Em nome da moralidade desportiva
Carlos Miguel Aidar*
PRIMEIRO. Só quem não conhece o futebol pode afirmar que a extinção do passe no Brasil (fato ocorrido muito antes na Europa e por decisão de Tribunal Internacional) levou os atletas para a "posse" dos empresários. E isso porque a figura do empresário já existia ao tempo que meu falecido pai foi Diretor de Futebol do São Paulo F. C. (1964/1969) e depois seu Presidente (1970/1978). Mais: o denominado "procurador" dos atletas, saibam os leitores de Migalhas, nada mais é do que uma pessoa portadora de mandato outorgado por outra para um determinado fim. Destarte, o procurador não nasceu com a extinção do passe, mas com o instituto do mandato, que, salvo engano, é bem anterior à mencionada extinção.
SEGUNDO. Estarem os clubes à míngua, de pires na mão, à beira da insolvência, quando não mesmo falidos, não se deve à mudança da legislação, pois esse quadro já existia anteriormente à edição da Lei Pelé. Ademais, sabem todos, à saciedade, que o Brasil vive um período de estagnação, onde a tecnocracia que governou o país - e ainda parece governar - está muito mais preocupada com o TER e o HAVER (política econômica, balança de importação, taxa de juros, cotação da moeda estrangeira etc), do que com o SER (humano, aspecto social). Como o futebol não é uma ilha neste país, é natural que os clubes, enfrentando a crise econômica, cedam suas estrelas,transferindo os contratos de trabalho com os atletas profissionais, mediante recebimento de uma indenização de formação, multa essa, aliás, que pode ser superior à obrigação principal.
TERCEIRO. Quem leu o Diário Oficial da União, quando da edição da Lei Pelé, deveria ter lido os vetos do então Presidente da República FHC, nas páginas logo em seguida, dentre os quais se destaca aquele pertinente ao dispositivo legal que obrigava os atletas a permanecer, ao menos por dois anos, no clube de formação, sem poderem atuar por outra agremiação, antes do decurso dessa "quarentena". Essa era uma prática comum, regulada pelo extinto CND (Conselho Nacional de Desportes), do qual Álvaro Melo Filho fez parte diga-se de passagem, que sempre existiu, nunca foi negado, era praticado e nunca questionado, em juízo ou fora dele.
QUARTO. Curiosamente, assiste-se, em um país instável, como Brasil ainda o é, mudanças de interpretações, manifestações, pareceres etc. Álvaro Melo Filho foi - e por isso nosso aplauso - foi ferrenho defensor da inserção do art. 217 na Constituição Federal, porém deixou de sê-lo ao tempo em que passou a consultor jurídico da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Muito curioso foi o debate indireto que travou com o então Consultor Jurídico do Gabinete Civil da Vice-Presidência da República, depois Advogado Geral da União, e hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes, inserto no livro que coordenei e no qual escrevi o primeiro capítulo, fruto do 1o. Curso de Direito Desportivo ministrado pela ESA (Escola Superior de Advocacia) da OAB-SP, ao tempo em que dela eu era Secretário-Geral e, diretora da Escola, a Professora Doutora Ada Pellegrini Grinover (aliás ainda o é, na atual gestão da OAB-SP sob minha presidência).
QUINTO. A perda da isenção de recolhimento do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, aliás imunidade tributária, que os clubes eram detentores, não se deu com a edição da Lei Pelé, mas sim no exercício anterior, até para poder viger no exercício seguinte - aquele em que foi editada a Lei Pelé - decorrente da volúpia arrecadatória que já assolava nosso país, quando era Secretário da Receita Federal o Dr. Everardo Maciel.
CONCLUSÃO 1. A conquista do pentacampeonato mundial de futebol já se deu na vigência da Lei Pelé e deveu-se, fundamentalmente, aos atletas profissionais de futebol, em que pesem os dirigentes das entidades de direção que, inexplicavelmente, governam o desporto há anos, muitos anos mesmo, neste país. Tivéssemos dirigentes e assessores destes comprometidos com a modernidade, transparência, lisura e idealismo, certamente nosso esporte, principalmente o futebol, já seria exemplo para o mundo, porque não há país como o nosso para "produção" de tantos e tão grandes craques. Ou isso não é verdade também?
CONCLUSÃO 2. Dirá alguém: o Aidar vestiu a carapuça. Vesti a carapuça? Pergunto e respondo: vesti sim, em nome da MORALIDADE DESPORTIVA pela qual sempre lutei e pela qual sempre lutarei enquanto tiver fôlego.
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*Advogado do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais
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