Embora o art. 333, parágrafo único, do regimento interno do STF preveja que "o cabimento dos embargos [infringentes], em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes", ao menos dois réus interpuserem o recurso sem que tenham a seu favor tal placar.
Longe de constituírem patrocínio contra a letra da lei, alguns argumentos fazem pensar.
Voto médio
De acordo com a tese esposada pela defesa de Ramon Hollerbach, a tradição dos julgamentos em tribunais colegiados brasileiros impõe levar em conta o chamado voto médio, cujo conceito apresenta a partir de um exemplo: "um réu é condenado por maioria de votos, sendo dois votos pela absolvição, um voto pela condenação à pena de 1 ano de prisão e dois votos pela condenação a 2 anos de prisão. (...) O réu não pode ser condenado a cumprir 2 anos de prisão porque, dentro de um universo de cinco votantes, três (ainda que por caminhos diversos) não desejam que esta pena seja aplicada. Em voto médio, a pena estabelecida haverá de ser 1 ano de prisão, ainda que apenas um julgador tenha estabelecido esta pena."
E continua: "É esta a lógica do voto médio. Não é possível proclamar um resultado que vai além daquele pretendido pela maioria dos integrantes da turma julgadora. O voto vencido nunca foi desprezado, em nenhum tribunal do Brasil."
A adoção da técnica do "fatiamento do julgamento" pelo STF na AP 470, contudo, teria prejudicado a construção do voto médio: primeiro chegou-se à conclusão sobre a condenação, para somente depois decidir-se sobre a pena, tomando por base somente os votos condenatórios. Por esse método, então, as decisões absolutórias não teriam sido computadas para o cálculo do voto médio.
Divergência significativa
Para a defesa de Vinícius Samarane, ex-dirigente do Banco Rural, condenado pelo crime de lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta, ao falar em "votos divergentes" o art. 333 do regulamento interno do STF não teria buscado necessariamente "votos absolutórios", razão pela qual a falta de consenso expressa pela ampla divergência entre os votos condenatórios proferidos teria o condão de fundamentar o pedido e a concessão de novo julgamento.
Como se tal argumento não bastasse, ainda há outro: pela lógica, a exigência de quatro votos para qualificar a divergência não seria "matemática", e sim jurídica, expressando o conceito de "divergência significativa". Assim, a exigência de quatro votos divergentes só se justificaria com o plenário completo, o que não se deu em grande parte das sessões de julgamento da AP 470, em razão da aposentadoria dos ministros Peluso e Ayres Britto. No caso específico do cálculo da pena por lavagem de dinheiro a Vinícius Samarane, a defesa aponta que o placar alcançado foi de 4 votos a 3, divergência que proporcionalmente alcançaria o conceito jurídico albergado pela lei.
Por fim, os advogados de Samarane também invocam o fatiamento do julgamento como responsável pela diversidade de quórum de ministros votantes para cada réu: "Alguns acusados foram julgados por onze Ministros enquanto outros por dez, nove, oito e até sete Ministros no tocante a determinadas matérias. Essa circunstância, bem como o fato do Regimento Interno do STF permitir o julgamento no Plenário com o quórum mínimo de seis Ministros (art. 146), excluem a interpretação de que seja exigível, sempre, divergência de quatro votos, sob pena de esse número constituir, em certos casos, nada menos que a maioria".
Nesse contexto, continuam, "é evidente que, considerada a inflexível divergência de quatro votos como pressuposto para admissibilidade dos embargos infringentes, a matemática se modificaria dependendo do acusado, o que é constitucionalmente inadmissível", sob pena de ofensa ao princípio da isonomia.
Aplicação parcial do art. 333
A defesa de Valdemar Costa Neto, por sua vez, tenta argumentar que em sede de julgamento de ação penal originária, o parágrafo único do art. 333, onde aparece o requisito de 4 votos divergentes, não teria sido recepcionado pela CF, "porquanto limitador do direito de recurso, cláusula nítida do due process of law". Retomando a argumentação já examinada pela Corte por ocasião da admissão ou não dos infringentes, repete que a prevalecer a aplicação do art. 333 em sua totalidade, com a limitação do número de votos divergentes, o STF terminaria impondo "aos seus destinatários a odiosa possibilidade de julgamento penal em instância última e definitiva, sem direito a revisão, algo intolerável num Estado Democrático de Direito em sintonia com as atuais normas internacionais de Direitos Humanos".
Sobre o mesmo argumento debruça-se minuciosamente a defesa de José Roberto Salgado, para quem a regra do art. 333, I do RISTF "busca permitir, ainda que de modo incompleto, a concretização no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no contexto das causas penais originárias, do postulado duplo reexame, que visaria amparar o direito consagrado na própria Convenção Americana de Direitos Humanos (...)".
Dúvida razoávelPara a defesa de Pedro Henry, condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por 7 votos a 3, "o escore alcançado em seu julgamento reflete a existência do quórum qualificado de dúvida razoável, fundamento precípuo à admissão dos embargos infringentes".