Em maio último, a ministra Laurita Vaz, do STJ, proferiu decisão em Inquérito (784-DF) determinando ao Google, na qualidade de provedor de hospedagem de sites e blogs, que entregasse à Justiça brasileira dados sigilosos de e-mails trocados entre investigados.
Os personagens envolvidos na trama tornam quase irresistível a armadilha: a gigante da internet, com sede no poderoso e imperialista país vizinho, não se submete aos comandos da Justiça brasileira, em clara afronta a princípios como soberania, igualdade das nações, etc.
Em análise jurídica mais detida, apura-se que o fato de os dados estarem armazenados em território norte-americano não significa que estão fora de alcance da Justiça brasileira, e sim que o procedimento para que sejam acessados deve ser o previsto em um tratado bilateral assinado por Brasil e EUA, e que não foi seguido no caso destacado. Sem tal protocolo, os chamados "provedores de aplicativos" também não têm autorização para quebrar o sigilo dos usuários, protegidos também naquele país.
Por alguma razão, contudo, dentre as várias que Migalhas vem escarafunchando, para o governo brasileiro a leitura preferível continua sendo a da luta do bem contra o mal. Afrontado com as denúncias de espionagem por parte do governo norte-americano o gabinete da Presidência pediu a inserção, no texto do PL 2.126/11, da obrigatoriedade da guarda de dados por parte dos provedores em território nacional, a fim de facilitar o acesso, sempre que necessário. Nas palavras do relator, deputado Alessandro Molon, que buscou justificar tal inserção, “Hoje, empresas de internet vão ao Judiciário brasileiro para dizer que não se aplicam a elas as leis nacionais, porque os dados estão armazenados em outros países”.
Com essa motivação, nasceram os arts. 11, 12 e 13, que na última semana passaram a integrar o texto do PL:
"Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de Internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverá ser respeitada a legislação brasileira, os direitos à privacidade, ao sigilo dos dados pessoais, das comunicações privadas e dos registros.
§1º O disposto no caput se aplica aos dados coletados em território nacional e ao conteúdo das comunicações, nos quais pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.
§2º O disposto no caput se aplica mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.
§3º Os provedores de conexão e de aplicações de Internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira, a coleta, guarda, armazenamento ou tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações.
§4º Decreto regulamentará o procedimento para apuração de infrações ao disposto neste artigo.
Art. 12. O Poder Executivo, por meio de Decreto, poderá obrigar os provedores de conexão e de aplicações de Internet previstos no art. 11 que exerçam suas atividades de forma organizada, profissional e com finalidades econômicas a instalarem ou utilizarem estruturas para armazenamento, gerenciamento e disseminação de dados em território nacional, considerando o porte dos provedores, seu faturamento no Brasil e a amplitude da oferta do serviço ao público brasileiro.
Art. 13. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos artigos 10, 11 e 12 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
I – advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
II – multa de até dez por cento do faturamento bruto do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os impostos;
III – suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos nos artigos 11 e 12; ou
IV – proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos nos artigos 11 e 12.
Parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País"
Para a Brasscom, Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, que tem entre outros integrantes as gigantes Google e Microsoft, a obrigatoriedade não é positiva, pois elevaria os custos das corporações, que poderiam reduzir suas operações no Brasil, ao mesmo tempo que afeta a capacidade de expansão das companhias brasileiras, prejudicando a capacidade do País de criar, inovar, gerar emprego e arrecadar impostos a partir do bom uso da Internet.
Para o jornalista Elio Gaspari, de tal obrigatoriedade "poderá resultar apenas a criação de cartórios de armazenamento a custos exorbitantes. Acreditar que essa medida contém a espionagem estrangeira [justificativa do governo] é pura parolagem. Estimula apenas a xeretagem e os controles nacionais."