Migalhas Quentes

Google pagará multa de R$ 2 mi por não retirar conteúdo ofensivo

Conteúdo foi considerado ofensivo à prefeita de Ribeirão Preto/SP, Dárcy Vera. Google teria desobedecido ordem Judicial.

20/12/2012

O juiz eleitoral Sylvio Ribeiro de Souza Neto, de Ribeirão Preto/SP, determinou que o Google pague multa de multa de mais de mais de R$ 2 mi por não ter retirado do ar blog ofensivo à prefeita da cidade, Dárcy Vera. A decisão confirmou liminar anteriormente deferida para que o conteúdo considerado ofensivo à política fosse suspenso.

Em setembro, o magistrado determinou que o Google retirasse do blog do jornalista Márcio Francisco seis textos em que há menção à prefeita Dárcy Vera (PSD). O juiz afirma que houve outra comunicação à empresa e os textos não foram retirados da internet. Para o magistrado, o conteúdo "contém ofensas, publicações abusivas e depreciativas à honra e à imagem da candidata".

De acordo com a decisão, "ao tolerar a continuidade ofensivas à honra e à imagem da autora que, relembre-se, tinham sido vedadas por ordem judicial ao provedor e hospedeiro – requerida Google – sujeitam-se às penalidades previstas tanto na Lei das Eleições, quanto no Direito Comum".

Para o magistrado, o provedor de conteúdo ou serviços de multimídia é considerado responsável pela divulgação a partir do momento em que, notificado judicialmente, deixou de tomar providências tendentes à respectiva cessação. Os responsáveis pelo blog também terão que pagar multa de R$ 20 mil reais à prefeita.

Os advogados Alécio Tenório, Paulo Sá Elias e Rodrigo Tyudi Ozawa Koroishi, do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados, representaram a prefeita no caso.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

________

Vistos,

Dárcy da Silva Vera, qualificada nos autos, ajuizou ação de obrigação de fazer, com pedido de antecipação de tutela, em face de Google Brasil Internet Ltda., alegando, em apertada síntese, que a requerida está hospedando o endereço eletrônico https://marciofrancisco.blogspot.com.br, o qual divulga propaganda eleitoral vedada, contendo série de publicações abusivas e depreciativas à honra e à imagem da requerente. Requereu, ao final: a) antecipação dos efeitos da tutela a fim de que seja suspenso provisoriamente do precitado sítio eletrônico todo o conteúdo ofensivo descrito na exordial, bem como a preservação dos logs – Ips, data e horário GMT relacionados ao blog; b) confirmação da antecipação dos efeitos da tutela para que seja determinada a remoção definitiva de todo o conteúdo ofensivo à honra e à imagem da requerente do blog hospedado no endereçohttps://marciofrancisco.blogspot.com.br, sob pena de multa diária de R$250.000,00 e demais consectários legais.

A inicial veio instruída com os documentos de fls.20/40.

A antecipação da tutela foi deferida a fls.43/44 para o fim de determinar a req uerida Google a suspensão do conteúdo das informações ofensivas contidas no blog descrito na inicial, sob pena de imposição de multa diária de R$50.000,00 à requerida Google; outrossim, determinou-se que a requerida fornecesse dados cadastrais daquele que requereu a hospedagem do precitado blog para o fim de futura inclusão no polo passivo da lide em vista de existência de litisconsórcio necessário.

Notificada (fls.48), a requerida pleiteou a revogação da antecipação da tutela, dada a irreversibilidade da medida. Ademais, alegou a descaracterização da propaganda negativa, a incidência dos princípios constitucionais da liberdade de expressão e da manifestação do pensamento – a autora, pessoa pública, deveria suportar as críticas feitas à sua imagem, já que renunciou a parcela de sua intimidade por seguir à carreira política –, e sustentou a impossibilidade de apresentação dos dados cadastrais daquele que cadastrou o endereço eletrônico; embora não tenha fornecido neste primeiro momento os dados dos IPs do usuário, disse ser possível apenas o fornecimento deste referencial (fls.52/62).

A decisão de fls.43/44 foi mantida pelos seus próprios fundamentos (fls.64/64vº).

A fls.121/123 a requerida aventou exceção de litispendência, ocasião em que requereu a extinção do processo sem julgamento do mérito. Documentos acostados a fls.124/204.

A requerente repeliu a litispendência suscitada pela requerida Google uma vez que a causa de pedir da ação cível distribuída a 17ª Vara Cível do Fórum Central da Comarca de São Paulo revela-se diversa da contida na presente demanda (fls.302/310).

Diante da renitente conduta da requerida em descumprir a ordem judicial proferida a fls.43/44, determinou-se fosse lavrado Termo Circunstanciado em desfavor do representante da empresa Google – Edmundo Luiz Pinto Balthazar – ante a caracterização do crime de desobediência eleitoral (fls.336/337).

A concessão de liminar em sede de Habeas Corpus suspendeu os efeitos da decisão de fls.336/337 quanto à persecução criminal (fls.343/343vº), o que, posteriormente, foi confirmado pela concessão da ordem em definitivo (fls.477/482).

Ato contínuo, a autora requereu a majoração da multa diária fixada em desfavor da empresa requerida Google para R$250.000,000 por dia, uma vez que se nega a cumprir ordem judicial deferida; requereu ainda fosse oficiado à empresa TIM Brasil S.A. para fornecimento dos dados cadastrais referentes ao(s) usuário(s) dos endereços de IPs enumerados a fls.375; e que fosse determinado o bloqueio judicial da quantia de R$950.000,00 das contas bancárias da empresa Google, pelo sistema BACENJUD, a título de astreintes (fls.362/376). Porém, deferido apenas que fosse oficiada à empresa TIM Brasil S.A. para que fornecesse todos os dados cadastrais referentes ao(s) usuário(s) dos endereços de IPs precitados (fls.395/397).

Márcio Antônio Francisco e Renata Cristina Francisco Santana foram incluídos no polo passivo da lide (fls.454) e os efeitos antecipados da tutela estendidos a estes a fls.459, sob pena de imposição de multa diária de R$10.000,00 a cada um destes correqueridos.

Márcio Antônio Francisco veio a juízo (fls.491) para manifestar o cumprimento a ordem judicial deferida; instado a cumprir integralmente a ordem (fls.495 e 511), não o fez.

Configurada a revelia da requerida Renata a fls.545.

Manifestação apresentada pela requerida Google arguindo a superveniência de falta de interesse de agir (diante do término do pleito eleitoral e da proclamação dos eleitos) e incompetência da Justiça Eleitoral (a demanda – obrigação de fazer – teria seguido o procedimento ordinário, o qual competiria exclusivamente à Justiça Comum) – fls.552/559.

Manifestações finais encartadas a fls.530/533 e 562/572.

É o relatório.

Fundamento e decido.

Inicialmente, cumpre apreciar as preliminares arguidas pela requerida Google.

Quanto à litispendência, diversa a causa de pedir posta em debate nesta lide – matérias ofensivas contidas no bloghttps://marciofrancisco.blogspot.com.br(fls.21/35) –, ao passo que a exposta na ação em curso na 17ª Vara Cível do Fórum Central da Comarca de São Paulo (Processo nº 583.00.2011.118982-9), ainda que tenha como um dos objetos o precitado blog, revela-se em postagens ofensivas distintas das ora em apreço nesta demanda (fls.133/134). Os links cujas remoções foram requeridas são diferentes; vejam-se fls.03/07, 16/17 e 203. Assim, não há falar-se em litispendência, uma vez que as causas de pedir são distintas.

No que toca ao reconhecimento da superveniente falta de interesse de agir – em razão do argumento do período de propaganda eleitoral ter-se findado antes da resolução do mérito –, não há razão à requerida Google. Com efeito, ainda que o pleito eleitoral já tenha passado e o período de propaganda eleitoral exaurido, a prestação jurisdicional requerida pela autora transcende estes aspectos e se mostra plenamente prática e eficaz quando da sua prolação. No máximo haverá consideração do período de propaganda eleitoral para o fim de fixação do término da astreintes. E mais, fixada multa diária para cumprimento de ordem judicial proferida a fls.43/44, a renitente conduta perpetrada pela requerida Google enseja a execução do montante consequente deste fato, o que revela o efeito prático da sentença a ser proferida.

Ademais, levando-se em consideração o princípio basilar da segurança jurídica, não se perca de vista que a confirmação, ou não, da tutela antecipada concedida mostra-se necessária a fim de que a transitoriedade da decisão proferida a fls.43/44 seja cessada e a prestação jurisdicional definitiva prolatada.

Por fim, não há falar-se em nulidade absoluta decorrente de alegada incompetência da Justiça Eleitoral para o feito, pois, examinada a inicial, verifica-se que a matéria tratada diz respeito à propaganda eleitoral, razão pela qual competente a zona eleitoral detentora de tal função no município de Ribeirão Preto, qual seja, a de nº 305. Registre-se a inexistência de razão de adoção do rito procedimental previsto na Resolução TSE nº 23.367 porque não figuram no polo passivo da lide pessoas envolvidas no processo eleitoral diretamente, porquanto a requerida Google Brasil Internet Ltda. e os autores do blog não se encontram na condição de candidatos a cargos eletivos.

Ressalta-se que a primeira decisão foi proferida em 12 de setembro de 2012 e estabeleceu que as regras do Código de Processo Civil seriam as aplicáveis ao caso posto sob análise, com previsão do rito procedimental ordinário; na ocasião foi deferida tutela de urgência com determinação de retirada dos teores ofensivos à autora no blog hospedado na plataforma da requerida Google (fls.43/44). A fls.48 houve ciência do representante desta requerida acerca da decisão proferida, em que houve menção ao rito ordinário (fls.49).

Neste diapasão, cumpre consignar que desde o início a requerida Google era sabedora do rito procedimental adotado – o ordinário, previsto no Código de Processo Civil – e dessa previsão de rito não se insurgiu pela via adequada.

Superadas estas questiúnculas; no mérito, o pedido é procedente.

Trata-se de ação de obrigação de fazer promovida por Dárcy da Silva Vera em face de Google Brasil Internet Ltda., Márcio Antônio Francisco e Renata Cristina Francisco Santana, sob argumento de que no bloghttps://marciofrancisco.blogspot.com.brpropaganda eleitoral vedada diante de publicações abusivas e ofensivas em relação à imagem e à honra da autora.

No precitado sítio eletrônico – hospedado pela requerida Google – há publicações ofensivas à honra e à imagem da requerente; os requeridos Márcio Antônio Francisco e Renata Cristina Francisco Santana não negaram ser os autores das publicações feitas no blog; tampouco impugnaram os documentos acostados a fls.410 e 416 que, levando em consideração os IPs indicados a fls.375, apontou-os como aqueles que alimentaram o blog.

A crítica à candidata ao cargo de Prefeita em suas ações administrativas no exercício do Executivo Municipal não se tolhe, por ser inerente ao processo eleitoral e esperada àqueles que já exerceram ou ainda exercem função pública.

Porém, em diversas postagens os autores do blog ultrapassaram a crítica do razoável e lançaram insultos à requerente – imputando-lhe até crime –, conforme se vê: “prefeita corrupta” (fls.21), “a prefeita ladra Darcy Vera de Ribeirão Preto” (fls.24), “Darcy ‘Jezebel’ Vera, botando a sua horrorosa boca de cabrita e mentindo para o povo” (fls.25), “Có có có có, candidato do PT, diz que prefeita de Ribeirão é ovo podre” (fls.31), dentre outras.

Com efeito, as publicações no endereço eletrônico devem ser entendidas como propaganda eleitoral irregular, na medida em que, veiculadas à época das eleições, tinham como escopo macular a imagem e a honra de candidata ao cargo do Executivo Municipal; em assim ocorrendo, houve privilégio aos outros candidatos ao mesmo pleito eleitoral em razão da tentativa de desprezar a candidata a Prefeita.

Pois bem. A manifestação de opinião e crítica não são cabíveis por meio de ofensas difamatórias (ou eventualmente caluniosas ou injuriosas), uma vez que não se coadunam com a lisura e a urbanidade àqueles envolvidos no processo eleitoral democrático hígido. Neste ponto, insta salientar que, mais do que os candidatos envolvidos diretamente no pleito eleitoral, os cidadãos, aqueles que têm a legitimidade para eleger os políticos que irão governar o Executivo e o Legislativo Municipais, devem conferir ao processo eleitoral opiniões ou críticas construtivas ao processo eleitoral, sem a violação de preceitos constitucionais fundamentais como a imagem e a honra daquele que se postulou ao cargo público.

Vale conferir o disposto no artigo 243, inciso IX, do Código Eleitoral, também reproduzido no inciso IX, do artigo 13, da Resolução do TSE de nº 23.370, nos quais há previsão de que a ofensa contra a honra aos candidatos implica em emprego de processo de propaganda vedada; a cabeça do texto de Lei prevê “Não será tolerada propaganda:”; o inciso IX prescreve: “que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública;”.

Não se cogita em censura ou restrição à liberdade de expressão; mas, o excesso de linguagem e as ofensas contra a honra violam o disposto no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal. Ademais, as publicações constantes a fls.21/35 não se caracterizam como meras matérias de conteúdo jornalístico, amparados pelo artigo 220, da Carta Magna, e o simples fato de a autora exercer o cargo do Executivo Municipal – ser figura pública com notoriedade social – não permite que os direitos à sua imagem e à sua honra sejam violados; ao revés, ainda que sujeita às críticas e comentários sobre as ações administrativas perpetradas como Prefeita, as garantias fundamentais à imagem e à honra devem ser respeitadas, o que, no caso em tela, não se percebe, uma vez que as publicações no blog lançam ofensas e insultos descomedidos e irrazoáveis à autora. Segue julgado pertinente ao caso em análise:

“[...]. Propaganda eleitoral extemporânea (art. 36 da Lei nº 9.504/97). Arts. 5º e 220 da Constituição Federal. Ausência de violação. - As restrições à veiculação de propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação e comunicação, previstos nos arts. 5º, IV e IX, e 220 da CF, até porque tais limitações não estabelecem controle prévio sobre a matéria veiculada. Precedentes da Corte. [...].” (Ac. de 4.9.2007 nos EAAG nº 7.501, rel. Min. Gerardo Grossi.) – grifo não original.

Pensar-se que o Direito pudesse ser permissivo em referendar o excesso de linguagem e ofensas contra a honra de quaisquer candidatos a cargos eletivos – ou em situações distintas do cotidiano de todo homem – importaria em transmitir a todos a possibilidade de desrespeitar – indistintamente e de forma inconsequente – qualquer pessoa, em flagrante anarquia, contrariando, ipso facto, o Estado Democrático de Direito (artigo 1º, caput, Constituição Federal).

Passo outro, a Lei das Eleições trata da matéria nos seguintes termos:

“Art. 57-F. Aplicam-se ao provedor de conteúdo e de serviços multimídia que hospeda a divulgação da propaganda eleitoral de candidato, de partido ou de coligação as penalidades previstas nesta Lei, se, no prazo determinado pela Justiça Eleitoral, contado a partir da notificação de decisão sobre a existência de propaganda irregular, não tomar providências para a cessação dessa divulgação.

Parágrafo único. O provedor de conteúdo ou de serviços multimídia só será considerado responsável pela divulgação da propaganda se a publicação do material for comprovadamente de seu prévio conhecimento.” – grifo não original

Compulsando-se os autos, vê-se que ao tolerar a continuidade de divulgação das publicações ofensivas à honra e à imagem da autora que, relembre-se, tinham sido vedadas por ordem judicial (fls.43/44), ao provedor e hospedeiro – requerida Google – sujeitam-se às penalidades previstas tanto na Lei das Eleições, quanto no Direito Comum.

O provedor de conteúdo ou serviços de multimídia é considerado responsável pela divulgação a partir do momento em que, notificado judicialmente, deixou de tomar providências tendentes à respectiva cessação, o que no caso em tela ocorreu desde o dia 13 de setembro de 2012 (fls.48). A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“DIREITO DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL - RECURSO ESPECIAL - INDENIZAÇÃO - ARTIGO 159 DO CC/16 E ARTIGOS 6º, VI, E 14, DA LEI Nº 8.078/90 - DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO - SÚMULA 284/STF - PROVEDOR DA INTERNET - DIVULGAÇÃO DE MATÉRIA NÃO AUTORIZADA - RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO - RELAÇÃO DE CONSUMO - REMUNERAÇÃO INDIRETA - DANOS MORAIS - QUANTUM RAZOÁVEL - VALOR MANTIDO. 1 - Não tendo a recorrente explicitado de que forma o v. acórdão recorrido teria violado determinados dispositivos legais (artigo 159 do Código Civil de 1916 e artigos 6º, VI, e 14, ambos da Lei nº 8.078/90), não se conhece do Recurso Especial, neste aspecto, porquanto deficiente a sua fundamentação. Incidência da Súmula 284/STF. 2 - Inexiste violação ao artigo 3º, parágrafo segundo, do Código de Defesa do Consumidor, porquanto, para a caracterização da relação de consumo, o serviço pode ser prestado pelo fornecedor mediante remuneração obtida de forma indireta. 3 - Quanto ao dissídio jurisprudencial, consideradas as peculiaridades do caso em questão, quais sejam, psicóloga, funcionária de empresa comercial de porte, inserida, equivocadamente e sem sua autorização, em site de encontros na internet, pertencente à empresa-recorrente, como "pessoa que se propõe a participar de programas de caráter afetivo e sexual", inclusive com indicação de seu nome completo e número de telefone do trabalho, o valor fixado pelo Tribunal a quo a título de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso. Valor indenizatório mantido em 200 (duzentos) salários mínimos, passível de correção monetária a contar desta data. 4 - Recurso não conhecido (REsp 566468/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 23/11/2004, DJ 17/12/2004 p. 561) – grifo não original.

De mais a mais, colhe-se do melhor entendimento doutrinário: “A inatividade, quando do agente se exige uma ação, caracteriza a conduta omissiva. Normalmente, a omissão por si só é irrelevante para a esfera jurídica. Somente pode ser responsabilizado por omissão o agente que estiver em situação jurídica que o obrigue a agir, a impedir um resultado” (Sílvio de Salvo Venosa, “Direito Civil”, Atlas, 4ª ed., vol. 4, 2004, págs. 26/32) – grifo não original.

No caso em apreço revela-se nítida a omissão da requerida Google no dever de evitar a propagação das ofensas pessoais dirigidas à honra e à imagem da autora em plena disputa eleitoral. Assim, quando a requerida Google recebeu a ordem judicial de retirada do conteúdo do blog, em virtude do reconhecimento de abuso contido no sítio eletrônico, competia a ela (provedora) agir para cessar a propagação das ofensas reconhecidas. O Tribunal de Justiça de São Paulo já se pronunciou em torno do assunto, como se extrai do seguinte julgado:

“DANO MORAL - Indenização - Discutível a aplicação da responsabilidade objetiva do provedor de hospedagem pelos conteúdos do autoria de terceiros - De um lado, se afirma a inexistência de um dever de censura do provedor de hospedagem sobre os pensamentos e manifestações dos usuários - De outro lado, se afirma que se trata, pela própria ausência do controle, de atividade de risco, ou do risco da atividade - No caso concreto, o conteúdo dos perfis em site de relacionamento Orkut era manifestamente ilícito e foi o provedor admoestado pela autora e por seus amigos a proceder ao seu cancelamento, tomando inequívoca ciência da ilicitude do conteúdo - Inocorrência de dúvida razoável sobre a ilicitude do conteúdo, que em tese permitiria ao provedor aguardar determinação judicial - Criação de perfil falso e de conteúdo prima facie ilícito, gerador de responsabilidade civil do provedor, tão logo tome conhecimento de tal fato a persista no comportamento de mantê-lo - Clara violação à honra subjetiva da pessoa - Ação procedente - Recursos não providos” (Apelação nº 990.10.088.008-0, Comarca de Duartina, 4ª Câmara de Direito Privado, julg. em 29/04/2010, Rel. Des. Francisco Loureiro) – grifo não original.

Colhem-se deste último acórdão trechos relevantes que podem ser transportados ao presente julgamento, mesmo porque envolvem a mesma empresa requerida Google:

“O serviço oferecido pela ré em seu siteorkut.com é tipicamente o que se denomina de oferta de hospedagem. Através de seu domínio raiz permite que os usuários que se cadastrarem criem novas páginas dentro de determinadas categorias pré-estabelecidas pela empresa. Assim sendo, a empresa ré fornece a estrutura e o espaço para que os usuários publiquem os conteúdos ligados ao modelo do site, ou seja, rede social.

Desta forma, a autoria e, consequentemente, a responsabilidade primária pelo conteúdo das páginas é dos usuários, não do provedor, que apenas disponibiliza um espaço para que estes dêem vazão a sua criatividade.

O entendimento majoritário é no sentido de que ocorre a responsabilidade quando há possibilidade de controle por parte do provedor de conteúdo ilícito das mensagens ou perfis. Dizendo de outro modo, tão logo cientes ou cientificados do conteúdo ilícito do material veiculado por seus clientes, nasce a imediata obrigação de coibir tal comportamento e fazer cessar a veiculação na rede.

Há bom entendimento na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido de que "com relação a responsabilidade dos chamados "provedores de serviços" predomina na doutrina o princípio de que não respondem pela conduta dos usuários, salvo quando notificados da prática de um ato ilícito realizado ou em vias de ser praticado. A partir de então, devem tomar as providências imediatas para a cessação ou impedimento da lesão. Deixando de atuar, não obstante a notificação, poderão responder em conjunto com o autor do ato ilícito causador do dano" (TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, AI 584.783-4/7-00, Rel. Egidio Giacoia) – grifo não original.

Nessa esteira se manifestou Marcel Leonardi: "... haverá responsabilidade quando o provedor de conteúdo, notificado a bloquear o acesso ou remover a informação ilegal disponibilizada por terceiros em seu web site, não o faz, incorrendo, assim, em omissão voluntária. Nesse contexto, o provedor de conteúdo não será responsável por ato ilícito cometido por terceiro até que tenha conhecimento de sua existência. Apenas então é que deverá tomar as providências necessárias para impedir a continuidade da prática, sob pena de ser responsabilizado solidariamente com o autor da informação" (Responsabilidade Civil dos provedores de Serviços de Internet - ed. Juarez de Oliveira - p. 182).

No âmbito da Justiça Eleitoral colhem-se os seguintes precedentes jurisprudenciais do Tribunal Superior Eleitoral:

“[...] Direito de resposta – Internet. 1. Decadência - A transgressão perpetrada pela internet implica em constante e permanente ofensa ao direito, a reclamar, se for o caso, a sua pronta suspensão. Enquanto o material tido como ofensivo permanecer sendo divulgado, o interessado poderá requerer o direito de resposta. Ocorrendo a retirada espontânea da ofensa, o direito de resposta, por analogia ao art. 58, § 1º, III, deve ser requerido no prazo de 3 (três) dias. [...]. 3. Inépcia da Inicial - Apresentados documentos e mídia pela qual é possível verificar a gravação de entrevista para sítio da internet a inicial reúne os elementos mínimos necessários para seu conhecimento. Não sendo contestado o período de veiculação afirmado na inicial, o fato resta incontroverso. 4. Mérito - A afirmação de Partido Político ser associado ao narcotráfico abre espaço para o direito de resposta. 5. Prazo da veiculação da resposta - Na internet, o direito de resposta deve ser veiculado em prazo não inferior ao dobro do utilizado para veiculação da ofensa. Inconstitucionalidade alegada apenas no recurso afastada.”(Ac. de 2.8.2010 no R-Rp nº 187987, rel. Min. Henrique Neves.) – grifo não original.

“[...] Propaganda eleitoral antecipada. Internet. Blog. Ação cautelar. Anonimato. Pseudônimo. Suspensão liminar. Provedor. Responsabilidade. Livre manifestação do pensamento. 1. As representações eleitorais que apontem irregularidades na utilização da internet como meio de divulgação de propaganda eleitoral podem ser propostas: (i) - contra a pessoa diretamente responsável pela divulgação tida como irregular, seja por autoria própria, seja pela seleção prévia do conteúdo divulgado; e (ii) - contra o provedor de conteúdo ou hospedagem quando demonstrado que este, em relação ao material incluído por terceiros, foi previamente notificado da irregularidade apontada ou, por outro meio, é possível verificar o seu prévio conhecimento. (iii) Desta última hipótese, excetua-se o armazenamento da propaganda realizada diretamente por candidatos, partidos e coligações, quando o provedor somente poderá retirar a propaganda após prévia apreciação judicial da irregularidade apontada, sendo ele responsável apenas no caso de descumprimento da decisão judicial. 2. Diante de comprovada irregularidade eleitoral, a Justiça Eleitoral pode, por meio de decisão fundamentada, determinar a suspensão de conteúdo veiculado na internet, em representação que identifique o responsável pelo conteúdo ou em ação cautelar que busque identificá-lo. 3. A identificação do responsável direto pela divulgação não é elemento essencial para determinar a suspensão e não prejudica: (i) a apuração da responsabilidade para permitir a discussão sobre eventual aplicação de sanção a ser tratada em processo próprio que assegure a defesa; ou (ii) que o próprio responsável venha ao processo e se identifique, pleiteando manter a divulgação. 4. Para suspender a propaganda pela Justiça Eleitoral não é suficiente a alegação de ser o material anônimo. É necessário que dele se extraiam elementos que demonstrem a violação das regras eleitorais ou ofendam direito daqueles que participam do processo eleitoral. 5. Se em determinada página da internet há uma frase ou um artigo que caracterize propaganda eleitoral irregular, ou mesmo mais de um, todos deverão ser identificados por quem pretende a exclusão do conteúdo, na inicial da ação que pede tal providência, ainda que seja necessário especificar detalhadamente toda a página. 6. A determinação de suspensão deve atingir apenas e tão somente o quanto tido como irregular, resguardando-se, ao máximo possível, o pensamento livremente expressado.”(Ac. de 29.6.2010 no AgR-AC nº 138443, rel. Min. Henrique Neves.) – grifos não originais.

Destarte, levando-se em consideração que, sem justificativa plausível, a requerida Google, ainda que notificada para tanto, manteve-se renitente ao cumprimento da ordem judicial de remoção do conteúdo ofensivo e degradante à honra e à imagem da autora, configurada propaganda eleitoral irregular negativa.

Quanto à multa diária imposta, pouco releva o eventual acúmulo ao longo do tempo. Neste sentido, confira-se o seguinte precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:

“Processual Civil. Agravo no recurso especial. Embargos à execução. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. Astreintes. Revisão do valor. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. Prequestionamento. Ausência. Súmula 211/STJ. Dissídio jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. - Nos termos de precedente, se o único obstáculo ao cumprimento de determinação judicial para a qual havia incidência de multa diária foi o descaso do devedor, não é possível reduzi-la, pois a astreinte tem por objetivo, justamente, forçar o devedor renitente a cumprir sua obrigação. A conclusão que se retira do contexto fático é que foi realmente necessário o acúmulo de uma multa pesadíssima para que o agravante, finalmente, cedesse à ordem judicial. - A análise sobre o excesso ou não da multa não deve ser feita na perspectiva de quem, olhando para fatos já consolidados no tempo – agora que a prestação finalmente foi cumprida – procura razoabilidade quando, na raiz do problema, existe justamente um comportamento desarrazoado de uma das partes; ao contrário, a eventual revisão deve ser pensada de acordo com as condições enfrentadas no momento em que a multa incidia e com o grau de resistência do devedor. Agravo não provido”(AgRg no REsp nº 1.026.191-RS – Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julg. em 03/09/2009) – grifo não original.

Assim, descabe se cogitar, no caso em tela, qualquer redução do valor diário da multa imposta a fls.43/44 (Google) e fls.459 (Márcio Antônio Francisco e Renata Cristina Francisco Santana), se necessário a ser dobrada (artigo 461, parágrafo 6º, Código de Processo Civil), anotando-se que a retirada parcial do conteúdo ofensivo em nada beneficia os requeridos, na medida em que persistiram na rede as outras publicações ofensivas à honra e à imagem da autora.

Finalmente, terminada a propaganda eleitoral com a ocorrência do segundo turno no dia 28 de outubro próximo passado, não se verifica razão para incidir a multa inicialmente fixada após esta data, dada a natureza eminentemente eleitoral das ofensas contidas no blog e que continuaram acessíveis diante da recalcitrância dos requeridos; terminada a disputa eleitoral, a manutenção das ofensas no blog gera tão somente, em tese, direito de indenização pelo Direito Civil na esfera da Justiça Comum.

Posto isso, torno definitivo a antecipação da tutela deferida a fls.43/44 e julgo procedente o pedido para consolidar as ordens de suspensão e exclusão do conteúdo ofensivo à honra e à imagem da autora descrito nos itens 2 e 3 da inicial e estabelecer ser devida pela requerida Google Brasil Internet Ltda., em favor da autora, a multa de dois milhões e duzentos mil reais (pelo descumprimento da multa diária de R$50.000,00 entre os dias 15 de setembro de 2012 (considerada a ciência no dia 13 e a possibilidade de retirar o conteúdo do blog até o dia 14 de setembro) e 28 de outubro de 2012), bem ainda para estabelecer ser devida pelos requeridos Márcio Antônio Francisco e Renata Cristina Francisco Santana, a cada um deles, em favor da autora, a multa de vinte mil reais (pelo descumprimento da multa diária de R$10.000,00 entre os dias 26 de outubro de 2012 (considerada a ciência no dia 24 e a possibilidade de retirar o conteúdo do blog até o dia 25 de setembro) e 28 de outubro de 2012). Por força do princípio da sucumbência, condeno os requeridos, solidariamente, ao pagamento das custas e despesas processuais; quanto aos honorários advocatícios, com lastro no artigo 20 do Código de Processo Civil, a requerida Google arcará com o montante equivalente a vinte por cento sobre o valor da multa por ela devida e arcarão os requeridos Márcio e Renata, individualmente, com o montante de vinte por cento sobre o valor da multa a eles fixada.

P.R.I.C.

Ribeirão Preto, 19 de dezembro de 2012.

SYLVIO RIBEIRO DE SOUZA NETO

Juiz Eleitoral

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