Migalhas Quentes

Editora Abril é condenada por publicar imagem de jovem sem autorização

A foto do rapaz estampou reportagem sobre relacionamento amoroso.

19/6/2012

Um jovem que teve sua imagem veiculada sem autorização em reportagem de revista da editora Abril será indenizado. A foto do rapaz estampou reportagem sobre relacionamento amoroso. Apesar do uso da imagem, a matéria contava história de outra pessoa, que não o autor.

Na inicial, ele pedia o pagamento indenização por danos morais e alegava ter se sentido ofendido por ter sua imagem exposta ao público. A foto foi publicada no periódico "Revista Sou + Eu", ilustrando reportagem intitulada "Me apaixonei pelo ex da minha amiga: O plano era fazer o safado sofrer. Mas o tiro saiu pela culatra".

Ele afirmou que tal fato o tornou "motivo de piadas e chacotas entre seus conhecidos". O pedido foi julgado procedente em 1º grau, condenando a Abril a indenizar o jovem em R$ 30 mil.

A ré interpôs apelação pedindo a improcedência do pedido e redução do valor indenizatório. Na decisão, o desembargador Monteiro Rocha, relator do recurso, considerou que, não bastasse o cunho invasivo do texto jornalístico, a matéria tratava de outra pessoa, que não o autor.

De acordo com ele, "A imagem está individualizada e o interesse econômico da reportagem veiculada é evidente. Além disso, a fotografia contribui positivamente, em seu contexto, para ampliar as vendas do periódico".

O magistrado, no entanto, reduziu o valor indenizatório para R$ 5 mil considerando que os incômodos, "se é que existiram", foram suportados pelo autor foram normais à espécie. "Excluído o uso da imagem sem consentimento, entendo que o autor foi beneficiado com o brio varonil de sua juventude, aparecendo em fotografia com uma bela jovem, ao mesmo tempo em que se entendia, mesmo que implicitamente, ser requisitado pelo amor de duas jovens. Não bastasse isso, a matéria publicada na revista não se referia ao requerente, mas ao "namorado ausente" chamado Marcus", afirmou.

Processo: 2011.058052-6

____________

Apelação Cível n. 2011.058052-6, de Blumenau

Relator: Des. Monteiro Rocha

DIREITO CIVIL - OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL - VEICULAÇÃO DE FOTOGRAFIA EM PERIÓDICO -DANO À IMAGEM - PROCEDÊNCIA EM 1º GRAU – RECURSO PRINCIPAL DA RÉ - AUSÊNCIA DE DANO MORAL - AFASTAMENTO - INDEVIDA UTILIZAÇÃO DE IMAGEM - EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DA FOTOGRAFIA - DEVER DE INDENIZAR MANTIDO - QUANTUM INDENIZATÓRIO EXCESSIVO - ACOLHIMENTO - ADEQUAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE - RECURSO PRINCIPAL PARCIALMENTE PROVIDO - APELO ADESIVO DO AUTOR - MAJORAÇÃO DO QUANTUM - INACOLHIMENTO – RECURSO ADESIVO DESPROVIDO - SENTENÇA REFORMADA NO QUANTUM.

A utilização de fotografia com intuito econômico e inserida em matéria de conteúdo jornalístico, sem autorização da pessoa fotografada, gera obrigação de indenizar.

Reduz-se o valor fixado a título de danos morais, quando inobservados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, consubstanciados no fato de que o quantum não deve desvalorizar o bem jurídico protegido e não pode ensejar lucro à vítima.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.2011.058052-6, da comarca de Blumenau (4ª Vara Cível), em que é apte/rdoad Editora Abril S/A, sendo apdo/rtead A.F.M.

A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso principal da ré para reduzir o quantum reparatório de R$30.000,00 para R$5.000,00 e improver o recurso adesivo do autor. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Henry Petry Junior e Jairo Fernandes Gonçalves.

Florianópolis, 31 de maio de 2012.

Monteiro Rocha

PRESIDENTE E RELATOR

 

RELATÓRIO

A.F.M. propôs Ação Indenizatória contra Editora Abril S/A, em decorrência do uso indevido de sua imagem.

Narrou que sua imagem foi publicada no periódico "Revista Sou + Eu", de responsabilidade da empresa ré, edição n. 71, de 27 de março de 2008, sem sua autorização, ilustrando reportagem intitulada "Me apaixonei pelo ex da minha amiga: O plano era fazer o safado sofrer. Mas o tiro saiu pela culatra".

Disse ter se sentido ofendido por ter sua imagem exposta ao público, sem o seu consentimento. Afirmou que, por tal fato, tornou-se motivo de piadas e chacotas entre seus conhecidos. Por tal fato, requereu a condenação da ré ao pagamento de indenização em 200 salários mínimos.

Citada, a ré apresentou contestação, sustentando que a fotografia publicada não ofende a imagem do autor. Ademais, alegou não restarem caracterizados os alegados danos morais sofridos pelo autor. Postulou, ao final, a improcedência do pedido exordial.

Houve réplica.

A ré requereu a denunciação da lide à Débora Roncaglio, o que foi indeferido pelo magistrado a quo.

Processado o feito, sobreveio sentença, da qual colhe-se o seguinte dispositivo:

"Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE, a presente ação de indenização por danos morais ajuizada por A.F.M. em face de Editora Abril S/A para condenar a ré ao pagamento a título de danos morais da quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), corrigida monetariamente pelo INPC-IBGE e acrescida de juros de mora de 12% (doze por cento) ao ano a partir desta sentença (TJSC, Ap. Cív. 2002.005478-5, de São Joaquim, Rel. Des. Alcides Aguiar, j. 18.11.2004) até o efetivo pagamento. Condeno a ré, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação (art. 20, 3, do CPC). P. R. I" (fl. 133).

Irresignada com a prestação jurisdicional, a ré interpôs apelação, reiterando a tese de que o autor não comprovou os alegados danos morais sofridos por si. Requereu o provimento do recurso para julgar improcedente o pedido exordial ou, sucessivamente, a redução do quantum reparatório.

O autor apresentou contrarrazões e, ato contínuo, requereu, em sede de recurso adesivo, a majoração do quantum reparatório.

A ré apresentou contrarrazões ao recurso adesivo.

É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos porque preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade.

RECURSO PRINCIPAL DA RÉ E RECURSO ADESIVO DO AUTOR

1. Obrigação de indenizar - Uso indevido de imagem

Busca a apelante a reforma do decisum a quo para julgar improcedente o pedido exordial.

Alega que o autor não comprovou os danos morais supostamente sofridos por si.

Sem razão a recorrente.

A Constituição Federal preceitua que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5º, X).

O autor teve sua fotografia veiculada no periódico "Revista Sou + Eu", edição n. 71, do dia 27 de março de 2008, ilustrando a reportagem intitulada "Me apaixonei pelo ex da minha amiga: O plano era fazer o safado sofrer. Mas o tiro saiu pela culatra".

Trata a matéria de mulher que se envolveu com o ex namorado [o tal de Marcus] de sua amiga com o objetivo de fazê-lo sofrer, mas que, no entanto, acabou se apaixonando por ele.

Ocorre que, não bastasse o cunho invasivo do texto jornalístico, que expõe a intimidade da pessoa sem aferir a autenticidade dos fatos ali postos, a matéria trata de outra pessoa, que não o autor.

Colhe-se de texto autorizado pela pretensa litisdenunciada Débora Roncaglio e que foi publicado na página 29 da Revista Sou + Eu (fl. 13 dos autos):

"Ela [ex namorada] sempre falava de um tal de Marcus, um ex que ela não conseguia superar. Quanto a mim, tinha acabado de me separar, havia passado por uma baita crise" (pessoa que divulgou a narrativa através do site da Editora Abril S/A - fls. 44 e 45).

Traz-se aos autos entendimento doutrinário, que entendo aplicável ao caso vertente:

"Uso da imagem de terceiros deve, via de regra, ser precedido de autorização. Em certos casos essa autorização torna-se desnecessária, como nas situações envolvendo pessoas notórias, relacionadas com a arte, dramaturgia ou esporte, v.g., quando sua imagem é vinculada a um contexto informativo, sem invadir sua privacidade. Da mesma forma, não carece de autorização a divulgação de pessoas envolvidas em algum evento de natureza pública, pois presume-se que sua aparição enseja autorização tácita do uso da imagem. O interesse público também faz parte das exceções, dispensando autorização sob o fundamento de que a difusão desta imagem está sendo usada em benefício de toda a coletividade" (Guilherme Döring Cunha Pereira, in Liberdade e Responsabilidade dos Meios de Comunicação, São Paulo: RT, 2002, p. 118/119).

Assim, regra geral, sobretudo quando há interesse econômico, a utilização da imagem exige a autorização do fotografado, o que não aconteceu no caso concreto (fato incontroverso).

O autor teve seu retrato estampado em revista de circulação nacional, ilustrando matéria que trata de fatos altamente invasivos da privacidade do indivíduo.

A imagem está individualizada e o interesse econômico da reportagem veiculada é evidente. Além disso, a fotografia contribui positivamente, em seu contexto, para ampliar as vendas do periódico.

Neste sentido, colaciona-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:

"A imagem é a projeção dos elementos visíveis que integram a personalidade humana; é a emanação da própria pessoa; é o eflúvio dos caracteres físicos que a individualizam. A sua reprodução, consequentemente, somente pode ser autorizada pela pessoa a que pertence, por se tratar de direito personalíssimo, sob pena de acarretar o dever de indenizar que, no caso, surge com a sua própria utilização indevida. É certo que não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente à sua imagem; todavia, não se deve exaltar a liberdade de informação a ponto de se consentir que o direito à própria imagem seja postergado, pois a sua exposição deve condicionar-se à existência de evidente interesse público, a ser satisfeito, de receber informações, isso quando a imagem divulgada não tiver sido captada em cenário público ou espontanemente"

(STJ, 4ª Turma, Min. Rel. César Asfor Rocha, REsp 58.101/SP).

Quanto à alegação de ausência de prova do dano moral sofrido pelo autor, tem-se que "em se tratando de direito à- imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral" (TJSC, 2ª Cam. Dir. Civ., Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, Ap. Civ. 2001.009036-8, de Itajaí, j. 14-7-2005).

A sanção pecuniária imposta ao órgão de divulgação cinge-se exclusivamente pela exposição de fotografia não autorizada por quem foi fotografado.

Ainda mais, não há qualquer relação entre a fotografia do autor e a matéria transcrita na página em que aparece a fotografia do requerente.

Desta forma, considerando que houve exploração econômica de fotografia não autorizada e consequente infração ao direito de intimidade do autor, resta intacta a obrigação da empresa jornalística em indenizar o autor.

2. Quantum indenizatório

Insurge-se a apelante contra o valor dos danos morais arbitrados em 1º Grau (R$30.000,00 - trinta mil reais).

Está assentado em nosso direito que em sede de danos morais o magistrado deve fixar o valor através dos critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, adotando valor que não sirva de lucro à vítima e que não desvalorize o patrimônio moral do ofendido.

A quantificação do dano moral deve atender à função reparatória, da qual se reveste a indenização.

Sobre o assunto, oportuno trazer à colação excerto doutrinário de Sergio Cavalieri Filho:

"Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes" (in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 116).

Pondera-se que a sanção do ilícito não se destina a quantificar materialmente a ofensa vivenciada pela vítima. O sofrimento por ela enfrentado possui caráter subjetivo, devendo ser atribuído valor econômico compatível. O montante postulado tem essência reparatória e objetiva sancionar o uso indevido de imagem.

Como a fixação de indenizações em patamar elevado deve ser evitada, trago aos autos ensinamento doutrinário do jurista Calmon de Passos, inserto em artigo intitulado "O Imoral nas Indenizações por Dano Moral", entendendo que o prejuízo extrapatrimonial deve ser reparado através de fundamentos éticos e morais:

"Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente. O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer, o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e aos outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente enxovalhado" (Revista Jus Navegandi, 2002, in www.jus.com.br).

Para uma valoração razoável e proporcional à ofensa, há que se considerar o grau de reprobabilidade da conduta e os efeitos advindos da ilegal publicação da matéria jornalística.

É censurável a conduta da empresa jornalística que publicou, sem autorização, fotografia do autor para ilustrar matéria violadora do direito à privacidade.

Em casos como o presente, deve-se considerar que "a ofensa à- honra por meio da imprensa, por sua maior divulgação, acaba repercutindo mais largamente na coletividade, mormente quando se considera que o veículo de comunicação é de grande circulação" (STJ, 3ª Turma, Rel. Minª Nancy Andrighi, REsp 884.009/RJ, j.10-5-2011).

No entanto, os incômodos - se é que existiram - suportados pelo autor foram normais à espécie.

Traz-se aos autos julgamento semelhante ao presente, tendo como uma das partes a ora ré/apelante e no qual o autor foi reparado com a importância de R$10.000,00:

"APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. USO INDEVIDO DA IMAGEM. REUTILIZAÇÃO, PELA EDITORA, DE FOTOGRAFIA DE MODELO SEM EXPRESSA AUTORIZAÇÃO DA PROFISSIONAL. INDENIZAÇÃO PATRIMONIAL DEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM.

APELO DA RÉ. PEDIDO DE REFORMA DA SENTENÇA. DESCABIMENTO. MINORAÇÃO DA VERBA FIXADA. INADMISSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DA AUTORA. MAJORAÇÃO DAS VERBAS INDENIZATÓRIAS. DESNECESSIDADE. QUANTUM FIXADO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU SUFICIENTE PARA COMPENSAR A DEMANDANTE PELOS PREJUÍZOS SUPORTADOS. JUROS DE MORA. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 54 DO STJ. READEQUAÇÃO DO JULGADO APENAS EM RELAÇÃO AO TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA. ACOLHIMENTO DO PLEITO DE MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO" (TJSC, 5ª Cam. Dir. Civ., Rel. Des. Odson Cardoso Filho, Ap. Civ. 2010.065525-3, de Guaramirim, j. 26-8-2011).

Excluído o uso da imagem sem consentimento, entendo que o autor foi beneficiado com o brio varonil de sua juventude, aparecendo em fotografia com uma bela jovem, ao mesmo tempo em que se entendia, mesmo que implicitamente, ser requisitado pelo amor de duas jovens. Não bastasse isso, a matéria publicada na revista não se referia ao requerente, mas ao "namorado ausente" chamado Marcus.

Dessa forma, entende-se excessiva a quantia de R$30.000,00 (trinta mil reais) arbitrada em 1º Grau, e, nesse passo, reduz-se o quantum para R$5.000,00 (cinco mil reais).

Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso principal da ré para reduzir o quantum reparatório de R$30.000,00 para R$5.000,00, improvido o recurso adesivo.

É o voto.

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