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Limites da revista íntima é tema de entrevista com corregedor-geral da JT

Segundo o ministro Barros Levenhagen, a revista é considerada abusiva quando feita de maneira vexatória.

3/12/2012

Em entrevista sobre os limites da revista íntima, o corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Barros Levenhagen, afirma que "a revista é considerada abusiva quando feita de maneira vexatória, quando expõe o empregado, ainda que não seja acompanhada de observações irônicas". Confira:

Qual a opinião do senhor sobre a revista íntima?

Barros Levenhagen - O TST não é contrário ao poder de o empregador procedê-la, mas se preocupa em que ela ocorra de forma moderada e observando os princípios constitucionais de inviolabilidade da privacidade da pessoa humana consagrados na Constituição. O empregador no uso do poder diretivo que lhe confere o artigo 2º da CLT não pode se exceder nesses atos de coordenação e fiscalização do trabalho. Daí porque quando atinge o valor imaterial da privacidade, submetendo o empregado a uma revista vexatória, incorre em dano moral e até imaterial.

Há um caso emblemático que julguei, no qual um empregado após o expediente era levado a determinado cômodo e ali se desnudava perante outro empregado, para se aferir se ele estaria ou não levando alguma coisa da empresa. Entendeu-se ter havido dano moral, não obstante quem fizesse a revista fosse do mesmo sexo, por causa da situação extremamente constrangedora de o empregado ter que se despir diante de uma pessoa estranha. Em outro caso a revista era realizada em bolsas e sacolas dos empregados, e o Tribunal entendeu não ter havido dano moral.

A revista realizada com moderação e razoabilidade não caracteriza abuso de direito ou ato ilícito, constituindo, na realidade exercício regular do direito do empregador ao seu poder diretivo de fiscalização. Por exemplo, a revista em bolsas, sacolas ou mochilas não denuncia excesso do empregador e raramente gera indenização por dano moral. Desde que seja feita nos pertences dos empregados sorteados para tanto - sem que se proceda à revista íntima e sem contato corporal, mas apenas visual do vistoriador -, e em caráter geral, relativamente aos empregados do mesmo nível hierárquico.

Mas no momento em que o vistoriador avança e passa a fazer contato corporal com o empregado, a pretexto de estar vistoriando a bolsa, ele já passa a incorrer no ato faltoso da revista íntima. Por isso se penaliza o empregador, por causa da quebra do princípio da inviolabilidade da privacidade do empregado. E é importante notar que o ato praticado pelo supervisor ou empregado designado para realizar a revista íntima, por exemplo, atrai para o patrão a responsabilidade objetiva de indenizar o empregado.

Antes do CC/02, o Supremo havia editado uma súmula, na qual dizia haver presunção de culpabilidade do empregador pelos excessos cometidos pelos seus empregados subalternos nesse tipo de revista. Após 2002, ao invés de se presumir a culpabilidade do empregador, passou-se a estabelecer a sua responsabilidade objetiva. O Supremo ainda não cancelou a referida súmula, porque há situações ainda sendo julgadas que remontam ao CC/16.

Quando a revista íntima é permitida?

Barros Levenhagen - A revista íntima, de um modo geral, não é admissível. Por que a realidade é muito mais rica do que nossa vã criatividade possa supor, às vezes nos deparamos com situações que jamais poderíamos imaginar. Alguns dizem, por exemplo, que em lojas de lingerie é necessária a revista íntima, pois a empregada pode vestir as peças. Mas somente a partir de um indicador seguro de que isso possa ter ocorrido é que o empregador pode chamar polícia para fazer um levantamento, e nesse caso uma policial feminina poderia fazer a revista.

Mas o empregador, por uma mera suspeita já determinar que ela se dispa para verificar se houve ou não essa tentativa de furto, não é cabível. Não raro, o empregador toma essa atitude por algumas suposições, como o comportamento da empregada e já imagina, após sentir falta de algumas peças, que a culpa é da empregada. Isso deve ser identificado, proibido, e caracteriza dano moral, exatamente por violar a privacidade da pessoa.

E quando ela é abusiva?

Barros Levenhagen - Em princípio há uma tendência de se considerar a revista íntima abusiva, salvo, dependendo da circunstância em que é realizada. Geralmente a revista íntima não deixa de ser uma invasão da privacidade do empregado. A revista é considerada abusiva quando feita de maneira vexatória, quando expõe o empregado, ainda que não seja acompanhada de observações irônicas. Quando há o comentário irônico, isso serve apenas para aumentar o valor da indenização, por que o dano moral já se caracterizou com a revista íntima.

O empregado pode recusar a revista?

Barros Levenhagen - Sim, é um direito dele, mas normalmente a recusa cai na demissão. O empregado tem o chamado direito de resistência contra atos ilegais praticados pelo empregador. Mas quando ele exerce o direito de resistência, como nós não temos mais a estabilidade decenal - onde se assegura como compensação pela dispensa a indenização correspondente a 40% do FGTS - o empregado jamais vai usar desse direito de resistência, por que se usar, certamente será dispensado.

Como equilibrar a proteção à intimidade do trabalhador e a defesa da propriedade do empregador, ambos garantidos pela CF/88?

Barros Levenhagen - O artigo 1º, inciso 4º da Constituição elege como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil a livre iniciativa e a valorização social do trabalho. Esses dois valores fundamentais não estão em antagonismo, mas em equivalência, ou seja, eles devem ser integrados. Quando há a colisão desses princípios fundamentais usa-se o instrumento da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar um em prol do outro ou afastar o outro em prol daquele.

Então, não há como, abstratamente, se formular hipóteses em que um princípio, por exemplo, da privacidade do empregado devesse prevalecer sobre o direito do empregador, que é assegurado pela própria Constituição. Cada caso deve ser examinado para se extrair qual princípio deve ter prioridade em relação ao outro.

A lei 9.799/99 que proíbe a revista íntima às mulheres pode ser estendida aos homens?

Barros Levenhagen - Sim, por causa da igualdade prevista na Constituição Federal. Todos estão contemplados pela norma constitucional que assegura a inviolabilidade da privacidade pessoal. Homens e mulheres são iguais em direitos e deveres.

Existe alguma súmula do TST que disponha sobre revista íntima?

Barros Levenhagen - Não há. Por que a súmula deve expressar uma tese, ela não pode ser casuísta. E no campo da revista íntima, não raro, só se consegue verificar que ela exorbitou os limites da moderação, mediante o exame dos casos. A súmula que se poderia editar já está codificada no artigo que foi introduzido na lei, na CLT, proibindo a revista íntima.

Com a existência de vários meios eletrônicos, como câmeras, essa prática não deveria ser extinta?

Barros Levenhagen - Cerca de 60% dos empregos gerados no Brasil o são pelas médias, pequenas e microempresas, que por vezes não têm condições de adquirir toda essa parafernália tecnológica para monitorar seus empregados e recorrem à revista íntima. O interessante é que há decisões do próprio TST entendendo que esse monitoramento também viola a privacidade do empregado. Há casos, como instalar uma câmera no banheiro, em que nem é preciso ser juiz para constatar que se trata de um dano visceral à privacidade da pessoa.

Agora, essas câmeras que se colocam no estabelecimento, inclusive farmácias e supermercados, não representam motivo de dano moral, porque ali o monitoramento é generalizado. A ideia é a preservação da segurança do ambiente, visando não só ao empregado, mas também à clientela. Hoje, depois das condenações proferidas, os empregadores de um modo geral sabem e não têm feito mais revistas íntimas tão agressivas como anteriormente.

A proteção dispensada ao empregado é excessiva?

Barros Levenhagen - O que tem me preocupado, e sempre me preocupou, como magistrado, é que as decisões, especialmente de um tribunal superior, não visem a uma proteção exagerada do empregado, por que proteção em demasia causa uma situação perversa: a criação de um passivo trabalhista grande para as empresas, gerando receio para os empreendedores ou potenciais empreendedores, desestimulando o empreendedorismo. O CC/02, em boa hora, trata a empresa como função social que deve ser preservada, por ser fonte geradora de renda e de emprego.

Então, a proteção deve ser na medida exata em que a lei a concede. O juiz do Trabalho que entenda ter de exasperar essa proteção presta um desserviço ao próprio Direito do Trabalho, pois em curto e médio prazo criará uma situação de desestímulo à instalação de empresas, tal o receio de haver condenações muito altas.

É claro que não vou retirar do empregado a proteção que a lei lhe reconhece, mas também não posso me colocar na situação de legislador e ir muito além do que a lei prescreve, para dar-lhe uma proteção que, ao final, pode acaba por prejudicá-lo.

Qual a sua posição doutrinária em relação ao dano moral?

Barros Levenhagen - Eu faço uma distinção entre dano moral ontológico e dano moral por similitude ontológica no Direito do Trabalho. O ontológico é o dano moral típico, do artigo 5º, inciso X, da Constituição, ou seja, decorrente de atos do empregador que violam a privacidade, os bens imateriais da personalidade. O dano moral por similitude ontológica é aquele decorrente de acidente do trabalho ou doença ocupacional, em que a consequência às vezes é uma sequela psicológica, mas que resulta em dano moral porque, em última instância, atinge a dignidade da pessoa humana.

O que me distingue da maioria dos colegas do TST é que eu entendo que a culpa do empregador nesses casos é contratual, pois ele deixa de observar aqueles deveres de fornecer condições salubres do trabalho, equipamentos de proteção, etc., ao passo que os colegas recorrem à culpa aquiliana (aquela em que todos estão sujeitos quando causam danos a terceiros) do Direito Civil.

Eu entendo que nos casos de acidente de trabalho e doença profissional, não se aplica a responsabilidade objetiva, pois a Constituição já disse que é responsabilidade subjetiva, e eu não tenho que comprovar a culpa do empregador, por que o dano moral é imaterial, não necessita de comprovação.

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