"A inexistência de regra expressa que contemple o companheiro homossexual com a possibilidade de autorizar a remoção post mortem de órgãos, tecidos e partes do corpo do companheiro falecido para transplante, não obsta o reconhecimento do seu direito."
A União apelou da decisão alegando que a união homoafetiva não é reconhecida no Brasil, condição que, por si só, impediria ao companheiro autorizar a doação, sendo necessária, nesses casos, a permissão das pessoas relacionadas no artigo 4º, da lei 9.434/97.
Porém, a desembargadora Federal Monica Nobre, relatora do acórdão no TRF, lembrou os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da promoção do bem de todos para declarar que não há como considerar como legitimados para autorizar a doação post mortem de órgãos somente o cônjuge ou o companheiro heterossexual.
Além disso, destacou julgamento do STF que declarou a aplicabilidade de regime de união estável às uniões entre pessoas do mesmo sexo.
“A união homoafetiva deixou de ser considerada uma mera sociedade de fato e passou a ser reconhecida como uma entidade familiar. Os casais homossexuais passaram a ter os mesmos direitos dos casais heterossexuais em regime de união estável, como divisão de bens, pensão alimentícia em caso de separação, declaração em conjunto no imposto de renda, pensão e herança em caso de morte de um dos parceiros, etc.” (grifos nossos)
Assim, a desembargadora negou provimento aos recursos e determinou que a União comunicasse ao Sistema Nacional de Transplantes o teor da decisão.
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Processo : 0900598-64.2005.4.03.6100
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0900598-64.2005.4.03.6100/SP
2005.61.00.900598-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal MÔNICA NOBRE
APELANTE : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : A.P.P.A.F e outro
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 9 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO(A) COMPANHEIRO(A) HOMOSSEXUAL PARA AUTORIZAR A REMOÇÃO POST MORTEM DE ÓRGÃOS, TECIDOS E PARTES DO CORPO DO(A) COMPANHEIRO(A) FALECIDO(A) PARA TRANSPLANTE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
- A inexistência de regra expressa que contemple o companheiro homossexual com a possibilidade de autorizar a remoção post mortem de órgãos, tecidos e partes do corpo do companheiro falecido para transplante, não obsta o reconhecimento do seu direito.
- Entendimento em consonância com princípios norteadores da Constituição, que consagram a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem de todos. Respeito ao princípio constitucional contido no art. 3º, IV, da Constituição Federal, que veda a adoção, seja pelos particulares ou pelo próprio Estado, de comportamentos, comissivos ou omissivos, que impliquem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Princípio cuja aplicabilidade é plena e a qual deve ser atribuída a máxima eficácia.
- Ampliação do conceito de família (art. 226, § 3º, da Constituição Federal) e do rol dos legitimados para autorizar a referida doação (art. 4º, da Lei nº 9.434/97).
- Questão pacificada no Supremo Tribunal Federal que, em 5 de maio de 2011, declarou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.227 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, conferindo interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 1.723 do Código Civil, a fim de declarar a aplicabilidade de regime de união estável às uniões entre pessoas do mesmo sexo.
- O Judiciário não pode, sob o argumento que está protegendo direito coletivos, determinar a expedição de atos administrativos. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito. As obrigações de fazer permitidas pela ação civil pública não têm força de quebrar a harmonia e independência dos Poderes.
- Remessa oficial e apelações desprovidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e às apelações interpostas pela União e pelo Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 30 de outubro de 2014.
MÔNICA NOBRE
Desembargadora Federal