A União terá que pagar R$ 30 mil de indenização por danos morais a um homossexual por ter colocado em seu certificado de isenção do serviço militar que era moralmente incapaz para ingressar no Exército em razão de sua orientação sexual. A decisão da 4ª turma do TRF da 4ª região entendeu que o documento feriu direitos fundamentais do autor.
O homem, que mora em Tubarão/SC, conta que só tomou conhecimento do fato quando precisou confirmar o número do atestado de reservista, em 2003, para pleitear uma vaga de estágio. “Percebi que carregava há 22 anos um atestado de incapacidade moral”, disse o autor em seu depoimento à Justiça.
Conforme o relator do processo, juiz Federal João Pedro Gebran Neto, convocado para atuar na corte, a CF proíbe discriminação por motivo de sexo. “A administração efetivamente desrespeitou aos princípios constitucionais de promoção do bem de todos”, afirmou.
Segundo o magistrado, houve ofensa ao patrimônio moral do autor, trazendo-lhe sentimentos auto-depreciativos e angustiantes. “O documento representou desprestígio e descrédito à sua reputação, expondo-lhe à humilhação”, observou em seu voto.
Apesar de confirmar a condenação da União, Gebran diminuiu em R$ 20 mil o valor da indenização estipulado em primeira instância. Segundo ele, deve ser levado em conta o princípio da proporcionalidade para evitar o enriquecimento sem causa. O valor deve ser acrescido de juros e correção monetária.
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Processo : 5002080-87.2012.404.7207/TRF
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002080-87.2012.404.7207/SC
RELATOR : JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
APELANTE : A.L.A.N.
ADVOGADO : MARCELO JOSÉ JUNG JUNIOR
: CIRLENE STELZNER JUNG
APELANTE : UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
APELADO : OS MESMOSVOTO
1. Inicialmente, considero ser caso de reexame necessário, porquanto a União foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 50.000,00, isto é, acima de sessenta salários mínimos, conforme prevê o art. 475, I, § 2º, do CPC.
2. Busca a parte autora a condenação da União ao pagamento por indenização de danos morais decorrentes de alegada discriminação sofrida por ter constado, em seu certificado de isenção, que foi dispensado do serviço militar por incapacidade moral em razão de sua opção sexual.
3. O direito à indenização por dano material, moral ou à imagem encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurado no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, in verbis:
'Art. 5º. (...)
...
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)'.A Constituição Federal dispõe, ainda, que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, nos moldes do §6º do art. 37.
Na legislação civil, em vigor (Lei n. 10.406, de 10/01//2002), a prática de atos ilícitos e o dever de indenizar encontram-se definidos e disciplinados nos seguintes dispositivos:
'Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.'
...
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.'Em síntese, a responsabilidade civil pressupõe a prática de ato ou omissão voluntária - de caráter imputável - a existência de dano e a presença de nexo causal entre o ato e o resultado (prejuízo) alegado.
Nesse contexto, indispensável que as provas encerrem elementos objetivos e, se possível, inequívocos acerca do objeto da contenda, incumbindo aos litigantes o ônus de produzir as provas de suas alegações, nos moldes do art. 333, I e II, do CPC.
4. Dos fatos:
O autor relata na inicial que no mês de novembro de 2003, o Autor, estudante do curso de Serviço Social na Universidade do Sul de Santa Catarina, procurou o Conselho Municipal de Assistência Social para inscrever-se como estagiário, na ocasião foram-lhe requisitados diversos documentos, dentre os quais, o 'Certificado de Reservista', documento que comprova sua regularidade com o serviço militar.
Ao preencher o cadastro surgiu-lhe uma dúvida em relação ao número do referido documento o que o levou a procurar a junta de Serviço Militar, que por sinal tem sua sede no mesmo prédio. Ao ter em mãos o documento do Autor, a funcionária da época, Cida, comentou que o motivo da isenção ali descrito referia-se a algum tipo de incapacidade moral.
Questionou-o, então, se havia cometido algum delito na adolescência ou se tinha algum problema mental, depressão ou defeito físico, diante das respostas negativas perguntou se era homossexual, mesmo constrangido acabou lhe dando uma resposta afirmativa, ouviu então da funcionária, ser este o motivo pelo qual fora enquadrado como 'moralmente incapaz para integrar as Forças Armadas.
Fora humilhado e não conteve as lágrimas diante de todos os funcionários do local ao saber da situação em que se encontrava a 22 anos, qual seja, carregando um atestado de incapacidade moral.
5. Em seu depoimento pessoal, disse o autor (evento 2- AUDIÊNCI46):
'Juiz: Seu A.L.A.N., o senhor está processando aqui a União Federal e eu gostaria que o senhor relatasse os fatos em que pelo qual o senhor foi procurar um advogado que está processando a União Federal. Eu quero saber o que aconteceu?
Autor: Eu fazia o curso de Serviço Social na UNISUL e fui chamado para trabalhar no conselho municipal antidrogas na Casa da Cidadania aqui em Tubarão e tive que preencher um documento - foi como estagiário, né - e tive que preencher um documento para receber uma remuneração como estagiário pela prefeitura do conselho municipal. Peguei meus documentos todos para preencher e quando chegou na hora do documento militar, eu fiquei em dúvida porque existem dois números ali, né, um é R A, e outro eu não lembro agora como é o número. Como a junta militar fica na frente do conselho municipal de assistência social, onde está junto o COMADT, né, eu me dirigi à junta para perguntar para a atendente da junta, dona Maria Aparecida, qual o número que eu iria colocar no meu... qual o número que eu colocaria naquele documento que a prefeitura me pediu. A primeira pergunta que ela me fez foi 'porque que tu tens a carteira azul?', aí eu olhei pra ela e disse 'será que não é porque eu sou de Florianópolis ou me alistei em Itajaí?' porque eu não sabia cor de carteira, né. Daí ela assim 'Não! Não é isso.', mas aí ela falou, né, 'tem um artigo nessa carteira azul'. Tem um artigo na carteira azul, né, aí ela assim 'Tu cometesse algum crime na tua adolescência?', eu disse 'não senhora'. - 'Tens algum problema físico?'. Eu disse 'Não. Não senhora'. Foi me deixando até constrangido, né, perguntar se eu tinha cometido algum crime na minha adolescência... Daí ela recorreu ao regulamento e no regulamento estava escrito 'incapacidade moral em tempos de paz', né, no artigo 165, parágrafo 3º. Isso foi no ano de... eu não recordo o ano agora. Aí eu disse... ela assim 'Tu és?' eu disse 'O quê?'. Ela assim 'Tu és homossexual?', não ela não perguntou nestes termos, né.Juiz: Ela perguntou em que termos?
Autor: Ela perguntou, ela... Viado! Ela é evangélica da Congregação Cristã do Brasil, depois que eu fiquei sabendo. Ela disse 'Porque se tu for, quem vai te julgar é Deus.', aí eu disse pra ela assim 'Bom...', eu disse 'isso é uma questão particular', eu disse. Não deveria nem ter respondido, agora não é justo eu que ter que sair, porque eu fiquei assim... fiquei em sem ação. Eu peguei minha documentação e saí da junta militar, ela me deu pra tirar xérox de alguns documentos que ela tinha ali e depois eu procurei um advogado por isso, eu descobri excelência, eu sei que eu fui consegui o Dr. Marcelo e a Dr. Cirlene, fui consegui um ano e pouco depois, que advogado nenhum em Tubarão queria me defender. Porque eles falavam sobre prescrição, eles falavam que isso aí era caso perdido, que eu só ia me incomodar... Mas como mexeu com a minha honra, com a minha dignidade eu não achei justo... Eu não achei justo, porque eu creio excelência que a honra de um cidadão, né, não prescreve nem após a morte. E eu não desisti, procurei dois, três advogados, Dr. Marcelo me encontrou um dia em frente à Casa da Cidadania, que era justo onde eu estava fazendo o estágio, e eu já estava correndo atrás da documentação, e ele perguntou 'o que que houve?', já me conhecia inclusive, e eu disse aconteceu assim, e eu preciso dar um jeito porque, sabe aquela sensação de reportar anos atrás e saber porque nada deu certo na vida assim, né. Porque é um documento que como o senhor sabe que a gente tem que apresentar em todas as instituições que a gente vai, né. A gente vai arrumar um emprego, vai se matricular num curso... quando eu fiz a minha faculdade, apresentei. Justamente, eu estava fazendo a minha faculdade, pensei até em desistir, achando que eu não ia poder mais exercer a minha profissão, porque até então eu desconhecia que esta carteira valia até os 45 anos. Tornou-se meio que, é... meio que obsessivo da minha parte começar a estudar sobre danos morais partindo de uma instituição que é o exército, que vem na televisão, que vem atrás de panfletos na casa da gente, hoje em dia ainda fazem isso. Braço forte, mão amiga. Eu confesso pro senhor que eu tenho muita mágoa pelo que fizeram comigo, porque eu fui a fundo, fui discernir, esmiuçar o que que significa imoral. É muito triste, eu perdi um companheiro de 5 anos, porque eu não conseguia arrumar emprego, fiz concurso para o Tribunal de Justiça de Florianópolis uma época atrás, - meus vinte e poucos anos, eu estou com 47 anos - passei em primeiro lugar para Comissário da Infância e da Juventude. Eu entrei com recurso porque eu fui chamado, entreguei toda minha documentação na época, jovem, entrei com a minha documentação, depois me chamaram para fazer uma prova de datilografia. O nome da desembargadora eu não me lembro, confesso. Mas o nome do moço que me atendeu, que eu entrei com recurso, me deu uma prova de datilografia onde errei a palavra 'mico-leão dourado'. Na datilografia eu escrevi 'mico-leao dourado'. A desembargadora simplesmente me chamou de petulante. Eu tinha só o segundo grau, na minha ignorância, não tinha dinheiro para pagar advogado. Sou natural de Florianópolis, lá eu morava, e acabei acatando a decisão deles, do Tribunal de Justiça de Florianópolis. E durante muitos anos eu me questionava porque que as coisas não davam certo pra mim. Porque eu sempre fui muito estudioso, né, sempre tive muita vontade de crescer na vida, sempre tive muita vontade de ter a minha vida independente. Inclusive, o meu relacionamento com um advogado de Florianópolis que durou 5 anos, onde nós tínhamos um círculo de amizade muito influente, que ele é um advogado bem influente em Florianópolis, mas também foi se tornando insuportável nossa convivência, porque era difícil conseguir um emprego, e eu sendo apresentado, é comum perguntar 'no que que tu trabalha? O que que faz?', entendeu. 'Ah, to desempregado'. Aquilo tudo foi se desgastando, apesar de a gente se gostar, nós tivemos que nos deixar, foi onde eu vim embora pra Tubarão e resolvi fazer um curso superior. E foi aonde eu descobri tudo, 23 anos depois de...Juiz: Senhor A., mas o senhor acha que foi tudo em virtude dessa questão da carteira do senhor?
Autor: Excelência, eu não tenho outra coisa a dizer senão, porque eu me considero uma pessoa capaz, competente, né, e muita coisa, com certeza, do lado profissional foi em virtude disso. Porque o senhor veja bem, eu não... o Tribunal de Justiça... não tiro a razão do Tribunal de Justiça de Florianópolis de não contratar uma pessoa incapaz moralmente pra trabalhar com menores - crianças e adolescentes - porque depois que eu descobri isso tudo, vou ser muito sincero, me senti em uma condicional, qualquer deslize que pudesse acontecer na minha vida, qualquer calúnia que pudesse acontecer na minha vida, tendo um certificado deste, ficaria muito complicado pra mim me defender. Eu vou ser muito sincero.Juiz: O senhor falou aqui desta pessoa da igreja evangélica, né. Tem mais algum fato específico que aconteceu em virtude da carteira?
Autor: O fato específico no dia que eu descobri?Juiz: Não, um fato específico, outro fato da vida que aconteceu em virtude da carteira assim...
Autor: É, eu, eu tive... quando eu estava com esse meu companheiro em Florianópolis, não foi um fato específico... é um fato específico, mas como é que eu posso dizer? Eu tirei a segunda via... a primeira via doutor era branca, né. Aí quando eu pedi uma segunda via que eu fui tirar um passaporte, que ele queria fazer uma viagem internacional comigo, né, eles me deram essa segunda via em Florianópolis, em 1996, - Está anexado ao processo - e ninguém me falou nada. Ninguém me questionou. Eu soube depois que eu poderia pedir, a qualquer tempo, troca deste documento. Nunca ninguém me questionou isso, nunca ninguém me falou que eu poderia trocar. Incapacidade moral, hoje, acho que nunca eu vou permitir uma coisa dessa na minha vida. Incapacidade moral, eu não sou, no Brasil e no mundo, um certificado de incapacidade moral, eu entendo... sofri muito com isso, ainda estou sofrendo. Mas, da onde que se pode dizer que uma pessoa é incapaz moralmente por uma orientação sexual? Eu sou homossexual, eu admiti pro médico da junta, quando ele me perguntou lá atrás, que daí eu tive que me reportar, 23 anos atrás na época, eu tive que me reportar e eu não tirei a roupa no dia da inspeção, na hora que era pra tirar.
Juiz: Isso foi em 1981?
Autor: 1981, em Itajaí, no salão paroquial de uma igreja, que agora eu não me recordo, acho que foi na Vila Operária, Itajaí. Meu pai era da Marinha. Aí eu não tirei a roupa porque nós fomos educados com um certo princípio assim, de... eu não sabia, fui pra inspeção. Chamaram a primeira turma, a minha letra é A., minha letra é A, eu fui os primeiros a ser chamados e eu fiquei muito constrangido pra tirar a roupa ali na frente de mais de duzentos e poucas pessoas, porque os meninos todos da minha idade, né. Aí eles começaram a bater com o pé, começaram a dizer 'Tira! Tira! Tira!', eu não tirei, sabe, aí ele pegou um megafone, na época um cidadão lá do exército pegou, mandou calar a boca, né, aí ele me chamou e me perguntou se eu era pederasta, o médico da instituição. Eu disse 'eu sou homossexual', aí ele chamou dois soldados e me botaram pra rua e disse 'Vem buscar o teu certificado daqui a 15 dias', que era no MEC, em Itajaí. Eu achei que dali, minha vida ia seguir normalmente.PASSADA A PALAVRA AO PROCURADOR DO AUTOR
Advogado: Excelência, complementando, possivelmente uma das questões que o depoente se esqueceu de suscitar, se ele participou de algum processo seletivo ou concurso público no município de Capivari também?
Autor: Participei. Quando o município de Capivari foi emancipado, o prefeito, na época o Falchetti, - se eu não me engano era Falchetti ou Saqueti, eu não me lembro o nome dele... Saqueti. Ele teve que montar um quadro de funcionários porque o município acabava de ser emancipado, e eu fiz um concurso, como eu já tinha o segundo grau na época, pra área administrativa, onde o edital dizia que tinha 12 vagas pra área administrativa. Eu passei em 6º lugar, me chamaram, levei toda documentação que me pediram, inclusive esse documento e todos eles foram chamados e eu... nunca me deram satisfação. Me disseram que eu tirei uma nota boa porque em 6º lugar, né, eram 12 vagas e dali também nunca ninguém disse nada. Nunca ninguém disse nada... eu questionei e aí eu ficava pensando, né, só pode ser politicagem, só pode ser sujeira, que a gente pensa, né, de uma forma meio grotesca, né. Mas depois eu cheguei a uma conclusão que muita coisa que estragou a minha vida foi esse certificado. Não vou culpar totalmente o certificado, porque né... fui ver, trabalhei na secretaria da administração do Estado 3 anos, na área administrativa, setor de compras, terceirizado, né, que eu morava em Florianópolis na época. Depois dali, não conseguia mais emprego, fui sacoleiro, do Paraguai, na época, era o auge, porque eu tinha que sobreviver de alguma maneira. Vendia algumas coisas assim, o que era permitido, por lei, claro, eu comprava algumas coisas no Paraguai, voltava, e assim eu fui tentando a minha vida, mas sempre fui buscando estudo, fui buscando conhecimento, fui buscando tudo. Só que fui descobrir isso justamente quando eu estava fazendo a faculdade de Serviço Social, que me formei e hoje sou assistente social.Juiz: Hoje o senhor trabalha onde?
Autor: Eu não trabalho, estou desempregado. Vivo com a minha mãe.Juiz: Mas o senhor é formado em Serviço Social?
Autor: Eu sou assistente social, bacharel em Serviço Social.Advogado: Sem mais perguntas Excelência.
PASSADA A PALAVRA A PROCURADORA DA RÉ
Advogada: Se o autor quando era solicitado por algum órgão a apresentação do certificado de isenção, se apresentava o documento original ou juntava cópia?
Autor: Eu apresentava o original com a cópia. Em todos os lugares que eu ia eu tinha que levar a original pra poder...Advogada: Sim, mas ele era requerido o certificado de isenção, então o senhor levava a cópia, entregava esses documentos, juntamente com os demais documentos a cópia desse certificado?
Autor: Exatamente, mas eu tinha que apresentar o original, né, para eles poderem certificar...Advogada: certificar a autenticidade...
Autor: certificar a autenticidade, exatamente.Advogada: Em algum desses locais que lhe foi pedido o certificado, era indicado o número do certificado ou o senhor tinha que apresentar sempre o documento?
Autor: Todos os locais que eu tinha que preencher algum formulário, né, quando era formulário eu tinha que escrever o número, mas assim... é... R A, são dois números ali, foi justamente o que eu falei pro senhor juiz que eu não... naquele dia que eu fui preencher o do COMADT, eu não lembrava mais qual dos dois... R A, não sei se a senhora sabe, se tem o documento aqui...Advogada: O senhor tem o documento?
Autor: Eu tenho a segunda via que foi me dada em Florianópolis pra eu tirar o passaporte, né. Aí, essa segunda via... óh, aqui ta a minha carteira de assistente social, profissão, né. E aqui está o meu certificado azul, porque são dois números que consta aqui né: o R A, depois tem outro número que consta aqui, porque eu voltei pra... está aqui óh 08 , são dois números, né. Em 2006, eles me deram outra aqui em Tubarão, com o mesmo artigo.Advogada: O senhor pode informar se nesse certificado azul que o senhor apresenta, existe alguma informação clara sobre a razão da isenção da prestação de serviços militar, se está escrito porque que o senhor foi isento do serviço militar, de uma forma clara? Não falo do artigo de lei, nem de regulamento, mas se ele diz a razão da isenção.
Autor: Quem diz?Advogada: Se no certificado está escrito.
Autor: A razão da isenção eu desconhecia. Eu fui conhecer isso anos depois, só. Eu não sabia o que é que significava o artigo 165, § 3º, 2.Advogada: E alguma pessoa pra quem o senhor tenha entregue este certificado, mostrou alguma surpresa quando recebeu este certificado, quando leu o certificado? Fora essa pessoa da junta militar.
Autor: Não doutora, ninguém nunca me falou nada sobre isso. Se souberam, preferiram não falar.Advogada: Mas o senhor nunca percebeu nada, nunca sofreu um constrangimento imediato quando comprovou sua isenção?
Autor: Não, o único constrangimento imediato foi na junta militar em Tubarão. Mas eu tive um emprego aqui na Eletrosul, Tractebel, mais preciso, trabalhei oito meses ali e do nada, do nada, eu fui demitido. Do nada! Já estava há 8 meses ali, fazendo trabalho no laboratório do Dr. Orlando Rolin. No ambulatório, perdão. E do nada, eles limparam a gaveta onde eu trabalhava e eu não pude mais entrar na empresa. Do nada!Advogada: E o senhor atribui isso à informação do certificado?
Autor: Ah, eu tenho a impressão que eles tomaram conhecimento disso, eles tinham toda a minha documentação.Advogada: O senhor relatou que teria conversado com funcionários da UNISUL e da Coordenação do Serviço Social. Foi o senhor que informou que a sua isenção do serviço militar teria ocorrido em razão da incapacidade moral gerada pela homossexualidade ou foram eles que lhe questionaram isso?
Autor: Não, fui eu que informei. Eu informei porque eu queria saber se valia a pena eu continuar minha faculdade. Eu pedi pro Conselho Regional do Serviço Social se por acaso eu chegasse a me formar, se por acaso isso aqui iria impedir... Eles até mandaram um documento que eu creio que esteja no processo, né. Eu não li, não sei o teor desse documento porque eu fiquei com medo de continuar pagando uma faculdade e de repente não ter valia nenhuma pela minha incapacidade moral, né. Aí eu questionei muita gente sobre isso.
Advogada: O senhor tinha interesse em servir ao exército?
Autor: Não.
Advogada: O senhor informou isso no dia da seleção?
Autor: Não deu tempo... Não deu tempo, ele já perguntou se eu era pederasta. Aí eu disse pra ele: - homossexual. Eu tinha 17 pra 18 anos. Eu acho que ele se sentiu afrontado com que eu disse porque eu nunca escondi a minha homossexualidade, só que eu quero respeito, né. Mas eu não sabia que o exército era capaz de fazer isso com um cidadão.
Advogada: O senhor acredita que somente o certificado isenção, que tem como motivo com a incapacidade moral, tem a cor azul?
Autor: O certificado de isenção de incapacidade moral tem a cor azul.
Advogada: Sim, mas somente o certificado de isenção...
Autor: Não, não. Tem outros...
Advogada: Todo certificado isenção... não entendi assim... Na visão que o senhor tem da vida...
Autor: Não, o azul tem um diferencial.
Advogada: Qual é o diferencial?
Autor: O diferencial é a incapacidade moral, né, que ela vai desde ter cometido algum crime, algum delito, alguma coisa, ou a incapacidade física da cor azul ou, me parece... se eu não me engano... Parece que padre também, o pessoal da igreja, religiosos são isentos do serviço militar. Azul.
Advogada: Sim, então o senhor entende que outras formas de isenção também teriam a cor azul?
Autor: Sim, outras formas de isenção azul, mas com artigos diferenciados, né.
Advogada: Sim. Sem mais perguntas excelência.'
Em depoimento, a testemunha Daiane de Souza Alves afirmou:
'Juiz: Daiane, a senhora conhece o seu A.L.A.N.? Gostaria de saber se tem alguma relação de parentesco, amizade íntima ou inimizade com ele.
Depoente: Não. Eu não tenho nenhuma relação íntima com ele. Só conheço ele porque ele fez estágio lá onde eu trabalhava.
Juiz: A senhora se compromete então em falar a verdade?
Depoente: Sim.
Juiz: Você sabe que a mentira em juízo configura crime, né?
Depoente: Sim.
Juiz: O seu A. está processando a União Federal aqui e, segundo ele, no meio de novembro de 2003, ele era estudante de Serviço Social na UNISUL procurou o Conselho Municipal de Assistência Social para inscrever-se como estagiário. Na ocasião foi requisitado diversos documentos, dentre os quais, o certificado de reservista - documento que comprova sua regularidade no serviço militar -, preencheu o cadastro e surgiu uma dúvida em relação ao número do documento, o que o levou a procurar a junta de serviço militar, que por sinal tem sua sede no mesmo prédio. Ao ter em mãos o documento do autor a funcionária, na época Cida, comentou que o motivo da isenção ali descrito referia-se a algum tipo de incapacidade moral. A senhora sabe alguma coisa sobre esses fatos?
Depoente: Sim, eu estava presente.
Juiz: O que que a senhora lembra que tenha acontecido?
Depoente: Eu lembro que o Miro chegou nos conselhos municipais onde eu trabalhava e foi preencher um cadastro pra ser estagiário, para secretariar as reuniões dos conselhos municipais também, mas ele ia ficar só com assistência social. E, no momento de colocar ali o número do certificado de reservista, ele não soube qual colocar e me questionou, aí eu assim 'Ah, Miro eu não sei qual número tu vais colocar aí.', aí ele resolveu ir na junta militar, que ficava bem em frente ao Conselho Municipal. Chegando lá a Cida disse que... questionou ele, né: - Por quê tu tens essa carteira?
Juiz: Vocês conheciam a Cida?
Depoente: Só de vista também, eu não tenho intimidade com ela, mas porque é do mesmo ambiente de trabalho. Mas sem intimidade.
Juiz: Ta, e aí o que aconteceu?
Depoente: Aí a Cida questionou o Miro: - Por quê tens essa carteira de trabalho... essa carteira de reservista? Porque essa cor é pra deficientes... eu não lembro o termo que ela utilizou na época. Só sei que o Miro voltou bem nervoso, não conseguia nem me falar o que tinha acontecido e eu fui lá conversar com ela, né. Aí ela me explicou direitinho, ela disse que essa carteira se dá pra pessoas com deficiência, com síndrome de Down, foi isso que ela me explicou no momento. E o Miro ficou bem nervoso e não conseguia mais fazer nada assim na...
Juiz: Naquele dia?
Depoente: É, naquele dia e nos outros seguintes, né, porque ele ficou transtornado, indignado por terem dado uma carteira dessa pra ele, né.
Juiz: Ele ficou abalado bastante tempo depois disso?
Depoente: Bastante, inclusive depois afetou no trabalho também porque às vezes não dava pra ir porque estava... ficou bem deprimido assim, na realidade, com relação a esse fato.
Juiz: Ta e o que que afetou isso que a senhora sabe que afetou depois no trabalho?
Depoente: Porque como eu era responsável tinha que...
Juiz: Ah, afetou no trabalho que ele estava prestando lá?
Depoente: Isso!
PASSADA A PALAVRA AO PROCURADOR DO AUTOR
Advogado: Sem perguntas Excelência.
PASSADA A PALAVRA A PROCURADORA DO RÉU
Advogada: A senhora afirma que essa situação afetou no trabalho dele. De que forma que afetou? A senhora pode esclarecer o que foi percebido durante o trabalho?
Depoente: É questão de concentração né, até porque foi uma situação vexatória que aconteceu com ele. Todo mundo da Casa da Cidadania já sabiam que aquilo aconteceu, né, que tinha acontecido com ele, porque no ambiente de trabalho um comenta com o outro, né, ali na Casa da Cidadania. Então, por ter passado por essa situação e também por ter ficado nervoso, porque ele foi prejudicado durante toda a vida, né.
Advogada: A senhora afirma que todos da Casa da Cidadania sabiam. Alguém da Casa da Cidadania acompanhou o Seu A. até a junta militar?
Depoente: Acompanhou não, porque era bem em frente, né. Era porta com porta, vamos dizer né. Então só quando ele voltou com a folha e que ele me disse... voltou com a folha, não. Voltou com o certificado que ele me disse 'Daiane deram uma carteira errada pra mim!' Daí que eu fui lá e questionei a Cida, porque ele ficou tão nervoso no momento que ele não conseguia nem explicar o que tinha acontecido.
Advogada: Mas como é que as pessoas da Casa da Cidadania tiveram conhecimento desse fato?
Depoente: É, mas assim... não pessoas assim, do Conselho Tutelar mais próximos a nós, mais ligados aos conselhos municipais, né, e ali a junta militar.
Advogada: Mas como é que essas pessoas ficaram sabendo, se quem tinha conhecimento disso era o Seu A. e depois ele passou a informação pra senhora?
Depoente: Ah, com certeza não somente nós dois, né, porque na junta militar trabalham mais dois homens também, agora eu não lembro o nome deles, né. Então, um foi comentando com o outro...
Advogada: Essa informação pras pessoas da Casa da Cidadania, do Conselho... essas informações poderiam ter sido trazidas pelo próprio... pelo seu A.? Ele comentou com outras pessoas no trabalho que o que tinha acontecido com ele?
Depoente: Comigo só. Não posso te responder se comentou com mais alguém.
Advogada: E as outras pessoas que comentaram com a senhora que tinham conhecimento do fato especificaram como ficaram sabendo disso?
Depoente: Não. Também (palavra inaudível)...
Advogada: E como é que chegaram pra senhora dizendo que tinham conhecimento do fato?
Depoente: Ah, se foi verdade que aconteceu isso com ele, assim... Dessa forma.
Advogada: E, em que termos que eles colocaram isso?
Depoente: Ah, que deram uma carteira trocada pro Miro. Porque depois... cada conto aumenta um ponto, né... Então cada um vinha com uma história diferente pra contar.
Advogada: Quanto tempo que ele trabalhou com a senhora?
Depoente: Não lembro.
Advogada: O início, o final, em que ano?
Depoente: O ano eu não lembro, mas ele ficou um tempo trabalhando ainda e depois eu não fiquei muito tempo lá. É porque logo eu me formei, na época eu fazia letras. Então eu logo me formei e mudei de serviço.
Advogada: A senhora demonstra muita precisão assim, nos relatos, então...
Depoente: Ah, é porque aquilo me marcou também, né. Imagina uma pessoa...
Advogada: Mas a época a senhora não se recorda?
Depoente: Não...
Advogada: Se faz 10 anos, 5 anos, 3 anos... Se era época de final de ano? Porque geralmente a gente consegue ter uma noção né.
Depoente: Não consigo me recordar. Porque eu terminei a faculdade em 2004, aí eu fui pra outro serviço no finalzinho de 2003. Foi bem aí que eu comecei a me desligar dos conselhos municipais. Então precisamente eu não sei informar.
Advogada: Sem mais perguntas excelência.'
6. O magistrado de origem entendeu que o conjunto probatório demonstrou a alegada situação de constrangimento e humilhação a ensejar a indenização por danos morais.
7. Com efeito, a Constituição Federal, em seu artigo 3º, refuta, expressamente, a discriminação por sexo, entre outras:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
8. Ao tratar da questão acerca do princípio da igualdade e a proibição de discriminação por motivo de sexo, o ilustre magistrado Roger Raupp Rios enfrentou de forma bastante esclarecedora a matéria quando do julgamento da Apelação Cível nº 2001.71.00.026279-9 realizado pela 3ª Turma desta Corte e, por pertinente, transcrevo excerto do voto condutor:
'(...)
O cerne do conteúdo jurídico do princípio da igualdade é a proibição de tratamento discriminatório, vale dizer, a instituição de medidas que tenham o propósito ou o efeito de prejudicar, restringir ou anular o gozo e o exercício de direitos e liberdades fundamentais, em razão de sexo, raça, etnia, cor, idade, origem, religião, bem como outros critérios proibidos de discriminação, em qualquer campo da vida pública ou privada (consoante os termos da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, por exemplo).
Na tradição do direito romano-germânico, o direito de igualdade é compreendido mediante suas dimensões formal (igualdade de todos perante a lei) e material (imposição de tratamento isonômico, observadas as semelhanças e diferenças relevantes, de acordo com as finalidades das distinções); a concretização deste princípio, como mandamento de não-discriminação, tem como uma de suas conseqüências o estabelecimento de critérios proibidos de discriminação (CF, art. 3º, IV), dentre os quais se destaca a proibição por motivo de sexo.
(...)
Concretizar a proibição constitucional de discriminação por motivo de sexo requer a pesquisa sobre a presença do fator sexo como elemento desencadeador de tratamentos diferenciados e sobre a compreensão dada ao termo 'sexo'.
De início e em perspectiva histórica, a inclusão do sexo como critério proibido de discriminação decorreu da luta das mulheres pela correção das injustiças sofridas no seio de sociedades machistas. De fato, desde há muito (registre-se, por exemplo, a defesa aristotélica da inferioridade das mulheres - 'a força de um homem consiste em se impor; a de uma mulher, em vencer a dificuldade de obedecer' - A Política, São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 31), a distinção entre os sexos biológicos se apresenta como pretexto para a dominação masculina. Deste modo, a vedação constitucional de discriminação por motivo de sexo incide, desde seu surgimento, contra a subordinação e a desvantagem experimentadas pelas mulheres, seja em virtude da família patriarcal, seja em virtude do sexismo contemporâneo.
Ao longo da história, a realidade demonstrou ser necessário ir além. Foram se apresentando aos tribunais outras situações onde é inegável reconhecer-se que o sexo é o fator determinante para outras práticas discriminatórias. Exemplos disso são, por exemplo, as decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos nos casos Romer v. Evans (1996) e Lawrence v. Texas (2003).
Uma destas situações é a discriminação experimentada por homossexuais. O raciocínio jurídico que afastou a discriminação por orientação sexual por violadora da norma que proíbe a discriminação por motivo de sexo demonstra que, também no caso da transexualidade, está-se diante de discriminação sexual inconstitucional.
Exponho, portanto, a argumentação desenvolvida quanto à proibição de discriminação por orientação sexual, por configurar discriminação por motivo de sexo.
Como referi alhures, 'a discriminação por orientação sexual é uma hipótese de diferenciação fundada no sexo da pessoa para quem alguém dirige seu envolvimento sexual, na medida em que a caracterização de uma ou outra orientação sexual resulta da combinação dos sexos das pessoas envolvidas na relação. Assim, Pedro sofrerá ou não discriminação por orientação sexual precisamente em virtude do sexo da pessoa para quem dirigir seu desejo ou conduta sexuais. Se orientar-se para Paulo, experimentará a discriminação; todavia, se dirigir-se para Maria, não suportará tal diferenciação. Os diferentes tratamentos, neste contexto, tem sua razão de ser no sexo de Paulo (igual ao de Pedro) ou de Maria (oposto ao de Pedro). Este exemplo ilustra com clareza como a discriminação por orientação sexual retrata uma hipótese de discriminação por motivo de sexo. Contra este raciocínio, pode-se objetar que a proteção constitucional em face da discriminação sexual não alcança a orientação sexual; que o discrímen não se define pelo sexo de Paulo ou de Maria, mas pela coincidência sexual entre os partícipes da relação sexual, tanto que homens e mulheres, nesta situação, são igualmente discriminados. Este argumento, todavia, não subsiste a um exame mais apurado. Isto porque é impossível a definição da orientação sexual sem a consideração do sexo dos envolvidos na relação verificada; ao contrário, é essencial para a caracterização de uma ou de outra orientação sexual levar-se em conta o sexo, tanto que é o sexo de Paulo ou de Maria que ensejará ou não a discriminação sofrida por Pedro. Ou seja, o sexo da pessoa envolvida em relação ao sexo de Pedro é que vai qualificar a orientação sexual como causa de eventual tratamento diferenciado.'(O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano, São Paulo: RT, 2002, p. 133).
Ademais, o igual tratamento dispensado à homossexualidade masculina e à homossexualidade feminina também não desloca o problema da discriminação por orientação sexual do âmbito da proibição de discriminação por sexo. Ao contrário, em face da impossibilidade de se discutir a orientação sexual (seja masculina, seja feminina) sem a consideração do sexo dos participantes de uma dada relação, tal argumento acaba por querer justificar uma hipótese de discriminação sexual (homossexualidade masculina) invocando outra hipótese de discriminação sexual (homossexualidade feminina), não fornecendo qualquer justificação para a diferenciação. Nas duas hipóteses, o fator decisivo é o sexo dos envolvidos e a discriminação por motivo de sexo protege todas as orientações sexuais.
(...)'
O que se extrai dos autos é que, ao declarar em seu certificado de isenção militar ser o autor moralmente incapaz para ingressar no Exército, em razão de sua orientação sexual, bem como, ao distinguir tal documento com cor diferente dos demais, a Administração efetivamente desrespeitou aos princípios constitucionais de promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Assim, também comungo do entendimento do magistrado de origem que considerou no caso que o dano se presume pura e diretamente do ato ilícito praticado pela demandada, o qual feriu direitos fundamentais do autor e foi suficiente para ofender seu patrimônio moral, porquanto lhe trouxe sentimentos autodepreciativos e angustiantes e representou para o autor desprestígio e descrédito à sua reputação, expondo-lhe à humilhação.
Desta forma, configurado o dano moral, cabe verificar o quantum indenizatório fixado.
9. Do quantum indenizatório:
A fixação do valor da indenização pelo dano moral constitui ato complexo para o julgador, que deve sopesar, dentre outras variantes, a extensão do dano, a condição sócio-econômica dos envolvidos, a razoabilidade, a proporcionalidade, a repercussão entre terceiros, o caráter pedagógico/punitivo da indenização e a impossibilidade de se constituir em fonte de enriquecimento indevido.
Cumpre referir, em casos de pedido de reparação por danos morais por perseguição e prisão por motivos políticos durante o regime militar, esta Corte vem adotando R$ 100.000,00 (cem mil reais) como patamar de indenização, conforme julgados AC nº 5010047-53.2011.404.7100, Rel. Des. Fed. Maria Lúcia Leiria; AC nº 5004764-16.2011.404.7208, Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz; AC 0002146-96.2009.404.7100, Rel. Des. Fed. Luís Alberto Aurvalle; AC nº 2004.71.00.033792-2, Rel. Des. Fed. Fernando Quadros.
Nesse contexto, ser caso de reduzir o quantum indenizatório para R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a fim de reparar os danos sofridos, guardando proporcionalidade com as nuances do caso concreto, além de não acarretar o enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento jurídico.
10. Da aplicação das Súmulas nº 54 e nº 362 do STJ:
A questão relativa ao termo inicial para a incidência de correção monetária do montante devido a título de indenização por dano moral tornou-se incontroversa, a partir da Súmula n. 362, da Corte Especial do STJ, in verbis:
'A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.'
Nesta Corte, os precedentes seguem igual entendimento:
CIVIL. BLOQUEIO INDEVIDO DE CONTA CORRENTE. DANO MORAL. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. 1. Comprovado o bloqueio indevido da conta, o que ocasionou a devolução de cheque por ausência de fundos, bem como a impossibilidade da autora movimentar sua conta, na qual inclusive recebia salário, cabível a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. 2. A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento (Súmula 362 do E. STJ, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/10/2008, DJe 03/11/2008).
'Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual'. (Súmula 54 do E. STJ, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/09/1992, DJ 01/10/1992 p. 16801). (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000449-48.2011.404.7012, 4a. Turma, Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/07/2012)
TEMPO DE SERVIÇO RURAL. SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE ERRO ADMINISTRATIVO OU FRAUDE. BENEFÍCIO PREVIDÊNCIÁRIO. REESTABELECIMENTO. DANO MORAL. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Não tendo o INSS comprovado erro administrativo ou fraude na concessão do benefício previdenciário, este deve ser restabelecido, inclusive com o pagamento das parcelas vencidas, com os acréscimos legais. 2. Ante o poder-dever da Administração Pública de rever seus atos, anulando aqueles inquinados de irregularidade, é indevido o pagamento de indenização por dano moral supostamente decorrente da suspensão de benefício previdenciário, salvo se comprovado tratamento humilhante ou vexatório capaz de gerar grave prejuízo ao segurado. 3. O termo inicial da correção monetária incidente sobre a indenização por danos morais é a data do seu arbitramento, consoante dispõe o verbete da Súmula n. 362/STJ: 'A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento'. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.08.002333-0, 6ª Turma, Juiza Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, D.E. 31/05/2012)
Em relação aos juros moratórios nos casos de responsabilidade extrapatrimonial estes são devidos desde o evento danoso, consoante estabelece a Súmula 54 do STJ:
'Os juros moratorios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.'
Por outro lado, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sessão realizada na data de 19.10.2011, no julgamento do REsp nº 1.205.946842/SP, reafirmando jurisprudência dominante sobre a matéria, decidiu que os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09 devem observar os critérios de atualização (correção monetária e juros) nela disciplinados, enquanto vigorarem. Confira-se a ementa do referido julgado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. VERBAS REMUNERATÓRIAS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA DEVIDOS PELA FAZENDA PÚBLICA. LEI 11.960/09, QUE ALTEROU O ARTIGO 1º-F DA LEI 9.494/97. NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO QUANDO DA SUA VIGÊNCIA. EFEITO RETROATIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de aplicação imediata às ações em curso da Lei 11.960/09, que veio alterar a redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, para disciplinar os critérios de correção monetária e de juros de mora a serem observados nas 'condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza', quais sejam, 'os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança'. 2. A Corte Especial, em sessão de 18.06.2011, por ocasião do julgamento dos EREsp n. 1.207.197/RS, entendeu por bem alterar entendimento até então adotado, firmando posição no sentido de que a Lei 11.960/2009, a qual traz novo regramento concernente à atualização monetária e aos juros de mora devidos pela Fazenda Pública, deve ser aplicada, de imediato, aos processos em andamento, sem, contudo, retroagir a período anterior à sua vigência. 3. Nesse mesmo sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, ao decidir que a Lei 9.494/97, alterada pela Medida Provisória n. 2.180-35/2001, que também tratava de consectário da condenação (juros de mora), devia ser aplicada imediatamente aos feitos em curso. 4. Assim, os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09 devem observar os critérios de atualização (correção monetária e juros) nela disciplinados, enquanto vigorarem. Por outro lado, no período anterior, tais acessórios deverão seguir os parâmetros definidos pela legislação então vigente. 5. No caso concreto, merece prosperar a insurgência da recorrente no que se refere à incidência do art. 5º da Lei n. 11.960/09 no período subsequente a 29/06/2009, data da edição da referida lei, ante o princípio do tempus regit actum. 6. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. 7. Cessam os efeitos previstos no artigo 543-C do CPC em relação ao Recurso Especial Repetitivo n. 1.086.944/SP, que se referia tão somente às modificações legislativas impostas pela MP 2.180-35/01, que acrescentou o art. 1º-F à Lei 9.494/97, alterada pela Lei 11.960/09, aqui tratada. 8. Recurso especial parcialmente provido para determinar, ao presente feito, a imediata aplicação do art. 5º da Lei 11.960/09, a partir de sua vigência, sem efeitos retroativos. (Corte Especial, REsp nº 1.205.946/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, publicado no DJe em 02.02.2012)
Nesse contexto, considerando o evento danoso efetivado em novembro de 2003, momento em que tomou conhecimento que o motivo da isenção descrita no documento se referia a algum tipo de incapacidade moral, no caso dele, por sua orientação sexual, devem ser fixados os juros moratórios no patamar de 12% ao ano até 28/06/2009 e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09, a atualização do crédito deverá ser feita mediante incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
11. Dos honorários advocatícios:
Para o arbitramento da verba honorária é necessário que o juiz considere critérios como a complexidade, tempo despendido e competência que o procurador emprestou à causa.
Todavia, não basta a avaliação de tais critérios para que se alcance um valor adequado na fixação dos honorários advocatícios, é de ser apreciar o critério de equidade.
Ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado, Editora Revista dos Tribunais, p. 297) que 'o critério da eqüidade deve ter em conta o justo não vinculado à legalidade, não significando necessariamente modicidade.'
Assim, nessa apreciação equitativa, deve o magistrado ponderar para que o valor a ser fixado a título de honorários advocatícios resulte em remuneração condigna com a atuação do profissional do Direito, em harmonia com o espírito da lei.
No caso em exame, considerando o valor da condenação em R$ 30.000,00, correta a fixação da verba honorária em 10% deste valor, pois atende adequadamente os critérios previstos no art. 20, § 4º, do CPC e em conformidade com o entendimento da Turma para casos semelhantes.
Considerando os mais recentes precedentes dos Tribunais Superiores, que vêm registrando a necessidade do prequestionamento explícito dos dispositivos legais ou constitucionais supostamente violados, e a fim de evitar que, eventualmente, não sejam admitidos os recursos dirigidos às instâncias superiores, por falta de sua expressa remissão na decisão vergastada, quando os tenha examinado implicitamente, dou por prequestionados os dispositivos legais e/ou constitucionais apontados pela parte.
12. Dispositivo:
Pelo exposto, voto por dar parcial provimento às apelações e à remessa oficial considerada interposta.
É como voto.
Juiz Federal João Pedro Gebran Neto
Relator