Migalhas Quentes

Juiz fixa honorários sucumbenciais em 0,5% da causa

Juiz considerou que não está obrigado a cumprir as determinações do art. 20 do CPC.

29/8/2012

Em Santo André/SP, o juiz da 4ª vara Cível fixou honorários sucumbenciais em 0,5% do valor da causa com fundamento no entendimento de que o juiz não está obrigado a cumprir as determinações, relativas aos valores mínimos e máximos, estabelecidas no art. 20 do CPC.

Trata-se de ação de adjudicação compulsória em que a autora alegou que viveu em união estável com litisconsorte e, em virtude da dissolução da união, foi obrigada a se retirar do quadro social da empresa (primeira ré).

Julgando improcedente a ação, o juiz fixou os honorários em 0,5% do valor da causa, "patamar compatível com a natureza e complexidade da ação".

O advogado Sergio Vieira Ferraz atuou no caso pelos requeridos.

_________

Processo n. 1.730/11. Vistos.

Trata-se de ação de adjudicação compulsória proposta por M.M. em face de X e Y, alegando que viveu em regime de união estável com o último litisconsorte, tendo sido sócia da primeira ré. Em virtude da dissolução da união estável, a autora foi obrigada a se retirar do quadro social da empresa, tendo cedido suas quotas para o Sr. Y pelo valor de R$800.000,00.

Como parte do pagamento do valor a ela devido, a autora recebeu dois imóveis, ambos situados nesta Cidade, consignando-se, no contrato de cessão de quotas, que ao cessionário incumbiria providenciar a transferência dos aludidos bens para o nome dela em até 45 dias, contados da data da assinatura do instrumento anteriormente mencionado. Ultimado o referido prazo, seria lícito à autora pleitear a adjudicação compulsória.

Ficou estabelecido ainda que em caso de descumprimento da obrigação de transferência o cessionário seria obrigado a arcar com uma multa no valor de R$30.000,00, salvo se o atraso houvesse sido motivado por comportamento atribuível à pessoa da cedente.

Sustentando que o cessionário encontra-se em mora, a autora protestou pela procedência da ação, com a adjudicação dos bens em favor dela e a condenação do último réu ao pagamento do valor correspondente a R$30.000,00 a título de multa.

A petição inicial veio acompanhada pelos documentos juntados a fls. 09/52. Na contestação que ofereceram conjuntamente os réus aduziram que a transferência foi postergada a pedido da autora, que inclusive os teria isentado do pagamento da multa prevista em contrato. Isso porque ela não teria recursos suficientes para arcar com as despesas necessárias para manutenção e transferência.

No mais, ponderaram que a autora teria autorizado a venda dos bens para empresa interessada em edificar empreendimento imobiliário no local, o que acabou ocorrendo em 13 de Outubro de 2011. Argumentaram que o Decreto-Lei n. 58/37 não pode ser invocado como fundamento para o eventual acolhimento do pedido de adjudicação que se formulou nos autos. Sustentaram, por outro lado, que a litisconsorte JCH Gerenciamento Projetos e Obras LTDA. não pode ser incluída no pólo passivo da ação, requerendo, ao final, a extinção do processo sem apreciação do mérito e, subsidiariamente, a improcedência da ação (fls. 73/81).

Juntaram documentos (fls. 82/176).

Houve réplica (fls. 182/188).

É o relato do essencial.

Decido.

Em primeiro lugar, cumpre observar que por força do instrumento acostado a fls. 10/13 foram dados à autora, em pagamento pela cessão das quotas a ela pertencentes relativamente à empresa X., dois bens imóveis, tendo sido estipulado que se o cessionário não providenciasse, no prazo convencionado, a transferência do registro dos bens para o nome da requerente, a ela seria possível exigi-la pela via judicial.

Ora, ainda que a presente ação esteja ancorada em um contrato de cessão de quotas de sociedade limitada e não em uma promessa de compra e venda, o fato é que o objetivo por meio dela perseguido (substituição da manifestação de vontade ausente cuja emissão seria necessária para a transferência da propriedade dos imóveis) encontra amparo no ordenamento jurídico, sendo a tutela almejada necessária.

Irrelevante perquirir, pois, inclusive à luz dos princípios da instrumentalidade e da efetividade da jurisdição, se os dispositivos legais que tratam da ação rotulada como adjudicação compulsória são ou não aplicáveis à hipótese em debate.

O que interessa é que o pedido nela deduzido não é vedado pela legislação substantiva ou adjetiva, sendo compatível com a natureza do conflito de interesses cuja existência teria ensejado a propositura da ação.

Uma vez sendo a empresa X. detentora, como admitido a fls. 161/176, do domínio útil dos imóveis cuja transferência teria sido assegurada à autora por força da cessão de quotas que se aperfeiçoou com o outro litisconsorte, é inegável que a sua esfera jurídica poderá ser atingida caso a pretensão inaugural seja acolhida.

Destarte, ainda que ela não tenha participado do contrato que serve de lastro ao pedido de adjudicação, celebrado exclusivamente pela autora e pelo último réu, não há como ser determinada a sua exclusão do pólo passivo da relação processual, sob pena, em última instância, de nulidade da sentença a ser proferida por manifesta ofensa à garantia do devido processo legal e aos seus consectários.

Em se considerando os documentos já colacionados aos autos, o teor da réplica, as regras sobre a distribuição do ônus da prova e, ainda, o desinteresse da autora na produção de outras provas – fls. 190 -, o que autoriza reconhecer a ocorrência do fenômeno da preclusão lógica, passo ao imediato desate da lide. Importante frisar que embora o magistrado seja o destinatário final do acervo probatório, sendo-lhe possível, em última instância, determinar a produção de provas de ofício (artigo 130 do Código de Processo Civil), cabe às partes - uma vez delineados os pontos de fato sobre os quais entre elas pesa alguma controvérsia – individuar os meios de prova cuja eventual produção lhes seria interessante para confirmação das teses sustentadas nos autos.

Em outras palavras, a avaliação da necessidade ou não de provas complementares para o adequado pronunciamento jurisdicional também compete às partes, sendo a atividade delas regulada nesse aspecto pelo ônus subjetivo da prova. Sob este ponto de vista enfoca-se - no exame das regras atinentes à distribuição do ônus da prova - a ordenação do debate processual, atribuindo-se às normas sobre a repartição do ônus da prova a função de regulamentar ou organizar a atividade probatória das partes.

A rigor, portanto, incumbe às partes, em subsistindo dúvida acerca de algum fato deduzido nos autos, pleitear a produção das provas que de acordo com o entendimento de cada uma delas seriam pertinentes para demonstrar a veracidade de suas afirmações. Quando, porém, a parte manifesta sua aquiescência com o julgamento antecipado – ainda que de forma tática -, é lícito reconhecer que está abdicando da faculdade probatória que lhe é conferida, sendo vedado a ela posteriormente argüir a nulidade da sentença prolatada por motivo de violação à garantia do contraditório.

Nessa linha: “Cobrança cumulada com arbitramento de honorários advocaticios - Contrato verbal - Prestação de serviços em inventário - Herdeiro que nega o ajuste e se recusa a pagar os honorários, sob o fundamento de haver constituído outro procurador. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. Recurso não provido. 1. Se a parte abdicou da produção de provas, postulando o julgamento antecipado, não pode, porque a sentença lhe foi desfavorável, arrepender-se, voltar atrás e postular a anulação do julgado, para que sejam produzidas as provas das quais abriu mão no momento adequado. Admitir essa atuação processualmente equivocada e juridicamente indefensável significa negar aplicação ao princípio da preclusão lógica (e, no caso, também consumativa). Preliminar de cerceamento do direito à produção de provas que se rejeita. 2. Não havendo prova documental sequer de que o acionado teria constituído o ora recorrente como advogado e procurador na demanda anterior, nem havendo comprovação de patrocínios outros, em seu favor, não prospera pedido de arbitramento e cobrança de honorários advocatícios” (TJSP – Apelação n. 1208078008 – 29ª Câmara de Direito Privado – Relator: Reinaldo Caldas – j. 17/06/09).

De acordo com o instrumento acostado a fls. 10/13, a autora cedeu ao Sr. Y as 105.000 quotas que ela mantinha na condição de sócia da empresa X., tendo o réu se obrigado, em contrapartida, ao pagamento do valor total equivalente a R$800.000,00, sendo R$100.000,00 em moeda corrente e o restante mediante a dação de dois imóveis, os quais seriam transferidos para a requerente em até 45 dias contados da data da assinatura do contrato, sob pena de incidência de uma multa fixada no importe de R$30.000,00.

Em conformidade, porém, com os documentos juntados a fls. 146 e 160, a autora primeiramente teria comunicado a impossibilidade de recebimento da escritura dos bens em seu favor dados em pagamento por motivo de insuficiência de recursos, isentando, na oportunidade, o Sr. José Carlos Ribeiro da multa prevista em contrato.

Posteriormente, por sua vez, a autora teria autorizado o Sr. Y a vender os lotes objeto das matrículas 40.827 e 40.828 do 2º Cartório de Registro Imobiliário desta Comarca para empresas construtoras. Isso porque ela não disporia de recursos para o custeio das despesas correlacionadas à manutenção dos bens e à quitação dos tributos sobre eles incidentes.

Uma vez mais a autora eximiu o Sr. Y da responsabilidade pelo pagamento da multa estabelecida em contrato. Ora, malgrado a fls. 183 a autora inicialmente tenha afirmado que os documentos identificados como n. 20 e 21 da peça de defesa foram elaborados sem sua autorização, não tendo ela assinado o primeiro deles, posteriormente ela ventilou a possibilidade do Sr. Y ter usado, de forma indevida, um papel em branco que ela teria assinado enquanto ambos ainda conviviam em união estável (vide, a respeito, o segundo parágrafo de fls. 185), o que soa no mínimo incompatível com a aparente contestação original.

Ao menos indiretamente, pois, a autora reconheceu ser autêntica a assinatura que a ela se atribuiu. Lícito concluir, pois, que não houve sólida impugnação com relação à autenticidade da assinatura aposta na cópia de fls. 160 (pressuposto para cessação da fé de que ela a princípio se reveste), a qual ao menos visualmente é bastante semelhante às assinaturas constantes de fls. 139/140, 142/143 e 145/146, que contam, todas, com reconhecimento por serventuário ligado a um Tabelionato de Notas.

Nesse contexto, se fraude houve, esta seria resultante do preenchimento abusivo do documento que teria sido assinado em branco[1]. E o abuso se verifica, nos termos do artigo 388, parágrafo único, do Código de Processo Civil, quando aquele que “recebeu documento assinado, com o texto não escrito no todo ou em parte, o formar ou o completar, por si ou por meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário”. E na forma do artigo 389, I, do Código de Processo Civil, cabe ao subscritor que argüir a falsidade o ônus de eventualmente comprovar o preenchimento irregular do documento.

Pertinentes, aqui, as observações de Fábio Guidi Tabosa Pessoa em comentário ao sobredito dispositivo legal: “Finalmente, tem-se a questão do documento em relação ao qual se alega o preenchimento abusivo. Neste caso, como não se discute a autenticidade da firma, pretendendo o subscritor questionar a força probante própria do documento – negando ter querido formular qualquer declaração, ou ser aquele o teor da declaração pretendida -, natural que se lhe atribua a demonstração da irregularidade, como já reconhecido pelo STF: ‘Não ocorrência de negativa de vigência dos artigos 333, II, e 388, II, do C.P.C., pois o ônus da prova de que o documento particular assinado em branco foi preenchido abusivamente cabe a quem o assinou, e não a quem o preencheu’ (STF, RE n. 979/PR, 2ª T., rel. Min. Moreira Alves, j. 23/3/84, DJ 29/6/84, p. 10.752, EMENT 1342-07, p. 270 – RTJ ­111-01/386. Decisão: recurso não conhecido, por votação unânime)” (Código de Processo Civil Interpretado, Coordenador Antonio Carlos Marcato, 3ª ed., Ed. Atlas, p. 1.240/1.241).

Nessa linha precedente já antigo relatado pelo Eminente Araken de Assis:

“CIVIL. MÚTUO. DOCUMENTO ASSINADO EM BRANCO. VALIDADE. FALTA DE PROVA DO PREENCHIMENTO ABUSIVO. 1. O DOCUMENTO ASSINADO EM BRANCO TEM FORCA PROBANTE, SALVO SE PROVADO SEU PREENCHIMENTO ABUSIVO (CPC, ART.388, I), CUJO ÔNUS TOCA A QUEM O ALEGOU (CPC, ART.389, I). MÚTUO. COBRANCA PROCEDENTE. 2. APELAÇÂO PROVIDA” (Apelação Cível Nº 597075837, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Julgado em 04/03/1998). Como cediço, as regras sobre a distribuição do ônus da prova apresentam dois aspectos ou enfoques, sendo um deles o objetivo e outro o subjetivo. De acordo com o primeiro deles, o ônus da prova funciona como um critério racional de julgamento a ser aplicado em caso de ausência ou insuficiência de provas acerca dos fatos controvertidos que sejam relevantes para o devido equacionamento do litígio instaurado. Trata-se, pois, de um expediente “de racionalização da dúvida para, além de possibilitar o julgamento, evitar, mediante a disciplina de um modelo geral preexistente, o arbítrio judicial[1]”.

Isso porque no ordenamento jurídico brasileiro não se admite a pronúncia do non liquet, incumbindo ao juiz, mesmo nos casos de inexistência ou insuficiência de provas, oferecer uma resposta para o litígio instaurado. E a inobservância do ônus objetivo gera para a parte em cujo desfavor ele foi instituído uma conseqüência desfavorável, que é a admissão, como verdadeiro, do fato ou conjunto de fatos que à outra parte interessava demonstrar para o eventual acolhimento de sua pretensão/tese ou a negação do fato ou conjunto de fatos que a ela mesma interessava provar.

À vista desse panorama, não há como ser acolhido o pedido cujo objeto é a condenação ao pagamento da multa estabelecida no contrato. Afinal, a obrigação pactuada não foi descumprida, tendo sido o réu Y autorizado a vender para terceiros os bens que anteriormente haviam sido outorgados à autora como parte do pagamento pela cessão das quotas. E o réu já o fez, na condição de representante da empresa X. (conforme atesta o instrumento reproduzido a fls. 161/176).

Absolutamente impossível, no mais, a adjudicação dos bens em favor da autora. Isso porque ela manifestou expressa concordância com a transferência deles para outrem, exigindo apenas que metade dos apartamentos/escritórios a serem recebidos por força da transação fosse reservada aos filhos que ela teve com o último litisconsorte, instituindo-se em favor dela o usufruto destes bens.

Ante todo o exposto e com fulcro no artigo 269, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente a ação, resolvendo o mérito da lide.

Em razão da sucumbência, caberá à autora arcar com as custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, que fixo em 0,5% do valor atualizado da causa, patamar compatível com a natureza e complexidade da ação e, ainda, com o trabalho desenvolvido nos autos.

Anoto, a propósito, que para fins de arbitramento eqüitativo do valor dos honorários, a ser efetuado com fundamento no artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil, não está o julgador adstrito aos percentuais mínimo e máximo a que alude o artigo 20, §3º, também do Código de Processo Civil. Sendo a autora beneficiária da gratuidade (fls. 65), deverá permanecer suspensa a execução das verbas sucumbenciais (artigo 12 da Lei 1.060/50).

P.R.I.

Santo André, 15 de Agosto de 2012.

Gustavo Sampaio Correia

Juiz de Direito

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Notícias Mais Lidas

"Vale-peru"? TJ/MT fixa R$ 10 mil de auxílio-alimentação em dezembro

19/12/2024

Bosch é condenada a pagar R$ 1,7 mi por fraude em perícias judiciais

19/12/2024

iFood é multada por designar representante hospitalizado em audiência

19/12/2024

PEC que limita supersalários de servidores é aprovada pelo Congresso

20/12/2024

MP/BA investiga Claudia Leitte por retirar "Iemanjá" de música

19/12/2024

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Atualização do Código Civil e as regras de correção monetária e juros para inadimplência

19/12/2024

5 perguntas e respostas sobre as férias coletivas

19/12/2024

A política de concessão de veículos a funcionários e a tributação previdenciária

19/12/2024

Julgamento do Tema repetitivo 1.101/STJ: Responsabilidade dos bancos na indicação do termo final dos juros remuneratórios

19/12/2024