Migalhas Quentes

Em nome da coerência e juridicidade desportivas

Veja as opiniões de peso do dr. Álvaro Melo Filho

7/7/2003
  Em nome da coerência e juridicidade desportivas

 

 

Álvaro Melo Filho *

 

 

Só os medíocres não desagradam, porque não incomodam.

 (Min. Moreira Alves)

 

 

Como Advogado-chefe do setor de Direito Desportivo do Escritório Demarest e Almeida, Professor de Direito, Ex-Vice-Presidente do Conselho Nacional de Desportos, Mestrado em Ciências Jurídicas (PUC-RJ), Ex-Presidente e atual Diretor Jurídico da Confederação Brasileira de Futebol de Salão (também penta-campeã mundial), Livre-Docente em Direito Desportivo, Membro da FIFA, conferencista em seminários e conclaves nacionais e internacionais, Membro da International Association of Sports Law e autor de 35 livros jurídicos publicados por editoras nacionais, dos quais 13 na área do Direito Desportivo, pouco importando a significação que se lhes emprestem, jamais esqueci da lição de D. Helder Câmara de que “aqueles que divergem de mim, não são meus inimigos, porque me completam”. Por isso, sem pretender alimentar uma polêmica promocional, mas usando do sagrado direito de opinião, cumpre-me pugnar, com denodo, pela coerência e juridicidade da legislação desportiva que ajudo a edificar desde 1985. E o faço ao esclarecer colocações desfocadas e ofuscadas pelas nuvens das paixões que embotam a racionalidade jurídico-desportiva, promanadas do Dr. Carlos Miguel Aidar, sob o título “Em nome da Moralidade Desportiva”, publicadas no Migalhas nº 711. 

 

1-     Nunca asseverei que a figura do procurador de atletas nasceu com a extinção do passe, porém, reitero que os leoninos e draconianos “contratos de prestação de serviços” (e não a procuração), com duração quase “eterna”, tornando os atletas “prisioneiros” dos empresários, aumentaram substancialmente desde a Lei Pelé, muitos deles firmados ao arrepio do art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e, não raro quadrando-se como crime previsto no art. 239 do ECA. Aliás, não sou defensor do “passe” na sua versão original, tanto que apresentei várias sugestões concretas propondo sua humanização com a participação percentual progressiva dos atletas quando das indenizações pagas a seus clubes, o que inibiria a intermediação de “atravessadores” que exploram e aviltam a condição humana dos atletas profissionais de futebol, num processo de “canibalismo desportivo” que, infelizmente, ainda encontra defensores.

 

2-     Reafirmo que as dificuldades financeiras e a situação pré-falencial dos clubes brasileiros foi agravada (não confundir com gerada) pela surrealista Lei Pelé, como se deflui da assertiva de Armando Nogueira de que “os clubes que antes do fim do passe viviam na pindaíba, hoje vivem na penúria”. Gilmar Neves – nosso goleiro bi-campeão mundial - sempre defendeu que “o passe é um mal necessário”, enquanto o também goleiro Rogério Ceni declarou recentemente que “o mais prejudicado com o fim da Lei do Passe foi o atleta”. E o grande mestre do Direito Desportivo Valed Perry já alertava que “pretender-se estabelecer o  “passe livre” ao fim do contrato é, inquestionavelmente, aniquilar o futebol brasileiro”, enquanto o jurista Ives Gandra Martins proclamou recentemente que “a nova lei simplesmente tirou os jogadores dos clubes e os repassou para os empresários”, materializando o que denominei de “confisco desportivo”.

 

3-     As conseqüências nefastas da extinção do passe pela Lei Pelé devem ser mensuradas em face do direito posto, e não em razão do direito proposto pelo Dr. Carlos Miguel Aidar, conquanto o § único do art. 29 (proteção dos clubes formadores) por ele sugerido foi vetado, porque afrontoso ao art. 5º, XIII da Constituição Federal, dado que “implica proibir, pelo prazo de três (3) anos, que o atleta profissional exerça sua profissão”, como consta das razões de veto, por inconstitucionalidade.

 

4-     Como artífice e elaborador do art. 217 da Constituição Federal, viga-mestra de todo o ordenamento jurídico-desportivo brasileiro e minha mais valiosa “medalha jurídico-desportiva”, jamais alterei entendimento sobre este postulado constitucional e cláusula pétrea que inibe o intervencionismo ou “dirigismo” estatal no desporto. E para afastar quaisquer dúvidas, basta que se leia o trabalho sobre “Autonomia das Organizações Desportivas” publicado em 2003, às págs. 55/88 do livro “Curso de Direito Desportivo”,  sob a coordenação do próprio Dr. Carlos Miguel Aidar.

 

5-     A Lei Pelé (Lei nº 9.615) é de 24 de março de 1998 enquanto a perda das isenções de Imposto de Renda pelos clubes (art. 18, IV da Lei nº 9.532, de 10.12.97) coincide com a gestão de Pelé como Ministro de Esportes. Aliás, a suprimida isenção tributária dos clubes (decorrente de Lei) não se confundia com  “imunidade tributária” (oriunda da Constituição Federal) como, equivocadamente, assinalou o atual  Presidente da OAB de São Paulo.

 

Adite-se, por oportuno, que jamais defendi o amoralismo desportivo, mas, sou contra a imputação de “razões ocultas de ordem moral freqüentemente assoalhadas com leviana generalização” no dizer do Min. Sepúlveda Pertence.

 

Por derradeiro, cabe registrar que a Lei da Moralidade Administrativa (Lei nº 10.672/03) e Estatuto de Direitos do Torcedor (Lei nº 10.671/03) às quais o ilustre Dr. Carlos Miguel Aidar emprestou sua assessoria jurídica, certamente não seguiram suas orientações, conquanto padecem de uma série de inconstitucionalidades e estão “infectadas” por vícios jurídicos com o animus de concretizar um “controle externo no futebol profissional” (mutilando a autonomia desportiva), à semelhança do controle externo que pretendem impingir ao Poder Judiciário (enfraquecendo a sua independência), fazendo-se tabula rasa dos mais comezinhos princípios jurídico-constitucionais.

 

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* Advogado do escritório Demarest e Almeida.               

 

 

 

 

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