O ministro Marco Aurélio, do STF, concedeu liminar em MS impetrado pelo TJ/SP contra resolução do CNJ que exige o recolhimento das contribuições previdenciárias e assistenciais de responsabilidade patronal em função do pagamento de precatórios.
A resolução 115/10 do CNJ regulamenta aspectos procedimentais da EC 62/09, que institui regime especial para pagamento de precatórios. O artigo 32, inciso II da resolução determina que cabe aos TJs, ao efetivar o pagamento do precatório, providenciarem, "diretamente ou mediante repasse da verba aos Tribunais Regionais Federais e do Trabalho", o recolhimento das contribuições.
Segundo a inicial, com base na Resolução 115, a Fazenda do Estado de SP solicitou que o Tribunal paulista assegurasse a retenção e o pagamento dos créditos previdenciários com a utilização de recursos destinados à quitação dos precatórios. O pedido foi negado, sob o fundamento de que a parcela previdenciária de responsabilidade patronal não está inclusa nas contas de liquidação e, por isso, não poderia ser contemplada.
O TJ/SP questiona decisão do CNJ que, em pedido de esclarecimento, concluiu pela retenção da cota-parte patronal mesmo nos casos em que não esteja discriminada na liquidação.
Na decisão monocrática, o ministro Marco Aurélio observa que não há norma que contemple a inclusão, nas sentenças condenatórias, das contribuições previdenciárias dirigidas aos estados da Federação. Além disso, o artigo 100 da CF/88 prevê que o precatório deve corresponder ao valor reconhecido na sentença transitada em julgado, e quantias alusivas a terceiros, como autarquias previdenciárias, serão objeto de requisição se constarem no título a ser executado.
O advogado Marcelo Gatti Reis Lobo representou o Tribunal bandeirante na ação.
-
Processo relacionado: MS 31281
Veja abaixo a íntegra da decisão.
_______
DECISÃO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – RESOLUÇÃO Nº 115/2010 – RETENÇÃO E REPASSE DA CONTRIBUIÇÃO PATRONAL – LIMITES DA COISA JULGADA – INVIABILIDADE – LIMINAR DEFERIDA.
1. A Assessoria prestou as seguintes informações:
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo impugna ato praticado pelo Presidente do Conselho Nacional de Justiça consistente na exigência, contida no artigo 32, inciso II, da Resolução nº 115, de 29 de junho de 2010, de recolhimento das contribuições previdenciárias e assistenciais de responsabilidade patronal devidas aos institutos de previdência e assistência beneficiários, em função do pagamento do precatório, a ser empreendido pelos tribunais.
Segundo narra, o Conselho Nacional de Justiça, a pretexto de regulamentar aspectos procedimentais referentes à Emenda Constitucional nº 62/2009, editou a Resolução nº 115, de 29 de junho de 2010, a versar sobre a gestão de precatórios no âmbito do Poder Judiciário. Entre as diversas normas veiculadas no ato, consta a seguinte:
[...]
Art. 32. Efetivado o pagamento de precatório, com observância das hipóteses, prazos e obrigações previstos na legislação aplicável, o Tribunal de Justiça local providenciará, diretamente ou mediante repasse da verba aos Tribunais Regionais Federais e do Trabalho, quando for o caso:
[...]
II - recolhimento das contribuições previdenciárias e assistenciais de responsabilidade patronal devidas em função do pagamento, aos institutos de previdência e assistência beneficiários;
[...]
Consoante esclarece, com base nessa norma, a Fazenda do Estado de São Paulo formalizou representação dirigida à Presidência do Tribunal objetivando assegurar a retenção e pagamento dos créditos previdenciários com a utilização de recursos destinados à quitação de precatórios. Em sequência, aduz haver o Desembargador titular da coordenadoria do departamento de precatórios do Tribunal negado tal pedido, sob fundamento de que a parcela previdenciária de responsabilidade patronal não está inclusa nas contas de liquidação e, por isso, não poderia ser contemplada.
Em decorrência de tal questionamento, informa ter apresentado consulta ao Conselho Nacional de Justiça, que concluiu pela retenção e pagamento da cota-parte patronal mesmo nos casos em que não haja discriminação dos respectivos valores nas contas de liquidação, conforme decisão monocrática proferida pelo Conselheiro Ney José de Freitas em 21 de outubro de 2011. Alude à interposição de recurso ao Plenário, que assentou a improcedência do pleito em 28 de fevereiro de 2012.
Argumenta ser ilegal e inconstitucional a decisão do Conselho Nacional de Justiça em que se determinou a retenção de contribuições devidas por entes públicos sobre o valor destinado à satisfação de precatórios, porque tais quantias hão de ser repassadas pelo ente pagador diretamente às entidades assistenciais e previdenciárias beneficiadas. Logo, tal valor nunca se inclui nas condenações judiciais, porquanto não são entregues ao credor, que sequer teria legitimidade para postulá-las em juízo. Segundo diz, ao atribuir-se ao Tribunal de Justiça o pagamento de contribuição previdenciária que não é de responsabilidade dele, e tampouco está prevista no orçamento ou nos recursos que lhes são constitucionalmente assegurados, viola-se o princípio da legalidade. Assevera que a interpretação olvida a independência administrativa e orçamentária do Poder Judiciário, estampada nos artigos 2º e 99 da Carta Federal.
Diz que a remissão ao artigo 2º da Resolução nº 115/2010 do Conselho, no que permite aos Tribunais fiscalizar o cumprimento das obrigações constitucionais, legais e regulamentares por parte das entidades de direito público devedoras, tampouco seria fundamento suficiente para a imposição de tal ônus. O que se tem, esclarece, é execução sem título.
Articula com vulneração ao artigo 100 da Carta da República. Consoante tal dispositivo, o precatório corresponderá ao crédito reconhecido em sentença condenatória cujo objeto seja pagamento de quantia certa. Assevera que a moratória prevista no artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 62/2009, não modificou tal panorama.
Sob o ângulo do risco, alude à obrigatoriedade de utilização de recursos destinados ao pagamento de credores judiciais para o custeio da contribuição patronal devida pelos entes públicos, normalmente fixada em 11%, o que terá o condão de ampliar o tempo para o recebimento e a consequente efetivação das decisões judiciais com trânsito em julgado.
Pede o deferimento de liminar visando suspender os efeitos do artigo 32, inciso II, da Resolução nº 115 do Conselho Nacional de Justiça, bem como do ato administrativo impugnado, para afastar-se a exigência de destaque e recolhimento da contribuição patronal incidente sobre os precatórios pagos pelas entidades públicas. No mérito, requer a concessão da segurança, nos mesmos termos da liminar.
O processo encontra-se concluso para apreciação do pedido de medida acauteladora.
2. O ato impugnado é o acórdão mediante o qual o Conselho Nacional de Justiça assentou improcedente o pedido de esclarecimentos formulado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a respeito do modo de cumprimento do artigo 32, inciso II, da Resolução nº 115 do próprio Conselho, especificamente quando os depósitos realizados mês a mês não são suficientes para saldar os acréscimos da mora e os valores devidos à previdência patronal. Saliente-se que o denominado “pedido de esclarecimentos” apresentou novos fundamentos em relação ao pleito inicial, analisado monocraticamente pelo relator. Mostra-se cabível, então, a impetração, havendo sido observado o prazo decadencial, ante o fato de a decisão impugnada ter vindo à balha em fevereiro de 2012.
O artigo 195 da Carta da República preconiza que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, prevendo, para tanto, a contribuição de trabalhadores e empregadores ou a eles equiparados. É certo que as condenações judiciais por vezes incluem os débitos que se destinam ao custeio da seguridade, consoante preceituam os artigos 876, parágrafo único, e 879, § 1º-B, da Consolidação das Leis do Trabalho, com redação atribuída pela Lei nº 11.457/2007. Isso, porém, não leva a presumir que as contas de liquidação sempre vão versá-las, em especial porque não há norma idêntica a contemplar as contribuições previdenciárias dirigidas aos estados da Federação e também porquanto o próprio artigo 879, § 5º, do mencionado diploma dispensa as manifestações da Advocacia-Geral da União nos casos em que houver autorização do Ministro de Estado da Fazenda. A par desse aspecto, sempre existe a possibilidade de ocorrência de erro de cálculo ou de inobservância da legislação referida.
Cabe ressaltar que o artigo 100, cabeça e § 5º, da Carta Federal revela que o precatório há de corresponder ao valor reconhecido como devido pela Fazenda Pública em virtude de sentença judicial condenatória com trânsito em julgado. A toda evidência, quantias alusivas a terceiros, como autarquias previdenciárias, se constarem no título exequendo, serão igualmente objeto de requisição. O que não se pode admitir é a criação de nova hipótese de responsabilidade tributária, imputável ao credor, para os casos em que as verbas não estiverem estampadas no título.
Essa interpretação afronta os limites subjetivos e objetivos da coisa julgada, implicando verdadeira execução sem título ou responsabilidade sem a respectiva previsão legal – exigida pelo artigo 128 do Código Tributário Nacional. A um só tempo, pune-se duas vezes o credor do débito judicial. Primeiro, em razão da espera. Segundo, por dividir o crédito com as instituições oficiais de seguridade social.
Mais grave ainda é entender que a responsabilidade recai sobre o Tribunal de Justiça estadual. O agasalho dessa óptica resultaria em violação à autonomia financeira e orçamentária do impetrante, que não pode ser garantidor de verbas devidas por terceiros e para terceiros.
Alfim, a alegação de caber ao Tribunal de Justiça fiscalizar os pagamentos efetuados pela Fazenda estadual encontra limites no princípio da separação de Poderes e na exigência do devido processo legal para que seja possível a expropriação forçada.
3. Defiro a medida acauteladora para afastar a incidência do artigo 32, inciso II, da Resolução nº 115, de 29 de junho de 2000, no que determina a retenção e o repasse das contribuições previdenciárias patronais incidentes sobre os precatórios satisfeitos, se a verba não constou dos cálculos de execução.
4. Solicitem informações ao Conselho Nacional de Justiça.
5. Vindo ao processo a manifestação, colham o parecer da Procuradoria Geral da República.
6. Publiquem.
Brasília, 4 de maio de 2012.
Ministro MARCO AURÉLIO
Relator