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Constituição Federal de 1988 completa 25 anos

Atual Carta Magna foi promulgada em 5 de outubro de 1988.

5/10/2013

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a CF completa 25 anos hoje. O texto marcou o processo de redemocratização após o período de regime militar (1964 a 1985).

Sétima na história do Brasil, a atual Carta foi elaborada pelo Congresso Constituinte, composto por deputados e senadores eleitos democraticamente em 1986 e empossados em fevereiro de 1987.

Em comemoração à data, convidamos os professores de Direito Constitucional José Duarte Neto e Fábio Cantizani Gomes para responder algumas perguntas sobre a Constituição.

Confira:

A CF/88 passou ilesa por um impeachment, duas crises econômicas mundiais sérias, além de problemas políticos e institucionais graves. Poderíamos dizer que a Constituição é forte, avançada? Por quais motivos?

J.D.N.: As Constituições não são somente textos normativos estáticos, válidos e fechados em si. São dependentes das potencialidades que conferem aos detentores e destinatários do poder e do que esses fazem delas na prática. São realidades vivas imbricadas com um dado meio social e político. A Constituição Federal de 1988 foi esperada e desejada. Atendeu aos anseios de uma sociedade civil que foram represados por vinte anos por um sistema político autoritário. De um lado, seu modelo não é livre de críticas – a Constituição foi concebida minudente e com uma proposta estatizante exacerbada que o ruir dos muros exigiu a calibragem. Mas, de outro, trouxe possibilidades de consolidação de uma Democracia substancial e de um Estado de Direito, que ainda oferecem vitalidade mesmo vinte e cinco anos após sua promulgação. Essa vitalidade permite que alguns enxerguem uma expressão normativa bem diferente daquela proposta em 1988, quer pela mudança formal de seu texto – diferentes Emendas à Constituição –, quer pela mutação informal em seus cânones por obra de seus intérpretes (o STF e a comunidade jurídica em geral), quer, em especial, pela vivência e convivência social e política de vinte e cinco anos de amadurecimento. Os movimentos sociais e políticos – inclusive que recentemente mobilizaram parcela significativa de brasileiros – atestam que nossa Constituição ainda é fecunda em potencialidades. Daí que, respondendo a pergunta, se for possível identificar como Constituições frágeis aquelas em que as soluções para os distintos traumas sociais e políticos são encontrados fora do ambiente jurídico, geralmente por procedimentos revolucionários ou golpistas, e fortes as que se adaptam aos desafios e evoluem sem perder suas características principais, pode-se responder com uma afirmativa. A Constituição Federal de 1988 pertence à espécime das fortes, pois consolidou e consolida uma Democracia substancial e um Estado de Direito sem se socorrer da violência.

F.C.G.: Umas das principais características da nossa atual Constituição é que ela nasceu para coroar um momento de redemocratização bastante aguardado e comemorado pela sociedade brasileira, logo após mais de 20 longos anos de ditadura militar. Logo, possui características advindas deste contexto histórico em que se deu seu surgimento. Reflete alguns excessos e os anseios de uma população que ainda festejava o fim do período de exceção.

Sintetiza a disputa de forças políticas e socioeconômicas existentes na sociedade brasileira, como quando estabelece como fundamento da república a livre-iniciativa com a valorização do trabalho, ou quando garante o direito de propriedade, condicionando-o, porém, ao cumprimento da função social.

Foi o texto constitucional que mais tempo demorou para ser elaborado (de fevereiro de 1987 até outubro de 1988), sendo também o mais longo em número de dispositivos constitucionais. Contou, durante o período de trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, com diversas audiências públicas e emendas populares que contribuíram na confecção da versão final do documento.

Portanto, a Constituição de 1988, mesmo sendo longa, prolixa e excessivamente programática, reflete o contexto político e social do povo brasileiro em importante momento de sua história recente. Talvez estes sejam fatores que ajudem a entender a estabilidade de nossa atual carta mesmo frente aos tormentosos períodos que enfrentamos desde a sua promulgação até hoje.

Foi deste modo que atravessamos, com pleno respeito às regras constitucionais, todo o processo de investigação através de CPI que culminou com o impeachment e posterior condenação de um Presidente da República. Importante ainda destacar outro momento de grave risco para a estabilidade de nossa CF nestes 25 anos. Ocorreu durante os governos Collor e FHC quando, influenciados pelas teorias neoliberais, juntamente com os processos de desestatização e privatização, surgiram ideias mais radicais de “flexibilização” de direitos trabalhistas e enfraquecimento da Justiça do Trabalho. Neste momento foi fundamental o fato de contarmos com um texto constitucional bastante estável, no sentido de conferir às normas que definem direitos trabalhistas a condição da imutabilidade.

É de se lamentar somente, durante estes 25 anos, o episódio de alteração da regra constitucional que proibia a reeleição dos chefes do Poder Executivo nos âmbitos federal, estadual e municipal, para atender a interesses momentâneos, fato que colocou em risco a estabilidade de nossas instituições democráticas.

Seria possível destacar as principais diferenças entre a atual Constituição e as anteriores (1967, 1946 e 1937)?

J.D.N.: As diferenças entre a Constituição de 1988 e as republicanas que a antecederam são marcantes. Nossa primeira Constituição, a de 1891, foi uma Constituição nominal. Havia uma incompatibilidade entre o seu projeto escrito e a realidade sociológica, o que a tornou ineficaz. O período de 1930 a 1945 – a despeito do interregno democrático de 1934 – foi um momento marcado pela figura pessoal de Getúlio Vargas que, abertamente, conspirava para o exercício exclusivo do poder político e não para a institucionalização de um regime democrático. A Constituição de 1946 sucumbiu porque as forças sociais e políticas reagentes, sob a sua vigência, buscavam fora do ambiente constitucional uma solução para os seus projetos, sendo a ruptura golpista de 1964 o desfecho desse enredo. A práxis, sob a égide da Constituição de 1967 e da EC 1/69, foi marcada pela preponderância desmedida do Executivo, ocupado e apoiado pelas armas, e que submeteu a organização constitucional. A ordem constitucional de 1988, de outra forma, aprimorou um processo político democrático caracterizado pela realização de eleições diretas, livres e periódicas; pelo exercício universal do sufrágio, inclusive, para os analfabetos; pela liberdade de criação e convivência plural de partidos políticos; pela alternância dos governantes e projetos políticos e pela existência de um espaço público onde impera a liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento. Aprofundou o Estado de Direito pela capilarização e fortalecimento de um Poder Judiciário independente e de outras instituições fomentadoras do acesso à Justiça. A positivação de um sistema constitucional amplo de Direitos Fundamentais – individuais, coletivos, políticos, econômicos e sociais – permitiu e permite uma cidadania ativa e confere ganhos indiscutíveis em efetividade desses mesmos direitos. É evidente que não são só elogios e que existem problemas manifestos e crônicos que não se logrou depurar, quando não, ao contrário, o tempo se encarregou de agravar. A pergunta ora feita, contudo, recomenda a celebração das virtudes e não o lamento do que não se fez.

F.C.G.: As diferenças da CF/88 com as Cartas ditatoriais de 1937 e 1967 são enormes. Estas concentravam poder nas mãos do Executivo, restringiam o exercício de vários direitos previstos atualmente, além de conviverem pacificamente com práticas autoritárias como fechamento do Congresso Nacional, censura aos órgãos de comunicação, cassação de direitos políticos, entre outros.

A Constituição de 1946 foi bastante democrática e pródiga em direitos e garantias individuais também, todavia não tanto quanto o texto de 1988. Apelidada de Constituição cidadã, nossa atual carta magna foi inegavelmente aquela que mais direitos trouxe ao cidadão brasileiro. Foi a primeira em toda nossa história constitucional que iniciou seu texto com os capítulos que tratam dos direitos e garantias fundamentais, ao contrário de todas as cartas anteriores que iniciavam por tratar da organização política do Estado e relegavam às normas definidoras dos direitos fundamentais os capítulos finais do documento.

Nossa atual Constituição também foi a primeira que considerou o respeito à dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito e revelou expressamente os objetivos da República Federativa do Brasil, entre eles o de construir uma sociedade livre, justa e solidária. A partir de então, estes são considerados os mais importantes princípios de nossa Constituição, verdadeiros vetores de interpretação de todas as demais normas jurídicas.

Surgiram também novos direitos, novas ações para concretizá-los, tais como o habeas-data e o mandado de injunção, novos legitimados para propositura de ações de inconstitucionalidade junto ao STF, a previsão da Defensoria Pública como órgão de assistência judiciária às pessoas economicamente desfavorecidas, ampliou-se as funções do Ministério Público como defensor dos interesses coletivos e difusos, houve a previsão de princípios básicos que deveriam reger as normas que ainda iriam surgir de novas áreas do direito, tais como o meio-ambiente, a ordem urbanística e o direito dos consumidores.

Enfim, um texto avançado, em plena sintonia com o constitucionalismo que passava por um momento de revalorização na segunda metade do século XX.

A Carta Magna já foi modificada 80 vezes e há várias propostas de emenda à Constituição tramitando no Congresso. O senhor acredita que ainda há muito o que mudar no texto constitucional? Por quê?

J.D.N.: As 80 mudanças formais da Constituição – veiculadas por 74 emendas constitucionais e seis emendas constitucionais de revisão – devem ser vistas como disfuncionalidade normativa e não atestado de normalidade constitucional. Essas mudanças frequentes têm em princípio duas causas. A primeira, de natureza estrutural, implica um texto analítico, provido de disposições concretas e sem importância para ocupar a hierarquia constitucional. A segunda, um projeto de Constituição Dirigente, o que corresponde a existência exacerbada de imposições constitucionais de natureza concreta de cunho gerenciador das políticas públicas. Enquanto a presença de normas sem importância para a hierarquia constitucional traz a transitoriedade das disposições legislativas para dentro do texto da Constituição de 1988, as imposições constitucionais de políticas públicas vinculativas do legislador retira do último a governabilidade, que fica petrificada na Constituição. Daí que, para o exercício da governabilidade, empreendem-se emendas constitucionais para atender as mudanças econômicas e sociais exigidas. Esse reformismo frequente, verdadeira bricolagem constitucional, tem efeitos nefastos, sobretudo, para o sentimento de grandeza constitucional. O sentimento gerado, a contrario sensu, é de descumprimento da Constituição. Sendo violada, não sendo reprimido o ilícito, a Constituição é percebida como algo menor, como uma norma banal, sem entraves à trivialidade das reformas. Há o perigo real de que a banalização das reformas banalize as normas materialmente constitucionais e garantidoras do princípio democrático e do Estado de Direito. Ainda há pouco, foi defendida sem nenhum brio, com uma naturalidade obscena, a realização de uma Constituinte para a implementação de uma reforma política, o que poderia, talvez, colocar em risco os festejos do próximo aniversário de promulgação (vigésimo sexto). Em uma situação de forte prestígio constitucional, de entendimento da importância das Constituições e de não banalização das reformas, um projeto desses no máximo só seria sussurrado entre dentes. A consciência nacional o repeliria de ímpeto. No atual cenário, de desprestígio pelas reformas frequentes, a despeito das vozes de repúdio da comunidade jurídica, assistiu-se à proposta com relativa prostração. Por motivos tais, não há de se perguntar o que falta para ser modificado formalmente, mas, o que deve ser realizado para que a Constituição se acomode a novos tempos e as necessidades sociais sem o socorro frequente às emendas constitucionais, o que, contribuiria para a elevação do sentimento de grandeza constitucional.

F.C.G.: Primeiramente é importante lembrarmos que foram 74 emendas ao texto constitucional e mais seis emendas do período de revisão (em 1994), totalizando 80 Emendas aprovadas ao texto da CF/88. Todavia, a grande maioria destas emendas não operou grandes modificações sensíveis à sociedade brasileira. Várias delas modificaram artigos do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias apenas para prorrogar o prazo de vigência de alguma regra provisória; outras modificaram apenas um artigo ou acrescentaram um único inciso a um artigo já existente, existindo até mesmo uma Emenda que foi aprovada somente para acrescentar uma palavra ao texto constitucional. Foi o caso da EC 64/10 que acrescentou a “alimentação” como direito social ao art. 6º, da CF.

Pode-se destacar como modificações significativas trazidas ao texto constitucional por emendas, as reformas administrativa, previdenciária e do judiciário. As grandes reformas que ainda restam ser concretizadas são a tributária e a política. Talvez sejam as maiores necessidades de modificação do texto constitucional aguardadas pela população.

É importante ainda destacar que relevantes alterações no texto constitucional hoje em dia estão sendo realizadas através de novas interpretações conferidas pelo STF. É o fenômeno chamado de mutação constitucional, ou seja, modifica-se o sentido do texto constitucional sem alterá-lo formalmente. Desse modo, por exemplo, o STF interpretou que a figura da união estável prevista na CF/88 entre homem e mulher pode-se estender também a um casal homoafetivo.

Na sua opinião, quais são os principais direitos previstos na Constituição que os cidadãos deveriam estar cientes e não estão?

J.D.N.: A Constituição de 1988 instituiu um rico sistema de direitos fundamentais que se espraia em uma teia por todo o seu texto. Nenhuma outra Constituição brasileira foi tão rica. A efetividade desses direitos, contudo, não está em sua enunciação textual. Mas no esforço e criatividade dos intérpretes, dos movimentos e agentes sociais e políticos em alargar os horizontes e romper as suas fronteiras. Deve-se a essa cidadania ativa, entre outras conquistas, a igualdade entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais, uma política de ação afirmativa de inclusão social e étnica no ensino superior, o reconhecimento do casamento e da união estável homoafetiva. Como essa seara é desbravada na luta e no movimento, e não na leitura pasteurizada do texto constitucional, qualquer prognose que se faça não é sem riscos de errar. Também porque, pelas mesmas razões, as perspectivas no âmbito dos direitos fundamentais são realizadas na concomitância e na dinâmica da luta. Parece logo mais acertado identificar setores amplos a serem desbravados por novos direitos e não categorizar aqueles que não são do conhecimento dos cidadãos. São caminhos promissores à exploração: a) a otimização dos direitos políticos de participação direta – o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa – como solução para a crise de representatividade que o movimento das ruas veio denunciar; b) o aprofundamento da redução ou extinção das desigualdades sociais, regionais, de etnia e gênero pela efetivação de nosso amplo e rico sistema de direitos econômicos e sociais; c) a proteção e a garantia dos direitos das minorias; d) um desenvolvimento econômico firmado no compromisso de maior justiça social e de proteção intransigente do meio ambiente.

F.C.G.: Destacaria os direitos de participação política. Penso que grande parcela da população ainda não tomou consciência da importância do voto como instrumento de transformação do cenário político e social, além de desconhecer importantes instrumentos de participação direta, como a iniciativa popular para encaminhar projetos de lei para apreciação das casas legislativas, e a ação popular, instrumento através do qual, qualquer cidadão, individualmente, pode fiscalizar diretamente a atuação dos governantes, anulando atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa e demais direitos difusos.

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