O profissional confundiu as datas e, alertado, chegou a temp de cobrir parte do evento. Entretanto, o juiz de Direito Luiz Gustavo Giuntini de Rezende ponderou que "a filmagem de um casamento, pela própria natureza do evento, não é uma obrigação que se cumpra parcialmente. Em resumo: ou filma-se o casamento todo, inclusive o "making-of" contratado, ou não se cumpre a finalidade do contrato".
Os danos morais foram fixados em R$ 24.880. O cinegrafista também foi condenado por danos materiais em R$ 111,28, pois o casal pagou pelo contrato.
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Processo : 434.01.2012.000416-9
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Processo Nº 434.01.2012.000416-9 - Vistos. E.P.B.T. e J.C.T. propuseram ação de indenização por danos morais e materiais em face de E.F.M. e F.J.. O relatório é dispensado por lei.
Decido.
Competência territorial firmada em decisão proferida em audiência que afastou o foro de eleição (fls. 55).
A preliminar de ilegitimidade passiva 'ad causam' alegada por F.J. é matéria que se confunde com o mérito.
O pedido é procedente.
Os autores celebraram com o primeiro réu, mas com a convicção que celebravam com o segundo requerido, um contrato de prestação de serviços que envolvia, basicamente, a filmagem do seu casamento, incluindo 'making off' (vide fls. 19).
É fato incontroverso que o serviço não foi prestado conforme convencionado. E.F.M. afirmou, em depoimento pessoal, que supunha que o evento (casamento) se realizaria no sábado, em 03/12/2011. Chegou a tempo de cobrir parte do evento porque recebeu um telefonema que cobrava a sua presença no local (fls. 57/58). O contrato é evidente em prever que a cerimônia de casamento ocorreria em 02/12/2011, às 20:00 horas.
Evidente a negligência de E.F.M. que combinou a presença no casamento dos autores e não esteve lá, ou pelo menos não esteve lá em tempo integral. E convenhamos que a filmagem de um casamento, pela própria natureza do evento, não é uma obrigação que se cumpra parcialmente. Em resumo: ou filma-se o casamento todo, inclusive o 'making off' contratado, ou não se cumpre a finalidade do ato (documentário completo) e incide-se em evidente inexecução da obrigação.
E.F.M. tenta dar explicações para sua desídia, mas nenhuma explicação, por mais convincente que seja, e as do réu não são nada convincentes, é capaz de mudar aquilo que está documentado, ou seja, a data do evento impressa no contrato assinado pelas partes.
E.F.M. não cumpriu sua parte no contrato, e sua negligência causou danos morais aos autores que não tiveram a sua cerimônia de casamento devidamente registrada em filme. Há danos morais, visto que o fato extrapola o mero aborrecimento com o qual os indivíduos precisam conviver. O casamento não é um encontro de botequim, não é um jogo de futebol com amigos ou coisa que o valha e que seja capaz de se repetir semanalmente. O casamento é um ato solene, para muitos único na vida, sem que se tire dele até mesmo o seu caráter religioso.
É fato conhecido que a sociedade se moderniza, valores morais e éticos se transformam, mas alguns conceitos parecem perenes e, dentre eles, a formalidade do matrimônio para os noivos. Para muitos é o sonho de uma vida, a coroação do amor, sendo absolutamente justo que se pretenda imortalizar o momento através das fotografias e filmagem. E a negligência de E.F.M. impediu que os noivos, ora autores, imortalizassem o casamento através da filmagem, ou seja, imagem em movimento.
A indenização por danos morais pleiteada é justa e bem remunera o sofrimento dos autores, punindo ainda a desídia dos réus. Deve ser arbitrada em valores, ou seja, em R$ 24.880,00. Devida ainda indenização por danos materiais, visto que o casal pagou pelo contrato a quantia de R$ 100,00, sustando o pagamento restante de R$ 400,00. O valor de R$ 100,00, contudo, foi pago a E.F.M. e não devolvido aos autores por ele, não obstante o contrato não tenha sido cumprido. O valor atualizado é de R$ 111,28.
Questão interessante versa sobre a responsabilidade de F.J.. Os autores afirmam que foram contratar a filmagem no 'Stúdio Fotográfico F.J.. No local foram atendidos por uma atendente e esta disse aos autores que o estúdio tinha vários profissionais e seriam atendidos por aquele à disposição, ou seja, E.F.M., o primeiro réu. F.J. nega que E.F.M. seja seu funcionário. Aduz ainda que não contratou com os autores, tanto assim que não assinou o contrato. Diz que não faz vídeos, mas apenas fotografia. A tese de F.J. não soa absurda, mas é preciso analisar os fatos à luz da teoria da aparência. E.F.M., em depoimento pessoal, disse que "pegava filmagem no estúdio do F.J. e ele sabia que eu fazia isto. Eu oferecia 10% do que eu conseguia com filmagem a F.J.. Eu não usava um prédio sem condições, mas sim o de F.J., porque eu não tinha condições e estava começando" (fls. 57).
E.F.M. foi claro no que disse. Era um iniciante e para angariar clientes com mais facilidade usava o estúdio de F.J., com o conhecimento deste que, inclusive, lucrava financeiramente com os contratos do cinegrafista. Natural, portanto, que os autores imaginassem que contratavam um cinegrafista com a grife F.J.. E tanto era assim que E.F.M. estava no estabelecimento de F.J. sozinho, sem qualquer fiscalização deste, sem qualquer controle sob seus atos.
Ora, um estranho sem autorização não fica num estabelecimento comercial a celebrar contrato com consumidores. F.J.elegeu mal a pessoa a quem confiou o 'know how' do seu estúdio. Permitiu que alguém sem responsabilidade se valesse do seu local de trabalho e, principalmente, do seu nome comercial para angariar clientes. Culpa 'in eligendo', portanto. Já se decidiu que "Contrato - Teoria da aparência - Avença assinada por funcionário sem poderes para representar a sociedade - Situação de fato cercada por circunstâncias que a apresentam como segura situação de direito - Proceder de funcionário que deu causa ao erro escusável - Sociedade responsável pelo cumprimento do contrato - Recurso provido" (Relator: Accioli Freire - Apelação Cível n. 226.033-2 - São Paulo - 17.02.94). No mesmo sentido: "Cobrança - Prestação de serviços - Inadimplemento contratual - Ajuste firmado por preposto que não é representante legal da empresa contratante - Irrelevância - Teoria da aparência do direito - Preliminar de ilegitimidade repelida" (RT 612/102).
E ainda: "Contrato - Teoria da aparência de direito - Ajuste firmado em nome de pessoa jurídica por quem não tinha, sozinho, poderes para contratar em seu nome - Ato, porém, praticado por titular aparente do direito - Restrições contratuais sobre poderes de gerência que não podem ser opostas a terceiros de boa-fé, dos quais não se pode exigir, em cada caso, que examinem, nas Juntas Comerciais, contratos ou estatutos das sociedades com que tratam - Ato que, portanto, escapa da ineficácia - Carência da ação de resolução por ilegitimidade passiva "ad causam" afastada" (TJSP - RT 643/95).
Evidente que F.J. terá, em tese, direito de regresso contra E.F.B., desde que comprove que este usou indevidamente seu nome, porém, os terceiros de boa-fé não podem ser lesados se E.F.M., em aparência, agia como funcionário de F.J., aproveitando-se, assim, do bom nome comercial que este ostentava.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e o faço para condenar E.F.M. e F.J., solidariamente, a pagarem a E.P.B.T. e J.C.T., também em solidariedade, uma indenização por danos morais no importe de R$ 24.880,00 (vinte e quatro mil, oitocentos e oitenta reais), corrigida monetariamente e acrescida de juros de mora de 12% ao ano, contados da publicação desta sentença; e uma indenização por danos materiais no importe de R$ 111,28 (cento e onze reais e vinte e oito centavos), corrigida monetariamente desde a propositura da ação; acrescida de juros de mora de 12% ao ano, contados da citação válida.
Sem custas e honorários advocatícios nesta fase.
PRIC
Pedregulho, 27 de agosto de 2012.
Luiz Gustavo Giuntini de Rezende
Juiz de Direito.