Migalhas Quentes

Rejeitado pelo Senado para ministro do STF, Barata Ribeiro exerceu cargo por 10 meses

Apesar da negativa, Barata Ribeiro recebeu, no ano de sua indicação, elogios da caneta de Machado de Assis.

30/4/2015

Na história republicana brasileira, ao longo de 115 anos (1889 a 2015), o Senado rejeitou apenas cinco indicações presidenciais, negando aprovação a atos de nomeação para o cargo de ministro do STF.

Os vetos a Barata Ribeiro, Innocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros, Antônio Sève Navarro e Demosthenes da Silveira Lobo se deram todos durante o governo Floriano Peixoto (1891 a 1894).

Entre os que amargaram a rejeição, Cândido Barata Ribeiro protagonizou um dos casos mais atípicos: ocupou o cargo por 10 meses (25/11/1983 - 24/09/1894) antes que a Comissão de Justiça e Legislação o considerasse desprovido de "notável saber jurídico" para exercer a função.

Vida e carreira

Nascido na capital da província da Bahia, Cândido Barata Ribeiro mudou-se para o RJ em 1853, onde cursou Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e recebeu o grau de Doutor em Ciências Médicas e Cirúrgicas, em dezembro de 1867.

Favorável à abolição da escravatura e de intensa atuação na campanha que implantou o regime republicano, Barata Ribeiro ocupou o cargo de presidente do Conselho Municipal, em 1891, e de prefeito do Distrito Federal, em 1892.

Em 23 de outubro de 1893, Barata Ribeiro foi nomeado ministro do STF, preenchendo a vaga ocorrida com o falecimento do Barão de Sobral. Ele tomou posse em 25 de novembro seguinte. Submetida a nomeação ao Senado, a Comissão de Justiça e Legislação, entretanto, considerou desatendido o requisito de "notável saber jurídico" necessário ao cargo.

"Todo vontade, todo ação..."

Apesar da negativa, Barata Ribeiro recebeu, no ano de sua indicação, elogios da caneta de Machado de Assis, em texto no qual mostrou afeição pelo "homem pequeno e magro", "todo vontade, todo ação".

"Como Josué, acaba de pôr abaixo as muralhas de Jerico, vulgo Cabeça de Porco", noticiava o Bruxo do Cosme Velho em edição d'A Semana, datada de 29 de janeiro de 1893. Machado falava do cortiço mais famoso do RJ, à época, e da escolha do então prefeito de pôr fim ao local com o objetivo de combater epidemias como de tuberculose, varíola e febre amarela, que assolavam o Rio - um dos atos mais marcantes de seu governo.

"Tudo ruiu, e, para mais justeza bíblica, até carneiros saíram de dentro da Cabeça de Porco tal qual da outra Jericó saíram bois e jumentos."

Confira a íntegra do texto.

____________

1893
[29 janeiro]

A Semana, de Machado de Assis

GOSTO deste homem pequeno e magro chamado Barata Ribeiro, prefeito municipal, todo vontade, todo ação, que não perde o tempo a ver correr as águas do Eufrates. Como Josué, acaba de pôr abaixo as muralhas de Jerico, vulgo Cabeça de Porco. Chamou as tropas segundo as ordens de Javé durante os seis dias da escritura, deu volta à cidade e depois mandou tocar as trombetas. Tudo ruiu, e, para mais justeza bíblica, até carneiros saíram de dentro da Cabeça de Porco tal qual da outra Jericó saíram bois e jumentos. A diferença é que estes foram passados a fio de espada. Os carneiros, não só conservaram a vida mas receberam ontem algumas ações de sociedades anônimas.

Outra diferença. Na velha Jericó houve, ao menos, uma casa de mulher que salvar, porque a dona tinha acolhido os mensageiros de Josué. Aqui nenhuma recebeu ninguém. Tudo pereceu portanto, e foi bom que perecesse. Lá estavam para fazer cumprir a lei a autoridade policial, a autoridade sanitária, a força pública, cidadãos de boa vontade, e cá fora é preciso que esteja aquele apoio moral, que dá a opinião pública aos varões provadamente fortes.

Não me condenem os reminiscências de Jericó. Foram os lindos olhos de uma judia que me meteram na cabeça os passos da Escritura. Eles é que me fizeram ler no livro do Êxodo a condenação das imagens, lei que eles entendem mal, por serem judeus, mas que os olhos cristãos entendem pelo único sentido verdadeiro. Tal foi a causa de não ir, desde anos, à procissão de S. Sebastião, em que a imagem do nosso padroeiro é transportada da catedral ao Castelo. Sexta-feira fui vê-la sair. Éramos dous, um amigo e eu; logo depois éramos quatro, nós e as nossas melancolias. Deus de bondade! Que diferença entre a procissão de sexta-feira e as de outrora. Ordem, número, pompa, tudo o que havia quando eu era menino, tudo desapareceu. Valha a piedade, posto não faltaram olhos cristãos, e femininos, — um par deles — para acompanhar com riso amigo e particular uma velha opa encarnada e inquieta. Foi o meu amigo que notou essa passagem do Cântico dos Cânticos. Todo eu era pouco para evocar a minha meninice...

E, tu, Belém Efrata... Vede ainda uma reminiscência bíblica; é do profeta Miquéias... Não tenho outra para significar a vitória de Teresópolis De Belém tinha de vir o salvador do mundo, como de Teresópolis há de vir a salvação do Estado fluminense. Está feito capital o lindo e fresco deserto das montanhas. Peso de Campos (agora é imitar o profeta Isaías), peso de Vassouras, peso de Niterói. Não valeram riquezas, nem súplicas. A ti, pobre e antiga Niterói não te valeu a eloqüência do teu Belisário Augusto, nem sequer a rivalidade das outras cidades pretendentes. Tinha de ser Teresópolis. "F tu, Belém Efrata, tu és pequenina entre as milhares de Judá..." Pequenina também é Teresópolis, mas pequenina em casas, terras há muitas, pedras não faltam, nem cal, nem trolhas, nem tempo. Falta o meu velho amigo Rodrigues — ora morto e enterrado, — que possuía uma boa parte daquelas terras desertas. Ai, Justiniano! Os teus dias passaram como as águas que não voltam mais. É ainda uma palavra da Escritura.

Fora com estes sapatos de Israel. Calcemo-nos à maneira da Rua do Ouvidor, que pisamos, onde a vida passa em burburinho de todos os dias e de cada hora. Chovem assuntos modernos. O banco, por exemplo, o novo banco, filho de dous pais, como aquela criança divina que era, dizia Camões, nascida de duas mães. As duas mães, como sabeis, eram a madre de sua madre, e a coxa de seu padre, porque no tempo em que Júpiter engendrou esse pequerrucho, ainda não estava descoberto o remédio que previne a concepção para sempre, e de que ouço falar na Rua do Ouvidor. Dizem até que se anuncia, mas eu não leio anúncios.

No tempo em que os lia, até os ia catar nos jornais estrangeiros. Um destes, creio que americano, trazia um de excelente remédio para não sei que perturbações gástricas; recomendava porém, às senhoras que o não tomassem, em estado de gravidez, poio risco que corriam de abortar... O remédio não tinha outro final senão justamente este mas a policia ficava sem haver por onde pegar do invento e do inventor. Era assim, por meios astutos e grande dissimulação, que o remédio se oferecia às senhoras cansadas de aturar crianças.

A moeda falsa, que previne a miséria, não a previne para sempre visto que a polícia tem o poder iníquo de interromper os estudos de gravura e meter toda uma academia na Detenção. Já li que se trata de demolir caracteres, e também que a autoridade está atacando o capital. Eu, em se me falando esta linguagem, fico do lado do capital e dos caracteres. Que pode, sem eles, uma sociedade?

Um criado meu, que perdeu tudo o que possuía na compra de desventuras... perdoem-lhe; é um pobre homem que fala mal. Ensinei-lhe a correta pronúncia de debêntures, mas ele disse-me que desventuras é o que elas eram, desventuras e patifarias. Pois esse criado também defende o capital; a diferença é que não se acusa a si de atacar o dos outros e sim aos outros de lhe terem levado o seu. Quanto aos caracteres, entendo que, se alguma cousa quer demolir não são os caracteres, mas as próprias caras, que são os caracteres externos, e não o faz por medo da polícia.

Lê tudo o que os jornais publicam, este homem. Foi ele que me deu notícia da nova denúncia contra a Geral; ele chama-lhe nova. não sei se houve outra. Contou-me também uma história de discursos, paraninfos e retratos, e mais um contrabando de objetos de prata dentro de um canapé velho.

— Não ganho dinheiro com isto, conclui ele, mas consolo-me das minhas desventuras.

— Debêntures, José Rodrigues.

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