Migalhas Quentes

Bernardo Guimarães - um discípulo de Byron no sertão

Bernardo Guimarães estudou Direito no Largo de São Francisco, ambiente que lhe seria propício para o desenvolvimento da literatura.

27/11/2013

Nascido Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, em Ouro Preto-MG, aos 15 de agosto de 1825, o autor cresceu na também mineira Uberaba, travando conhecimento com o sertanejo que mais tarde figuraria em muitos de seus romances, desenvolvidos sobretudo a partir da tradição da narrativa de “causos”. Conforme remarca o crítico Jamil Almansur Haddad, “Bernardo Guimarães não é evidentemente dos tais Quixotes que empunham a lança em prol do estilo. O que ele quer é contar uma história.”

Para o sociólogo e professor de teoria literária da USP Antonio Candido, embora um dos livros mais famosos de Bernardo, A Escrava Isaura, seja situado na Província do Rio de Janeiro, “o seu mundo predileto é o oeste de Minas e o sul de Goiás, onde se passam O Ermitão de Muquém, O Seminarista, O Garimpeiro, O Índio Afonso, A filha do Fazendeiro, que constituem o bloco central e mais característico da sua ficção.”

Bernardo Guimarães estudou Direito no Largo de São Francisco, ambiente que lhe seria propício para o desenvolvimento da literatura – fundou, com Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa a célebre Sociedade Epicureia, que pretendia realizar os sonhos de Byron, a cujos princípios o exímio tocador de violão e amante de boa cachaça seria fiel para sempre. De acordo com a moda da época, sua iniciação nas letras fez-se pelas portas da poesia marcada pelo devaneio e pelo macabro, para mais tarde, a partir da década de setenta, lançar-se à ficção.

Foi juiz em Catalão-GO em dois períodos (1852-1854 e 1861-1863), no intermédio dos quais foi jornalista no Rio de Janeiro. A experiência em Goiás propiciou-lhe voltar ao ambiente caboclo de sua infância e ali ouvir as histórias e crendices que lhe inspirariam romances.

Em 1861 ocorre um dos causos famosos de Bernardo Guimarães, narrado pela pena de seu neto, José Armelin Bernardo Guimarães:

Ao assumir interinamente o juizado de Direito e impressionado com o mau tratamento que os presos recebiam, Bernardo convoca uma sessão extraordinária de júri para julgar 11 réus. Foram todos absolvidos e soltos imediatamente. O presidente da província, José Martins Pereira de Alencastre, move processo contra Bernardo. O processo não dá em nada em função de mudanças no Governo, o juiz titular (Virgínio Henriques Costa) é transferido para uma comarca vizinha e Bernardo ocupa o cargo até 1863.”

Em 1864 ou meados de 1865, volta a sua terra natal, Ouro Preto, como professor de retórica e poética do Liceu Mineiro; dá aulas de francês e latim em Queluz-MG (hoje Conselheiro Lafaiete); casa-se em 1867 com Teresa Maria Gomes de Lima Guimarães, com quem tem oito filhos; em 1868, volta a viver ainda um tempo no Rio de Janeiro, para enfim fixar-se de vez em Ouro Preto.

É um de seus descendentes, Armelin Guimarães, quem relata:

“Parece-me que a partir de 1877 já Bernardo Guimarães havia abandonado, de vez, o magistério. Passou, desde então, a viver dos caraminguás que lhe rendiam esporadicamente os direitos autorais. O Garnier era seu patrão...

As aulas de Bernardo andavam com urucubaca. As cadeiras de Retórica e Poética do Liceu de Ouro Preto havia muito estavam suprimidas. As de Filosofia e Literatura do Colégio de Congonhas foram fogo de palha. A Queluz não iria mais.

A advocacia, já tinha mesmo mandado às favas. Cargos de nomeação do Governo, nem queria ouvir falar nisso! Da política fugia como o diabo foge da cruz. Nem pensar queria em seguir ao pai, que fora parlamentar em vários períodos legislativos na Assembleia Provincial, embora lhe acenasse com propostas e certos favoritismos de mão beijada, que outros não rejeitariam. E não seria nem cascudo nem ximango. Permaneceria um independente. Entregar-se-ia inteiramente às letras e às musas, nem que para tanto fosse preciso passar à água e angu.”

Foi por essa época, em 30 de março de 1881, que o Imperador D. Pedro II chegou em visita à velha capital das Gerais e manifestou o desejo de encontrar-se com o autor de A Escrava Isaura. Verdadeiro “inimigo das formalidades”, como mais tarde o classificaria Sílvio Romero, todos temeram pela recusa do escritor. O encontro deu-se, contudo, com a intermediação de d. Teresa, dos filhos do escritor e dos criados da casa:

“D. Pedro II, ao ver o poeta, rompendo o cerimonial rotineiro, levantou-se e avançou para o seu lado, abraçando-o, comovido. O monarca, que também fazia versos, externou-lhe a profunda admiração que por ele tinha, e o desejo de possuir, tomadas das próprias mãos do escritor, todas as obras já publicadas.”

Conta a tradição que ao final do encontro, o Imperador teria oferecido ao escritor o título de barão, ao que teria tido como resposta:

-- Sou, Majestade, um homem pobre. Onde já se viu um barão sem baronato?

E assim, pobre, morre em 1884.

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