Em julgamento conjunto de três HCs, nesta segunda-feira, 3, o plenário do STF definiu, por maioria, que a aplicação ou não do princípio da insignificância deve ser analisada caso a caso pelo juiz de primeira instância.
Os processos foram remetidos ao plenário por deliberação da 1ª turma, com o objetivo de uniformizar a jurisprudência do STF sobre a matéria. No entanto, os ministros entenderam que a Corte não deve fixar tese sobre o tema.
Em seu voto-vista, o ministro Teori Zavascki observou que os casos concretos analisados no julgamento têm algum tipo de circunstância agravante, como a qualificação do crime por rompimento de barreira ou reincidência.
Segundo ele, embora se possa afirmar que a vítima pode recorrer à Justiça para buscar a reparação civil, exatamente pelo baixo valor dos objetos furtados e das condições dos autores, essa possibilidade seria meramente formal. Salientou que, adotar o princípio da insignificância indiscriminadamente em casos de pequenos furtos, com qualificação ou reincidência, seria tornar a conduta penalmente lícita e também imune a qualquer espécie de repressão estatal.
"É preciso que o Tribunal tenha presente as consequências jurídicas e sociais que decorrem de um juízo de atipicidade em casos como estes. Negar a tipicidade destas condutas seria afirmar que, do ponto de vista penal, seriam lícitas."
No entendimento do ministro, é inegável que a conduta – cometimento de pequenos furtos – não é socialmente aceita e que, ante a inação do Estado, a sociedade pode começar a se proteger e buscar fazer "justiça com as próprias mãos". Argumentou, ainda, que a pretexto de proteger o agente, a imunização da conduta acabará deixando-o exposto a situação de justiça privada, com consequências imprevisíveis e provavelmente mais graves.
"O Judiciário não pode, com sua inação, abrir espaço para quem o socorra. É justamente em situações como esta que se deve privilegiar o papel do juiz da causa, a quem cabe avaliar em cada caso concreto a aplicação, em dosagem adequada, seja do princípio da insignificância, seja o princípio constitucional da individualização da pena."
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, reajustou o voto proferido anteriormente para acompanhar o ministro Teori Zavascki. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Edson Fachin, a ministra Rosa Weber e o ministro Celso de Mello.
Relator
Em dezembro do ano passado, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, havia proferido seu voto no sentido de que nem a reincidência, nem a modalidade qualificada do furto devem impedir a aplicação do princípio da insignificância. Afirmou que o afastamento da insignificância "deve ser objeto de motivação específica à luz das circunstâncias do caso (e.g., número de reincidências, especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras etc.)".
O relator sugeriu ainda a necessidade de condenação transitada em julgado para que a reincidência exclua a aplicação do princípio da insignificância. Propôs também que, mesmo quando a insignificância for afastada, o encarceramento deve ser fixado em regime inicial aberto domiciliar, substituindo-se, como regra, a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, mesmo em caso de réu reincidente, admitida a regressão em caso de inobservância das condições impostas.
Porém, na sessão de ontem, Barroso reajustou o voto proferido anteriormente para acompanhar o ministro Teori Zavascki. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Edson Fachin, a ministra Rosa Weber e o ministro Celso de Mello.
Casos concretos
O HC 123.108, que serviu de parâmetro para o julgamento, se refere a condenado a um ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 10 dias-multa pelo furto de uma sandália de borracha no valor de R$ 16. Apesar do pequeno valor e da devolução do objeto, o TJ/MG negou provimento à apelação porque o réu era reincidente. Nesse caso, o plenário concedeu de ofício o HC para converter o regime prisional em aberto.
A mesma decisão foi aplicada ao HC 123.533 referente a condenada a dois anos de reclusão – sem substituição por restritiva de direitos – pelo furto de dois sabonetes líquidos íntimos, no valor de R$ 48. O princípio da insignificância não foi aplicado porque o furto foi qualificado por ter havido concurso de agentes – o marido fez barreira para impedir a visão.
Já HC 123.734 trata de réu que foi condenado a um ano de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de cinco dias-multa, pela tentativa de furto de 15 bombons artesanais no valor de R$ 30. O princípio não foi aplicado porque se tratava de furto qualificado, com escalada e rompimento de obstáculos. O Supremo não concedeu a ordem de ofício porque a pena de reclusão já havia sido substituída por prestação de serviços à comunidade.