"Você concorda com a definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família?" Com essa pergunta, a página da Câmara na internet busca ouvir o cidadão sobre um tema polêmico, a necessidade ou não de pessoas de sexos opostos para a configuração familiar. No ar desde o último dia 11, a enquete vem obtendo muito mais acesso do que outras congêneres, e segundo a assessoria da própria Câmara, os votos "sim" e "não" estão muito equilibrados.
Se é louvável ouvir o cidadão, nesse caso é recomendado cautela. Sob o mesmo nome tramitam dois projetos distintos, um na Câmara outro no Senado, marcados por orientações antagônicas.
Ao falar em “Estatuto da Família” a enquete da Câmara refere-se ao PL 6.583/13, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR/PE), texto de orientação conservadora. Na contramão da doutrina, da jurisprudência dominante e até mesmo de outros diplomas legais em vigor, busca delimitar o conceito de família:
Art. 2º Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Além do conceito acima, a justificativa apresentada para o projeto deixa clara a ideia “de voltar atrás” ao falar em “desconstrução do conceito de família no contexto contemporâneo”.
Em sentido oposto, tramita no Senado o PLS 470/13, apresentado pela senadora Lídice da Matta (PSB/BA) e de autoria do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. O escopo dessa proposta de Estatuto das Famílias (e aqui o plural é significativo) é maior: almeja reunir em um só diploma todas as disposições do Código Civil e das leis extravagantes a respeito do Direito de Família, em nome de uma justiça mais ágil. No entendimento dos autores do projeto, as relações familiares requerem atenção especial, o que ficaria mais fácil com uma legislação autônoma, pensada especialmente para dirimir conflitos interpessoais, e não patrimoniais.
Os princípios norteadores do Estatuto das Famílias proposto no Senado estão alinhados aos mais recentes conceitos e institutos do Direito de Família, caso da parentalidade socioafetiva ou por afinidade; do reconhecimento das diferentes configurações familiares, incluindo as homoafetivas; da substituição do conceito de guarda compartilhada por convivência familiar, etc. Na raiz desses conceitos estão o reconhecimento da dignidade humana, o respeito à diferença e a atenção às intersecções entre Direito e psicanálise.
Nesses termos, para o PLS 470/13 o conceito de família segue em outra direção:
Art. 3º É protegida a família em qualquer de suas modalidades e as pessoas que a integram.
Art. 4º Todos os integrantes da entidade familiar devem ser respeitados em sua dignidade pela família, sociedade e Estado.