Na última sexta-feira, 20, a presidente Dilma sancionou a MP 638/14. Elaborada originalmente para tratar de alterações no “Inovar-Auto”, programa de incentivo à cadeia produtiva de veículos, o texto sancionado e transformado na lei 12.996/14 esconde em seu corpo matéria estranha à própria ementa e de grande impacto: o fim da necessidade de licitação para a exploração do serviço regular de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros. Apenas as linhas denominadas semiurbanas, com distância de até 75 quilômetros, terão de ser licitadas. De acordo com a nova lei, que alterou disposições da lei 10.233/01, as outorgas de direito de exploração da atividade passam a ser ilimitadas e concedidas mediante autorizações.
Letra da lei
De acordo com o art. 21, XII, e, da CF, compete à União explorar diretamente os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; nos termos do caput do art. 12 da lei 10.233/01, contudo, é preferível que essa exploração seja descentralizada, isto é, sob regime de “transferência a outras entidades públicas,mediante convênios de delegação, ou a empresas públicas ou privadas, mediante outorgas de autorização, concessão ou permissão”.
De acordo com o caput do art. 175 da CF, a contratação com o poder público pelos regimes de concessão ou permissão será feita “sempre através de licitação”. Ao dispor que a outorga para a exploração dos serviços de transporte rodoviário interestadual será feita mediante autorização, é a esse comando que o legislador busca escapar.
Queda de braço
Desde a promulgação da CF, sucessivos governos tentam em vão submeter as empresas de transportes interestaduais à licitação.
Em 1993, o decreto 952 concedeu às empresas que já atuavam no mercado uma permissão de 15 anos para continuarem explorando a atividade; em 1998 o decreto 2521 substituiu o primeiro, detalhando a regulação do setor, mas sem tocar no ponto nevrálgico, contudo; em 2008, expiradas as permissões provisórias, “licenças especiais” foram expedidas, e as mesmas empresas continuaram atuando. A cada tentativa governamental de emplacar uma licitação – ano passado chegou a ser publicado um edital – as poderosas associações de empresas de transportes entravam em campo e conseguiam preservar seus interesses.
Com a conversão da MP 638/14 em lei, o governo Dilma parece ter jogado a tolha, entregando jogo ao beligerante setor.
Tarifa livre
Fontes do governo asseguram que mesmo sem o instrumento dos editais de licitação serão impostos pela ANTT requisitos de qualidade para a prestação do serviço – o edital publicado no ano passado continha obrigações como idade máxima e média da frota.
Especialistas apontam que o modelo descrito no texto sancionado pela presidente assemelha-se ao do setor aéreo, em que vigora a liberdade tarifária. Um dos artigos define que a ANTT poderá fixar tarifas máximas por um período de “até cinco anos”.