Migalhas Quentes

Ministro Joaquim Barbosa considera prescrito prazo para ação de indenização de anistiado

Ações fundadas no art. 9 do ADCT estão sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos, contados da data da promulgação da CF/88.

20/5/2012

O ministro Joaquim Barbosa, do STF, extinguiu, com julgamento de mérito, uma ação originária especial ajuizada por R.P.P. contra a União, na qual requeria o pagamento imediato de diferenças de reparação econômica de caráter indenizatório e das prestações mensais desde a data de sua prisão (17/10/69) até a sua aposentadoria, como se na ativa estivesse. O autor da ação afirma que foi admitido no BB em 17/12/64 na funçãode auxiliar de escriturário, tendo sido demitido "por motivos exclusivamentepolíticos", em 24/8/69.

O relator acolheu a preliminar de prescrição do direito de ação apontada pela União, nos termos do artigo 1º do decreto-lei 20.190/32. Segundo o ministro Joaquim Barbosa, o Supremo firmou entendimento no sentido de que as ações fundadas no artigo 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como no caso em questão, estão sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos, contados da data da promulgaçãoda CF/88, ou seja, 5/10/88.

O artigo 9º do ADCT dispõe que aqueles que, por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então presidente da República, poderão requerer ao STF o reconhecimento dos direitos e vantagens interrompidos pelosatos punitivos, desde que comprovem ter sido estes eivados de vício grave.

"A presente ação originária especial, fundada no artigo 9º do ADCT, somente foi ajuizada em 10 de fevereirode 2010, ou seja, mais de vinte anos após a promulgação da CF/88, quando em muito exaurido o prazo prescricional do artigo 1º do decreto-lei 20.190/32. Portanto, tendo em vista a ocorrência da prescrição,desde 6 de outubro de 1993, e com fundamento nos artigos 329 e 269, IV do CPC, julgo extinta a ação com julgamento do mérito", concluiu o ministro Joaquim Barbosa.

Na ação ao STF, a defesa alegou que R.P.P. foi preso em 1969 por motivos exclusivamente políticos, acusado da prática de crimes contra a segurança nacional. Afirma que a demissão do banco e a prisão configuram dupla punição e acrescenta que sua carreira profissional foi dificultada em razão do ocorrido. Isso porque, se não tivesse sido demitido, estaria ocupando o posto de gerente de agência no BB, recebendo a remuneração correspondente.

Ainda de acordo com a defesa, mesmo com o advento da anistia (6.683/79), ele não obteve oreconhecimento da condição de anistiado nem o direito de ser reintegrado aoemprego e funções, em razão de "perseguições que contra si persistiam", recebendo o estigma de "subversivo". Informa que, somente em agosto de 2005,f ormulou o pedido de reparação econômica em prestação mensal, permanente econtinuada, com o pagamento de retroativos, à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

Segundo a defesa, a Comissão de Anistia deferiu ao requerente a condição de anistiado político, a contagem efetiva do seu tempo de serviço desde o primeiro registro em sua Carteira de Trabalho (19/2/59) e sua reintegração como aposentado do Banco do BrasilS/A, fixando-lhe uma pensão mensal, com efeitos retroativos à data de suademissão. Insatisfeito com o valor fixado pela Comissão de Anistia, R.P.P. alega que o arbitramento da pensão representou "nova punição", tendo em vista que a pensão só poderia ser arbitrada se não existissem documentos comprobatórios do valor correto de seu salário.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

_______

DECISÃO

Trata-se de ação originária especial, com pedido de medida liminar, ajuizada em 10.02.2010, por Rui Pinto Patterson, objetivando, com fundamento no art. 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, “a reiteração de sua condição de anistiado político e a contagem do tempo de serviço de 17 de setembro de  1964, quando foi admitido no Banco do Brasil, em diante”, bem como o pagamento imediato, a título indenizatório, de diferenças de reparação econômica de caráter indenizatório e das prestações mensais, permanentes e continuadas, desde a data de sua prisão ocorrida em 17.10.1969, até a sua aposentadoria como se na ativa estivesse.

O autor afirma que foi admitido no Banco do Brasil em 17.12.1964, na função de auxiliar de escriturário, tendo sido demitido “por motivos exclusivamente políticos” em 24.08.1969. Acrescenta que foi preso, em 17.10.1969, também por motivos exclusivamente políticos, acusado da prática de crimes contra a segurança nacional.

Afirma que a demissão e a prisão configuram dupla punição, bem como que sua carreira profissional foi dificultada em razão do ocorrido. Entende que se não tivesse sido demitido, estaria ocupando o posto de gerente de agência no Banco do Brasil, recebendo a remuneração correspondente.

Sustenta que, mesmo com o advento da anistia, estabelecida na lei 6.683/1979, não logrou obter a sua condição de anistiado e reintegrar-se ao emprego e funções, em razão de “perseguições que contra si persistiam”, recebendo o estigma de “subversivo”.

Informa que, somente em 26.08.2005, formulou o seu pedido de reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, com o pagamento de retroativos, à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

Afirma que a referida Comissão de Anistia deferiu ao requerente a condição de anistiado político, a contagem efetiva do seu tempo de serviço desde o primeiro registro em sua Carteira de Trabalho (19.02.1959) e sua reintegração como aposentado do Banco do Brasil S/A, fixando-lhe uma pensão mensal no valor de R$ 2.651,38, com efeitos retroativos à data de sua demissão.

Contudo, insatisfeito com o valor fixado pela Comissão de Anistia, alega que o arbitramento daquele montante representou “nova punição ao requerente, em virtude da violação ao comando expressamente contido no art. 6º, § 1º e 2º da lei 10.559/2002, uma vez que a pensão só poderia ser arbitrada se inexistissem documentos comprobatórios do valor correto do salário do requerente”.

Por fim, argumenta que merece ser indenizado por danos morais, em razão do sofrimento por ele experimentado desde a sua prisão.

Apresenta cálculo da verba indenizatória de que supostamente seria titular no valor de R$ 7.699.983,20.

Requer a procedência do pedido, a fim de que seja determinado o pagamento dos valores que ele entende devidos.

A fls. 320-322, indeferi a medida liminar.

A União, na contestação de fls. 331-344, argui, preliminarmente, a prescrição da ação, em razão do disposto no art. 1º do Decreto-Lei 20.190/1932, uma vez que o direito a que o autor supostamente faria jus teve como fato jurígeno a Constituição de 1988. Assim, entende que “o prazo prescricional para o ajuizamento da demanda fundada no art. 9º do ADCT, cujo objeto é o reconhecimento de direitos e vantagens devidas àqueles cassados por motivos exclusivamente políticos – se encontra exaurido, uma vez que já superado, em muito, o quinquênio legal para tanto”.

Afirma, ainda, que o art. 9º do ADCT não se aplica ao caso, tendo em vista que o requerente não foi cassado ou teve seus direitos políticos suspensos.  Na verdade, explica que o impetrante foi exonerado do Banco do Brasil “a pedido”, ou seja, pediu demissão. Alega, ainda, inexistirem provas de que o autor sofreu punição imposta pelo Presidente da República.

Por outro lado, afirma que a lei 10.559/2002 não socorre o requerente, tendo em vista que ela tem por objetivo regulamentar o art. 8º do ADCT e não o referido art. 9º do ADCT.

Ademais, entende não ser possível afirmar que o ora requerente estaria exercendo o cargo de gerente de agência no Banco do Brasil, tendo em vista a natureza do provimento desse cargo, que depende de “inúmeras variáveis pessoais, profissionais e de conjuntura”.

Sustenta a impossibilidade de cumulação das anistias dos artigos 8º e 9º do ADCT e o não cabimento de danos morais no caso.

Requer a extinção do processo sem julgamento do mérito, em face do reconhecimento da prescrição e, no mérito, que sejam julgados improcedentes todos os pedidos do autor.

Em réplica, o requerente reitera os argumentos expendidos na petição inicial.

É o relatório.

Decido.

Acolho a preliminar de prescrição do direito de ação, nos termos do   art. 1º do Decreto-Lei 20.190/1932.

Com efeito, esta Corte firmou entendimento no sentido de que as ações fundadas no art. 9º do ADCT, como a presente, sujeitam-se ao prazo prescricional de cinco anos, contados da data da promulgação da Constituição Federal de 1988, ou seja, 05.10.1988.

Nesse sentido, confira-se a ementa do acórdão proferido na AOE 27, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 191, divulgado e, 04.10.2011:

 EMENTA: AÇÃO ORIGINÁRIA ESPECIAL. ART. 9º DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. ATO INSTITUCIONAL N. 5/1968. REFORMA DE CAPITÃO-TENENTE. PRESCRIÇÃO: ART. 1º DO DECRETO-LEI N. 20.910/1932. ART. 269, INC. IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO DA AÇÃO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

Colho do voto da ministra relatora, Cármen Lúcia, trecho que retrata o entendimento firmado pela Corte, já no julgamento da AOE 17, rel. Min. Marco Aurélio:

Tanto é o caso de acatamento da prescrição, que o prazo prescricional do art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/1932 serviu de fundamento para o conhecimento da Ação Originária Especial n. 17, Relator o Ministro Marco Aurélio, na qual também se pleiteava direito fundamentado no art. 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

PRESCRIÇÃO CITAÇÃO. A demora na citação da ré, uma vez estranha à postura exigível do autor, não prejudica a interrupção da prescrição precedentes: Revistas Trimestrais de Jurisprudência nºs 81/287, 81/990, 91/1174, 102/445 e 111/1116.

ANISTIA VANTAGENS INTERROMPIDAS VÍCIO GRAVE ÔNUS DA PROVA. O direito à reparação, consideradas as vantagens interrompidas pelos atos punitivos, não prescinde da comprovação pelo autor do vício grave de que cogita a parte final do artigo 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (DJ 25.05.2001).

Naquele julgado, este Supremo Tribunal concluiu que, como a ação foi proposta um dia antes do fim do prazo de cinco anos estabelecido no Decreto-Lei n. 20.910/1932, não caberia falar em prescrição da ação. A ré foi citada em data posterior em decorrência de atraso do Poder Judiciário, não podendo o autor ser prejudicado.

É o que se lê no voto do Ministro Relator:

Quanto às preliminares, bem ressaltou a Procuradoria-Geral da República:

'(...)

Com relação a alegada ocorrência de prescrição, verifico que a ação foi ajuizada no dia 4 de outubro de 1993 (folha 2), ordenada a citação no dia 13 de outubro de 1993 (folha 25), tendo sido citada a União em 3 de novembro de 1993 (folha 260-verso).

É entendimento de nossos Tribunais o de que, proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição da prescrição (Súmula 78 do extinto TFR).

Também o de que, 'não sendo imputável ao Autor a demora na citação, não pode ser ele prejudicado' (RTJ's 81/287, 81/990, 91/1174, 102/445 e 111/1116). com muito maior razão, no presente caso, em que a citação ocorreu menos de um mês da data do ajuizamento '

Observe-se que o ajuizamento daquela ação se dera um dia antes de completarem-se cinco anos da promulgação do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, do qual consta o art. 9º, fundamento da presente ação.  

A presente ação originária especial, repito, fundada no art. 9º do ADCT, somente foi ajuizada em 10.02.2010, ou seja, mais de vinte anos após a promulgação da Constituição de 1988, quando em muito exaurido o prazo prescricional do art. 1º do Decreto-Lei 20.190/1932.

Portanto, tendo em vista a ocorrência da prescrição, desde 06 de outubro de 1993, e com fundamento nos artigos 329 e 269, IV do Código de Processo Civil, julgo extinta a ação com julgamento do mérito.

Publique-se.

Arquive-se.

Brasília, 10 de maio de 2012.

Ministro JOAQUIM BARBOSA

Relator

 
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