocar em risco eventualmente a própria saúde."
Para ele, a punição do usuário é desproporcional, ineficaz no combate às drogas, e ofende o direito constitucional à personalidade. Em seu voto, no entanto, o ministro afastou apenas os efeitos penais da conduta, mantendo, "até o advento de legislação específica", as punições de ordem administrativa (multa).
Controle de constitucionalidade
O ministro iniciou seu voto analisando a questão do controle de constitucionalidade de normas penais, seus parâmetros e limites. Mendes ressaltou que as duas questões colocadas no julgamento são, de um lado, o direito à saúde e à segurança pública e, do outro, o direito à intimidade e à vida privada, associada a ideia de liberdade. "Nesse contexto, impõe-se que se examine a necessidade da intervenção, o que significa indagar se a proteção do bem jurídico coletivo não poderia ser efetivada de forma menos gravosa aos precitados direitos de cunho individual."
Gilmar Mendes pontuou que a Constituição Federal contém diversas normas criminalizadoras que garantem a punição a qualquer atividade atentatória que ofenda qualquer direito individual. "É possível identificar em todas as normas o chamado mandado de criminalização dirigido ao legislador."
De acordo com ele, a ordem constitucional confere ao legislador margens de ação para definir a forma mais adequada de proteção a bens jurídicos fundamentais. "O Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face do Poder Público, como também a garantir os direitos fundamentais contra a agressão de terceiros."
O ministro ressaltou, porém, que liberdade do legislador estará sempre limitada pelo princípio da proporcionalidade, sendo "inadmissível excesso de poder legislativo". E esta esfera abre a possibilidade de se fazer o controle de constitucionalidade de matérias penais que, segundo ele, deve ser feito com cautela. "A norma só pode ser declarada inconstitucional quando as medidas do legislador se mostrarem claramente inidôneas para a efetiva proteção do bem jurídico."
“Em se tratando de um direito fundamental que encerra em si zonas mais fortes e mais fracas de proteção da liberdade, torna-se necessário que a jurisdição constitucional verifique se os pressupostos para uma regulamentação estão presentes no degrau onde a liberdade é protegida ao máximo.”
Livre desenvolvimento da personalidade e autodeterminação
"Nossa Constituição consagra a dignidade da pessoa humana e o direito à privacidade, à intimidade, à honra e à imagem. Deles pode-se extrair o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação."
Para o ministro Gilmar Mendes, a criminalização da posse de drogas para consumo pessoal afeta o direito ao livre desenvolvimento da personalidade em suas diversas manifestações.
"A criminalização do usuário restringe, em grau máximo, porém desnecessariamente, a garantia da intimidade, da vida privada e da autodeterminação, ao reprimir condutas que denotam, quando muito, autolesão, em detrimento de opções regulatórias de menor gravidade."
Ao votar pela descriminalização, o ministro reforçou que estava minimizando os danos causados pelo uso da droga, mas tão somente assentando que parece existir alternativas adequadas a este tratamento e que não o direito penal. “Tanto o conceito de saúde pública, como pelas mesmas razões o de segurança pública, apresentam-se despidos de suficiente valoração dos riscos aqui descritos sujeitos as condutas circunscritas na posse de droga para uso exclusivamente pessoal.”
RExt 635.659
No caso dos autos, o recorrente foi condenado pela Justiça paulista à prestação de dois meses de serviços à comunidade por portar três gramas de maconha para consumo próprio. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que representa o condenado, sustenta que essa tipificação penal ofende o princípio da intimidade e da vida privada, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Alega também que não há lesividade na hipótese do porte de drogas para uso próprio, uma vez que tal conduta não afronta a saúde pública.
Na sessão de ontem, 19, após a leitura do relatório do ministro Gilmar Mendes, se manifestaram os representantes das partes, o procurador-geral da República e os advogados das entidades admitidas na qualidade de amici curiae.
- Processo relacionado: RExt 635.659
Veja a íntegra do voto do ministro Gilmar Mendes.