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Remuneração de curador herdeiro do tutelado deve ser fixada em juízo

A decisão foi dada pela 3ª turma do STJ.

2/6/2012

A 3ª turma do STJ negou provimento ao recurso interposto por um curador, herdeiro universal dos bens do tutelado, que fixou e reteu, por conta própria, a remuneração referente à curatela. Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora, o curador tem direito de receber remuneração pela administração do patrimônio do interdito, no entanto, o valor deve ser previamente fixado pelo juiz.

O pai do curador foi interditado porque sofria de embriaguez patológica crônica e demência alcoólica. Inicialmente, foi nomeada curadora a mãe do interditado. Após o falecimento dela, o filho passou a exercer a curadoria. As prestações de contas referentes aos anos de 1998, 1999, 2001, 2002 e ao primeiro semestre de 2006 foram rejeitadas e ele foi condenado a devolver os valores irregularmente retidos, que totalizaram mais de R$ 440 mil.

A ministra destacou que o Estado tem o dever de fiscalizar os interesses do interditado e impedir que, por meio da remuneração do curador, venha o patrimônio administrado a ser exigido em grau incompatível com o seu equilíbrio.

"Nem mesmo a alegação de que se constitui o recorrente como herdeiro universal dos bens do interditado é suficiente para eximi-lo da obrigação de promover a devolução dos valores por ele fixados e retidos", completou.

Veja a íntegra da decisão.

_____________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.192.063 - SP (2010/0077535-3)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: A A DE C N

ADVOGADO: ANDRÉ LINHARES PEREIRA E OUTRO(S)

INTERES.: D DE C N F

INTERES.: O JUÍZO

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INTERDIÇÃO. REMUNERAÇÃO DO CURADOR. FIXAÇÃO JUDICIAL. NECESSIDADE. RETENÇÃO DE RENDAS DO INTERDITO. POSSIBILIDADE.

1. O curador tem direito de receber remuneração pela administração do patrimônio do interdito, à luz do disposto no art. 1.752, caput, do CC-02, aplicável ao instituto da curatela, por força da redação do art. 1.774 do CC-02.

2. Afigura-se, no entanto, indevida a fixação realizada pelo próprio curador e a consequente retenção de rendas do interdito.

3. A remuneração do curador deverá ser requerida ao Juiz que a fixará com comedição, para não combalir o patrimônio do interdito, mas ainda assim compensar o esforço e tempo despendidos pelo curador no exercício de seu múnus.

4. Negado provimento ao recurso especial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Sustentou oralmente o Sr. Sub-procurador: José Bonifácio Borges de Andrada.

Brasília (DF), 20 de março de 2012 (Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto por A A DE C N, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.

Ação: de interdição de D DE C N F, pai do recorrente, em virtude do quadro de embriaguez patológica crônica, com demência alcoólica, associado a transtorno afetivo de personalidade.

Por ocasião da interdição, foi nomeada curadora a mãe do interditado, que exerceu o munus até quando sua saúde o permitiu. Com o seu falecimento, o recorrente, que é filho do interditado, passou a exercer a sua curatela.

No decorrer da ação de interdição, o recorrente foi intimado a prestar contas da sua administração.

Decisões: rejeitaram as prestações de contas apresentadas pelo recorrente, com relação aos anos de 1998, 1999, 2001, 2002 e ao primeiro semestre de 2006, obrigando-o a ressarcir ao interdito as respectivas importâncias de R$ 89.590,53 (oitenta e nove mil, quinhentos e noventa reais e cinquenta e três centavos), R$ 67.099,86 (sessenta e sete mil, noventa e nove reais e oitenta e seis centavos), R$ 46.937,23 (quarenta e seis mil, novecentos e trinta e sete reais e vinte e três centavos), R$ 189.797,60 (cento e oitenta e nove mil, setecentos e noventa e sete reais e sessenta centavos) e R$ 48.356,41 (quarenta e oito mil, trezentos e cinquenta e seis reais e quarenta e um centavos), devidamente corrigidas.

Acórdão: negou provimento aos cinco agravos de instrumento interpostos pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa:

Interdição - Prestação de contas - Rejeição - Curador que fixa por conta própria o valor da remuneração de seu trabalho - Inadmissibilidade - Ainda que a lei confira ao curador o direito de perceber remuneração proporcional à importância dos bens administrados, o respectivo valor depende de prévio arbitramento judicial - Decisões mantidas - Recursos desprovidos (e-STJ fl. 47).

Recurso especial: alega violação do art. 1752 do NCC. Afirma o recorrente que suas contas merecem ser consideradas cabalmente prestadas, porquanto é lícita a retenção efetivada a título de remuneração do curador, tendo ele agido no exercício regular de seu direito. Aduz que inexistiu prejuízo ao curatelado, visto que sua interdição é irreversível. Salienta, ainda, que a norma que prevê a remuneração do curador não exige que ela seja previamente fixada pelo juiz.

Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/SP negou seguimento ao recurso especial (fls. 103/104, e- STJ).

Decisão: em decisão unipessoal, determinei a subida do recurso especial.

Parecer do MPF: de lavra do Subprocurador-Geral da República, Hugo Gueiros Bernardes Filho, pelo não provimento do recurso. (fl. 117-120, e-STJ).

É o relatório.

VOTO

Consiste a irresignação recursal em definir a possibilidade de o curador fixar e reter, por conta própria, o valor tido como "remuneração do curador", em virtude do exercício da curatela, bem como a definir a validade da prestação de contas por ele apresentada.

1. Da remuneração do curador (violação do art. 1752 do CC/02)

O recorrente sustenta que a retenção de valores em questão é lícita, pois representaria a remuneração do curador pela administração dos bens do interdito. Aduz, ainda, que não houve prejuízo ao curatelado e que a norma não exige que a remuneração do curador seja previamente fixada pelo Juiz.

O TJ/SP, por sua vez, consignou que o recorrente faz jus à remuneração, por exercer o mister da curatela; contudo, deveria ter feito pedido específico em Juízo, e não, por vontade própria, ter fixado o valor de seu trabalho, retendo valores que entendia devidos, a seu bel prazer.

Tendo decidido processo semelhante ao presente (REsp 1.205.113/SP), inclusive relativo à mesma parte recorrente, e a fim de se evitar novas divagações sobre o tema, reputo válido transcrever o posicionamento já adotado quanto à questão, senão veja-se:

Analisando-se as proposições contrapostas, impende, em um primeiro momento, cristalizar-se o entendimento de que o instituto da curatela é medida tomada no interesse do interditado, ao qual se aplicam as regras relativas à tutela, por força do disposto no art. 1.774 do CC-02.

Sob essa ótica legal, tem-se como certo o direito do curador de receber remuneração pela administração do patrimônio do interdito (art. 1.752, caput, do CC-02).

Porém, diferentemente do que era preconizado no Código Civil de 1916, a legislação atual não restringiu essa remuneração a percentual da renda líquida anual dos bens administrados pelo curador, mas, tão só, consignou que o curador pode perceber remuneração proporcional à importância dos bens administrados.

Essa prerrogativa, contudo, deve ser concedida e exercida com cautela, pois, nas palavras de Arnaldo Rizzardo, “não se pode tornar a função do tutor (curador) em um meio de angariar recursos ou riquezas. Simplesmente paga-se a atividade desempenhada, impondo-se comedição no arbitramento”. (RIZZARDO, Arnando. in: Direito de família, Rio de Janeiro: forense, 2011, p. 885).

Nessa senda, a retribuição pecuniária do curador, conquanto justa, não deve combalir o patrimônio do interdito, tampouco se transmudar em rendimentos para o curador, sendo a medida mais correta aquela que atenda ao primeiro requisito e retribua o esforço e tempo despendidos pelo curador no exercício de seu múnus.

É certo, então, afirmar que o curador faz jus ao recebimento de remuneração pelo exercício da curatela.

Contudo, daí não decorre a possibilidade de que ele – curador –, ao seu alvedrio, venha a arbitrar a própria remuneração, segundo os parâmetros do que entende ser razoável e justo.

A proposital imprecisão com que foi redigido o comando legal que autoriza o recebimento, pelo curador, de “(...) remuneração proporcional à importância dos bens administrados.” (art. 1.752, caput, CC-02), aliada ao controle que o Estado-Juiz deve exercer sobre curatela, a fim de evitar a dilapidação do patrimônio daquele que foi interditado, desautorizam essa ação.

A medida da capacidade financeira do interdito, suas necessidades – que devem ser atendidas, prioritariamente, com o seu próprio patrimônio –, o esforço despendido pelo curador no cumprimento de seu múnus e as impossibilidades ou restrições ao desenvolvimento de suas atividades próprias são fatores aos quais se agregam alto grau de subjetividade, que somente podem ser sopesados pelo Estado-Juiz.

Essa é a tônica que marca, no particular, a fiscalização do Estado quanto aos interesses do interdito e impede que, por meio da remuneração do curador, venha o patrimônio do curatelado a ser exigido em grau incompatível com o seu equilíbrio, para fins diversos da sua própria subsistência.

Note-se que não se questiona aqui a lisura, esforço, dedicação e denodo com que o recorrente tem agido em relação ao interdito – seu pai. Nem se descura que o múnus atribuído ao curador, não raras vezes, mostra-se exacerbado, pois demanda além de tempo e dinheiro – elementos, por si só compensáveis –, outros mais, de difícil aferição pecuniária, como tomadas de decisões, as preocupações daí advindas, a codependência psicológica entre outros fatores.

Mas até pela existência dessas inúmeras variáveis, e em atenção ao princípio primário da defesa do interesse do interdito, a fixação da remuneração do curador não pode ser feita a talante do próprio, mas sim pelo Juiz, que, mediante pleito do curador, irá sopesar todos esses elementos para, finalmente, fixar valor justo pelo trabalho despendido, em atenção à capacidade financeira do interdito.

(...)

No entanto, o Tribunal de origem, relevando a falta cometida, ainda determinou que:

(...) se entende o agravante fazer jus a essa remuneração, deve fazer pedido específico para tal, e não por vontade própria fixar o valor de seu trabalho.

Uma vez arbitrada pelo Juízo a remuneração, seu valor deve ser abatido da importância que o agravante foi condenado a ressarcir.

.” (fl. 115, e-STJ).

Assim, sob todos os aspectos, inclusive na aplicação da presunção de boa-fé do recorrente, mostra-se escorreito o posicionamento do Tribunal de origem, que fixou a necessidade do pedido de remuneração ser deduzido em juízo.

Desta feita, tem-se que não pode o curador fixar e reter, por conta própria, os valores que entende devidos a título de "remuneração do curador", porquanto essa remuneração deverá ser arbitrada pelo juiz.

Agrega-se, ainda, lição de Rodrigo da Cunha Pereira sobre o tema:

O exercício da tutela não é necessariamente a título gratuito, cabendo o juiz arbitrar o valor da remuneração (...). Tal remuneração classifica-se muito mais como um "prêmio" ou "gratificação" do que propriamente como contraprestação pelos serviços prestados, devendo ser ressaltada a dignidade que se traduz na designação do cargo de tutor (Comentários ao Novo Código Civil. Volume XX. Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Forense). (sem destaque no original)

Não somente, reforça Fredie Didier Júnior (et al):

Cabe ao juiz, em decisão fundamentada e ouvidos os interessados e o Ministério Público, arbitrar a remuneração do tutor, do protutor e das pessoas físicas e jurídicas referidas no art. 1.743, tanto incidentalmente no processo de nomeação do tutor (...) ou como decisão final em requerimento autônomo dos interessados (...).

No arbitramento da remuneração deverá o juiz verificar os preços de mercado, socorrendo-se, até mesmo, da prova pericial se necessário (Comentários ao Código Civil Brasileiro. Volume XV. Coordenadores: Arruda Alvim e Thereza Alvim. Forense). (sem destaque no original)

Vale transcrever, ainda, comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho ao artigo 1752 do Novo Código Civil:

(...) a importância devida deverá ser fixada, eqüitativamente, pelo magistrado, que atentará para as circunstâncias de cada caso concreto (por exemplo, natureza do patrimônio administrado e extensão do envolvimento) e observará os princípios de proporcionalidade e razoabilidade (Código Civil Comentado. Coordenador: Min. Cezar Peluso. 2ª Ed. Manole).

Dessarte, verificando-se que os valores retidos a título de "remuneração do curador" não foram arbitrados ou autorizados pelo Juízo de origem, impõe-se ao curador que promova o ressarcimento desses valores.

Na presente hipótese, convém mencionar, ainda, que se torna inviável acolher as justificativas apresentadas pelo recorrente de que agiu em exercício regular de seu direito, de que a interdição é irreversível, de que não houve prejuízo ao curatelado, de que é o único parente próximo que mantém contato com ele ou, ainda, de que proporciona apoio, carinho e todos os cuidados especializados ao curatelado, que permanece com seu patrimônio imobiliário intocado.

Nem mesmo a alegação de que constitui-se o recorrente como herdeiro universal dos bens do interditado é suficiente para eximí-lo da obrigação de promover a devolução dos valores por ele fixados e retidos.

Frise-se, novamente, que o recorrente possui o direito à percepção de remuneração pelo desempenho da curatela, mas essa remuneração deveria ter sido fixada pelo magistrado, não lhe dando a possibilidade de fixá-la por conta própria. Outrossim, poderia o recorrente, indubitavelmente, ter pleiteado ao magistrado a sua fixação.

Em não o tendo feito, não pode amparar-se em justificativas outras incapazes de afastá-lo de sua obrigação de ressarcimento, mostrando-se escorreito o posicionamento do Tribunal de origem, que fixou a necessidade do pedido de remuneração ser deduzido em juízo.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

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