Migalhas Quentes

Casal de Ribeirão Preto tem união estável homoafetiva convertida em casamento

Para juiz, decisões devem seguir interpretação consolidada pelo STF.

23/4/2012

A 7ª vara Cível de Ribeirão Preto/SP converteu em casamento união estável homoafetiva de casal do sexo masculino. Os requerentes instruíram o pedido com atestado de duas testemunhas e anexo de declaração por escritura pública de união estável.

De acordo com o juiz Thomaz Carvalhaes Ferreira, com base em decisão do STF, o reconhecimento da união estável homoafetiva deve seguir o mesmo regramento e as consequências dos casos heteroafetivos. Para ele, "aos órgãos judicantes hierarquicamente inferiores descabe desviar da interpretação máxima consolidada pelo E. STF, com força vinculante".

Ferreira afirma que, "enquanto o Poder Legislativo não cumpre a obrigação de regulamentar o reconhecimento da união estável homoafetiva para casais do mesmo sexo, cabe ao Judiciário preencher a lacuna com a aplicação da força vinculante da decisão do STF na ADIn 4.277 e o emprego dos princípios constitucionais de proteção aos interessados, facilitando a conversão em casamento".

O MP/SP deu parecer favorável ao pedido. O promotor Ronaldo Batista Pinto destacou a decisão do Supremo acerca do tema e acrescentou que não se pode ignorar a "tutela ao principio da igualdade e sobretudo do principio da não discriminação (...)".

O casal foi representado pela advogada Luciane Borsato Miguel, do escritório Miguel Advogados.

Leia a íntegra da decisão.

__________

VISTOS.

I - RELATÓRIO.

A.A.S.F. e W.G.A., qualificados no memorial inicial (fIs. 02), requereram autorização de habilitação para conversão de união estável em casamento, pelos trâmites legais, apresentando a documentação exigida perante o Oficial de Registro Civil competente.

Publicados os proclamas, decorrido o prazo para impugnações e obtido parecer favorável do Ministério Público, considerando a inexistência de legislação específica amparando a pretensão dos requerentes, bem como a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn nº 4.277, o pedido veio submetido à apreciação judicial.

II- FUNDAMENTAÇÃO.

Os requerentes são do sexo masculino e instruíram o pedido com atestado de duas testemunhas afirmando que mantêm entre si união estável sem impedimento ao casamento (fIs. 08).

Foi anexada declaração por escritura pública de união estável com o objetivo de constituir família, por convivência pública, contínua e duradoura (fIs. 09).

A Constituição Federal estabelece o seguinte:

Art. 226 - A familia, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

Parágrafo terceiro - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária realizada em 05/0512011, por unanimidade, ao conhecer da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 132) como Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.277), julgando-a procedente, com efeitos contra todos vinculantes, deu interpretação conforme a Constituição ao artigo 1.723 do Código Civil, excluindo de tal dispositivo qualquer significado impeditivo ao reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, considerada sinônimo perfeito de família.

Segundo a decisão histórica do E. STF o reconhecimento, doravante, deve seguir o mesmo regramento e as consequências da união estável heteroafetiva.

Assim, em tese desapareceram as diferenças entre uniões estáveis de homossexuais e heterossexuais para fins de constituição de entidade familiar.

A competência originária da Corte Suprema para a aludida interpretação advém da Constituição Federal:

Art. 102 - Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e Julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Alínea com redação dada pela Emenda Constitucional n° 3, de 17.03.1993);

(...)

Parágrafo segundo - As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Parágrafo com redação dada pela Emenda Constitucional no 45, de 08.12.2004 - DOU 31.12.2004).

Aos órgãos judicantes hierarquicamente inferiores descabe desviar da interpretação máxima consolidada pelo E. STF, com força vinculante.

O Código Civil, no dispositivo legal sob exame, passa a ter nova leitura, suprimindo-se a restrição de reconhecimento de união estável somente entre pessoas de sexos distintos:

Art. 1723 - É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Resta definir agora sobre a Possibilidade jurídica de conversão da união estável entre pessoas de mesmo sexo em casamento, o que não foi expressamente decidido pelo E. STF e vem gerando interpretações divergentes.

O pedido não possui previsão legal específica.

Nem por isso o juiz pode deixar de decidir acerca do requerjmen0 de conversão alegando lacuna legislativa.

Colhe-se da Lei de Introdução ao Código Civil:

Art. 4 - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os Costumes e os princípios gerais de direito.

E do Código de Processo Civil:

Art. 126 - 0 juiz não se exime de sentenciar OU despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

O Código Civil permite a conversão da união estável em casamento (art. 1.726).

Considerando-se que o E. STF excluiu a restrição sexual como obstáculo ao reconhecimento da união estável com a finalidade de formação de entidade familiar equiparável à familia, base da sociedade, que guarda especial proteção do Estado, cuja lei, por sua vez omissa, tem o dever de facilitar aquela conversão em casamento, cabe ao Judiciário suprir a lacuna legal mediante a aplicação dos princípios que norteiam o instituto civil sob análise.

A doutrina de Maria Berenice Dias e relevante sobre a questão controvertida: “se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em um verdadeiro convívio estável caracterizado pelo amor e pelo respeito mútuo, com o objetivo de construir um lar, tal vínculo, independentemente do sexo de seus participantes, gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da lei’ (União Homossexual - 0 Preconceito, & a Justiça. Ed. Livraria do Advogado, 2000, pág. 77) — fonte Jurid PREMIUM — destaquei.

A Constituição Federal resguarda a todos, sem distinção de qualquer espécie, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1°, Inciso Ill), ao lado do qual está previsto outro, de não menos relevância, que é o da isonomia entre homens e mulheres, sem diferenciação por motivo de opção sexual (art. 5°, I).

Essa orientação, inclusive, foi reforçada no Voto proferido pelo eminente Ministro Luiz Fux, quando do julgamento da mencionada ADI, cujo trecho de sua ementa veio assim redigido: “... 4. A união homoafetiva se enquadra no conceito constitucionalmente adequado de família. 5. O art. 226, §3°, da Constituição, deve ser interpretado em conjunto com os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana - em sua vertente da proteção da autonomia individual — e da segurança jurídica, de modo a conferir guarida às uniões homoafetivas nos mesmos termos que a confere às uniões estáveis heterossexuais”.

Em conclusão, enquanto o Poder Legislativo não cumpre a obrigação de regulamentar o reconhecimento da união estável homoafetiva para casais do mesmo sexo, cabe ao Judiciário preencher a lacuna com a aplicação da força vinculante da decisão do E. STF na ADI 4.277 e o emprego dos princípios constitucionais de proteção aos interessados, facilitando a conversão em casamento.

III - DECISÃO.

Ante o exposto, HOMOLOGO a habilitação dos requerentes para conversão da união estável em casamento, mantendo-se inalterados os nomes.

O regime adotado escolhido é o da comunhão universal de bens (art. 1.725, CC) (fIs. 12/13).

Registre-se.

Após o trânsito em julgado, arquive-se.

Ciência ao MP.

P.R.I.C.

Ribeirão Preto, 16 de março de 2012.

THOMAZ CARVALHAES FERREIRA

Juiz de Direito

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