Migalhas Quentes

Publicidade infantil: responsabilidade dos pais ou das empresas?

ECA inaugurou uma série de medidas protetivas, visando impor limites também à publicidade dirigida às crianças.

13/7/2015

Compre, use, tenha, seja. Considerado alvo fácil da publicidade, o público infantil vem, há anos, tendo seus Direitos perseguidos e lapidados a fim de evitar a exploração deste canal como porta de entrada para o consumismo, entre outros problemas.

A deficiência de julgamento, a falta de experiência, e a maior suscetibilidade psicológica à aceitação das propagandas são fatores citados como influenciadores para fazer das crianças o consumidor ideal, dando margem neste contexto capitalista a algumas práticas consideradas abusivas.

Comemorando 25 anos nesta segunda-feira, 13, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu um conjunto de direitos especiais e inaugurou uma série de medidas protetivas ao público infantil, visando impor limites também à publicidade dirigida às crianças.

Algumas medidas estabelecidas com escopo nestes preceitos, entretanto, são colocadas em discussão, e questiona-se: quanto desta responsabilidade é dos pais e quanto cabe às empresas?

Evolução da propaganda

Na década de 90, à época da instituição do ECA, as propagandas direcionadas às crianças utilizavam de artifícios mais apelativos e recorriam ao emocional e ao poder dos filhos sobre as decisões de compra dos pais.

De comerciais que repetiam insistentemente frases de efeito a propagandas que condicionavam o "ser" ao "ter", os anúncios publicitários eram incentivos ao consumo desenfreado.

Com o passar do tempo, as regulamentações modificaram esse cenário.

Proteção à criança

Conforme estabelece o ECA, a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, "a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade" (art. 3º).

No rol dos direitos fundamentais, a CF, em seu artigo 227, consagra a proteção integral às crianças e adolescentes, com redação dada pela EC 65/10:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

No tocante à questão da publicidade, o CDC, em seu artigo 37, busca coibir a publicidade enganosa ou abusiva, dispondo:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Outros dispositivos citados como garantidores de proteção do público infantil nestes casos são os arts. 4º, 5º, 6º, 7º 17 e 18 do ECA. Neste escopo, também destaca-se o artigo 71, segundo o qual a criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços "que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento".

Publicada em 2014, a resolução 163/14, do Conanda, ainda trouxe novos ares ao cenário da regulamentação das propagandas voltadas para crianças, classificando como abusivas todas as formas de "publicidade e comunicação mercadológica destinadas à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço".

PL 5.921/01

Apresentado em 2001 pelo deputado Luiz Carlos Hauly, o PL 5.921 visa coibir abusos na veiculação de propagandas destinadas ao público infantil. Para isso, propôs o acréscimo de dispositivo ao artigo 37 do CDC.

Em sua justificativa, o autor ressaltou as consequências danosas causadas aos pais, às famílias e à sociedade, no seu conjunto, em consequência da publicidade sub-reptícia, principalmente envolvendo imagens de ídolos infantis, com a finalidade de coibir ou chantagear o consumidor, induzindo-o a adquirir bens ou produtos desnecessários, supérfluos ou até prejudiciais, além de incompatíveis com a renda doméstica.

Após passar por três comissões e ter dois substitutivos aprovados, o texto sofreu algumas mudanças para definir como abusiva "a publicidade que seja capaz de induzir a criança a desrespeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família e que estimule o consumo excessivo".

Atualmente o projeto se encontra na CCJ da Câmara. No dia 15 de maio foi realizada uma audiência pública com representantes de diferentes entidades que discutiram na comissão o PL.

Eficácia

A legislação existente, segundo José Henrique Vasi Werner, sócio do escritório Dannemann Siemsen Advogados e vice-diretor jurídico da Associação Brasileira de Licenciamento, é suficiente e "pretende evitar o abuso, mas não cortar por completo toda publicidade voltada à criança". "Isso seria um mal maior. Radicalizar."

Ainda de acordo com o advogado, o artigo 58 do Estatuto diz que "no processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura".

Neste contexto, em seu ponto de vista, "os abusos podem, devem e serão condenados", mas em consonância com o que estabelece a lei e em respeito ao desenvolvimento intelectual da criança.

"Não se pode colocar a criança em redoma de vidro, isolada do mundo. Caso contrário, afetaria o processo de uma pessoa no desenvolvimento. Ela não terá acesso ao que a lei garante como direito dela. (...) Hoje em dia temos informações de todo tipo à disposição. Se proibirmos a propaganda pra criança, voltada pra ela, que tenha um linguajar adequado à criança, sem instigar consumo, ou obriga-la a algo, vai estar restringindo seus direitos."

Limites à publicidade

Pai de um menino, o advogado afirma, enfaticamente: "os pais não querem que ninguém se intrometa na educação do filho".

"Quero poder ter direito de dizer não pra ele. Não quero que venha do governo, de deputados, ou de qualquer órgão do Executivo, Legislativo ou Judiciário. Não quero que digam o que devo fazer com a educação do meu filho."

Segundo Werner, as regras radicais e proibitivas produzem a ideia de que os pais e as crianças são incapazes, conjuntamente, de formular um juízo de valor a respeito da publicidade e tomar a melhor decisão. "Isso é educar, é o pai fazendo seu papel."

"O ECA está no caminho certíssimo. Junto com outros diplomas legais, ele tem o objetivo de proporcionar uma proteção equalizada, na medida certa, sem radicalizar."

Instituto Alana

Promovendo um olhar cuidadoso voltado aos direitos e garantias às crianças, o Instituto Alana é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, criada em 1994. Defendendo a regulação da publicidade infantil, a entidade sustenta há anos o ponto de vista de que a publicidade voltada às crianças é abusiva e ilegal.

Em artigo publicado por Migalhas, Isabella Henriques e Pedro Hartung afirmam que a publicidade infantil "comprovadamente se aproveita da vulnerabilidade da criança para persuadi-la ao consumo de um produto ou serviço, desrespeitando sua condição de indivíduo em desenvolvimento e atentando contra seu direito à inviolabilidade física, psíquica e moral, além de contribuir para o aumento de problemas sociais como a obesidade infantil, a violência, a erotização precoce".

"Destaca-se, neste âmbito, o parecer do Conselho Federal de Psicologia que, dentre outros argumentos para restrição da publicidade infantil, apontou que até os 12 anos de idade, a criança tem dificuldade em identificar a publicidade e separá-la do conteúdo normal de programação e, ainda, não compreende o caráter persuasivo dessa mensagem comercial."

Pais x Indústria

Em recente decisão, a 5ª câmara de Direito Público do TJ/SP manteve sentença que anulou multa de R$ 3,1 mi aplicada ao McDonald's. A sanção havia sido imposta por veiculação de comerciais considerados abusivos relacionados ao McLanche Feliz.

Ao rejeitar recurso do Procon/SP, o relator, desembargador Fermino Magnani Filho, considerou que a sociedade brasileira se rege pelo modelo capitalista e deve assumir suas consequências, sendo a publicidade uma delas.

Por outro lado, assentou que, embora haja por meio das propagandas indução ao consumo, o consumidor ainda tem o poder de fazer sua escolha, "daí que a estratégia publicitária não será sempre abusiva".

O magistrado ressaltou ainda que "cabe à família [...] o poder-dever da boa educação dos filhos, inclusive o ônus de reprimi-los", ensinando-os os prós e contras das escolhas e, principalmente, "o aprendizado do sentido absoluto do 'não!'".

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