Migalhas Quentes

Aumento injustificável de preço de combustível é prática comercial abusiva

Posto havia aumentado o litro da gasolina em dez centavos às vésperas do feriado da Páscoa de 2004.

8/3/2012

A 12ª câmara Cível do TJ/RS manteve condenação de posto de combustível e de seus sócios por abuso na fixação do preço do combustível. No entendimento dos desembargadores, foi injustificado o aumento de dez centavos no litro da gasolina às vésperas do feriado de Páscoa de 2004.

Os réus alegaram não ter sido ultrapassada a margem de 20% de lucro líquido que é permitida pela lei da Economia Popular (1.521/51). Afirmaram que os preços e as margens de lucro que foram praticados são compatíveis com o mercado, com o regime de concorrência e com a carga tributária incidente sobre combustíveis. Por fim, os sócios alegaram que a personalidade jurídica da empresa ré não poderia ser desconsiderada e, portanto, eles não poderiam ter sido condenados.

O desembargador Mário Crespo Brum, relator da apelação, salientou que não foi trazida qualquer prova de eventual elevação do custo operacional a justificar o aumento no preço. Dessa forma, concluiu-se que o aumento do lucro praticado foi arbitrário, evidenciando a abusividade perpetrada contra os consumidores.

A respeito da alegação dos sócios, o magistrado enfatizou que o CDC admite a desconsideração da personalidade jurídica que cometer abuso de direito ou excesso de poder, como no caso presente. Sublinhou ainda que, como a empresa encerrou suas atividades em 2007, condenar também os sócios é medida ainda mais necessária para que seja garantido o ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores.

Veja a íntegra da decisão.

____________

APELAÇÃO CÍVEL Nº 70044399210

DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

COMARCA DE PORTO ALEGRE

APELANTE: TERRA VILLE COMERCIO DE COMBUSTIVEIS LTDA E OUTROS

APELADO: MINISTERIO PUBLICO

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. LEGITIMIDADE PASSIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO NA HIPÓTESE. AUMENTO INJUSTIFICADO DE PREÇO DE COMBUSTÍVEL. PRÁTICA COMERCIAL ABUSIVA.

1. Não há falar em cerceamento de defesa, pois, para a solução da controvérsia, desnecessária a produção de prova pericial ou oral, especialmente considerando a documentação acostada.

2. O Ministério Público, ao ajuizar a presente demanda, já possuía elementos quanto à prática de abuso de direito por parte da empresa demandada, as quais foram obtidas por meio do Inquérito Civil instaurado (n. 213/2004). Essa circunstância, por si só, viabiliza o direcionamento da demanda também aos sócios Nélio e Luciana (art. 28 do CDC).

3. Comprovada a elevação injustificada dos preços dos combustíveis, durante o feriado de Páscoa de 2004, resta evidenciada a prática comercial abusiva e infração à ordem econômica (artigos 20, III, e 21, XXIV, c/c seu parágrafo único, I e II, Lei nº 8.884/94) por parte da empresa ré, o que enseja a sua condenação ao pagamento de indenização pelos danos causados aos consumidores, nos termos da sentença.

4. Preenchidos os requisitos previstos no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, e, ainda, a fim de garantir o ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores, mostra-se adequada a desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré e a manutenção dos réus Nélio e Luciana, integrantes do quadro societário da empresa à época dos fatos, no polo passivo da demanda.

PRELIMINAR REJEITADA E AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELAÇÃO DESPROVIDA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar, desprover o agravo retido e negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK (PRESIDENTE E REVISOR) E DES.ª ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA REBOUT.

Porto Alegre, 13 de fevereiro de 2012.

DES. MÁRIO CRESPO BRUM,

Relator

RELATÓRIO

DES. MÁRIO CRESPO BRUM (RELATOR)

Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que, nos autos da ação coletiva movida pelo Ministério Público em face de Terra-Ville Comércio de Combustíveis Ltda., Luciana Maria Vicari e Nelion Moreira Vasques, julgou parcialmente extinto o processo e procedentes os pedidos iniciais remanescentes.

O dispositivo da decisão hostilizada foi assim redigido (fls. 676):

III – Por todo o exposto, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE EXTINTO O PROCESSO, sem resolução do mérito, em relação ao pedido elaborado nos itens “a” e “b” da petição inicial (fl. 31).

Outrossim, ex vi art. 269, I, ambos do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos remanescentes elaborados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em desfavor de TERRA VILLE COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS LTDA, LUCIANA MARIA VICARI e NELION MOREIRA VASQUES, extinguindo o restante da fase de conhecimento, com resolução do mérito, para:

a) condenar solidariamente os réus ao pagamento de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), corrigidos monetariamente pelo IGP-M a contar da publicação desta sentença e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação, que deverá ser revertido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (FECON) para o pagamento de perícias judiciais;

b) condenar solidariamente os demandados à repetição, em dobro, do indébito, em favor de cada consumidor lesado, no valor de R$ 0,20 por litro de gasolina comum adquirida no feriado de Páscoa de 2004, corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação;

c) determinar que, para ciência da presente decisão aos interessados, deverá a demandada publicar às suas expensas, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data em que não houver mais recurso dotado de efeito suspensivo, o inteiro teor da parte dispositiva da presente decisão em dois jornais de grande circulação estadual, na dimensão mínima de 20cm x 20cm e em cinco dias intercalados, sem exclusão da edição de domingo.

Os provimentos desta decisão poderão ser modificados, na forma do art. 461, §6º, do CPC, visando a efetividade da decisão.

Expeça-se edital nos termos do art. 94 do CDC.

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais. Incabível a condenação de honorários advocatícios ao Ministério Público.

A ré Terra Ville opôs embargos de declaração às fls. 678/689, os quais foram rejeitados (fl. 694).

Irresignada, apelou a parte ré. Em suas razões (fls. 697/732), postulou a apreciação do agravo retido interposto às fls. 645/656. Arguiu serem os réus Luciana e Nélio ilegítimos para litigarem no polo passivo da demanda, uma vez que não se encontram presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica da empresa Terra-Ville. Salientou não ter sido ultrapassada a margem de 20% de lucro líquido permitida pela Lei n. 1.521/51 (Lei da Economia Popular), artigo 4º, alínea ‘b’, não se configurando, pois, qualquer ilegalidade na hipótese (fl. 704). Destacou não ter sido responsável pela suposta prática abusiva apontada, pois, segundo afirmou, à época do fato, era a empresa antecessora (Posto de Combustíveis Ponta Grossa Ltda.) que conduzia as atividades no posto. Asseverou inexistir amparo legal para a fixação de percentual máximo de margem bruta de lucro em 14,1%, sobretudo porque, conforme sustentou, a “empresa opera com uma das menores margens brutas de toda a cidade” (fl. 705). Ressaltou não caber ao Ministério Público, tampouco ao Judiciário, determinar o que é preço excessivo, na medida em que os preços estão sujeitos ao regime de preços liberados. Aduziu que os preços e as margens de lucro praticados são compatíveis com o mercado, com o regime de concorrência e com a carga tributária incidente sobre combustíveis. Referiu que a abusividade no preço praticado pelo fornecedor não pode ser aferida pela interpretação única da margem do lucro bruto, devendo ser consideradas as despesas de comercialização, o que, enfatizou, não ocorreu no caso concreto, de modo que não se pode falar em prática de preços abusiva. Requereu o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões às fls. 737/747.

O Ministério Público proferiu parecer às fls. 750/751, opinando pela rejeição da preliminar e pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

VOTOS

DES. MÁRIO CRESPO BRUM (RELATOR)

A matéria devolvida versa sobre a suposta ocorrência de cerceamento de defesa, acerca da legitimidade dos réus Luciana Maria Vicari e Nelion Moreira Vasques para responder à demanda e sobre o alegado abuso na fixação do preço da gasolina durante o feriado de Páscoa em 2004.

Inicialmente, adianto que não merece provimento o agravo retido, o qual versa sobre a alegada ocorrência de cerceamento de defesa. Isso porque, para a solução da controvérsia, desnecessária a produção de prova pericial ou oral, especialmente considerando a documentação acostada.

De outra parte, no que se refere à preliminar de ilegitimidade passiva, melhor sorte não socorre a parte ré. O Ministério Público, ao ajuizar a presente demanda, já possuía elementos quanto à prática de abuso de direito por parte da empresa demandada, as quais foram obtidas por meio do Inquérito Civil instaurado (n. 213/2004). Essa circunstância, por si só, viabiliza o direcionamento da demanda também aos sócios Nélio e Luciana (art. 28 do CDC).

Dito isso, passo ao exame da questão de fundo da demanda.

Segundo narrado na inicial, a partir do Inquérito Civil n.º 213/2004, foi apurada abusividade na fixação do preço da gasolina comum durante o feriado de Páscoa de 2004 (07-11/abril), o que teria ensejado prejuízo aos consumidores em geral.

Processado o feito, sobreveio sentença que extinguiu parcialmente o feito, sem resolução do mérito, em relação aos pedidos contidos nos itens “a” e “b” da petição inicial, e julgou procedentes os pedidos remanescentes, motivo pelo qual a empresa ré interpôs o presente recurso de apelação.

Não merece provimento o apelo.

Isso porque os documentos acostados evidenciam que, injustificadamente, houve aumento do litro da gasolina comum de R$ 2,07, em 05.04.2004, para R$ 2,17 em 07/04/2004, quarta-feira, (dia anterior ao início do feriadão de Páscoa), tendo o valor sido reduzido para R$ 2,05 após o feriado, resultando no incremento da margem bruta de lucro da empresa apelante de 15,2% para 20,8% (fl. 101).

Cabe frisar que, no caso concreto, não há qualquer elemento comprobatório quanto à eventual elevação de custo operacional da empresa ré, ônus que lhe competia e do qual não se desincumbiu (artigo 333, II, do CPC).

Ora, consoante referido, a parte ré não logrou êxito em demonstrar o que teria motivado o aumento do preço do produto, seja por eventual aumento do custo dos respectivos insumos ou pelo comportamento excepcional do mercado financeiro, situação que constitui infração à ordem econômica, nos termos do que dispõem os artigos 20, III, e 21, XXIV, e parágrafo único, I e II, ambos da Lei nº 8.884/94 .

Dessa forma, conclui-se que o aumento do lucro praticado foi arbitrário, evidenciando a abusividade perpetrada contra os consumidores, conduta que afronta diretamente o disposto nos artigos 170, V, 173, §4º, da Constituição Federal , e no artigo 39, V e X, do Código de Defesa do Consumidor .

Esta Corte já se manifestou nesse sentido, consoante se depreende dos precedentes abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. ELEVAÇÃO DESMOTIVADA DE PREÇO DE COMBUSTÍVEL. PRÁTICA COMERCIAL ABUSIVA. INFRAÇÃO ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO E À ORDEM ECONÔMICA. SENTENÇA MANTIDA. 1. CERCEAMENTO DE DEFESA. Desnecessária a produção de prova técnica, em vista de outras já produzidas, mormente aquelas respeitantes ao inquérito civil promovido pelo Ministério Público e submetido ao crivo do contraditório. É o que se depreende da interpretação do artigo 420, parágrafo único, do CPC. 2. INÉPCIA DA INICIAL. As provas acostadas ao inquérito civil instaurado pelo Parquet para aferir a abusividade nos preços da gasolina comum praticados pelos postos de gasolina pertencentes à rede SERVACAR são suficientes a instruir a petição inicial da ação civil pública. Ademais, a exordial descreve minuciosamente em que consistiria a infração à ordem econômica praticada pelo demandado. 3. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. O autor delimitou adequadamente o mercado relevante na exordial, apontando preços praticados em postos da região metropolitana, totalmente diversos do praticado pelo ora recorrente. Além disso, inicial e sentença vêm fulcradas também no Código de Defesa do Consumidor, o qual descreve pormenorizadamente a prática abusiva praticada pela ora insurgente. 4. MÉRITO. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. Os autos demonstram que o requerido elevou os preços dos combustíveis, de forma abusiva, para aumentar a sua margem de lucro no período de feriado de páscoa de 2004, quando a margem bruta de lucro média dos investigados passou de 17,3% na segunda-feira para 20,4% na quarta-feira (um aumento na margem de lucro de 39% em apenas dois dias). Verba indenizatória destinada ao fundo de que trata o art. 13 da Lei n° 7.347/85 confirmada. Condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados aos consumidores, em geral, a ser apurada em liquidação e execução, na forma do art. 95 e 98 do CDC. Obrigação de publicar a parte dispositiva da sentença, após o trânsito em julgado, pelo período de 30 dias, em dois jornais de grande circulação e multa diária para o caso de descumprimento, mantidas. REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70015095847, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 11/04/2007)

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS. POSTO DE COMBUSTÍVEL. AUMENTO INJUSTIFICADO DA RENDA BRUTA. INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA. CONDENAÇÃO GENÉRICA. ART. 95 DO CDC. 1. LEGITIMIDADE ATIVA. Descrevendo a inicial que o requerido teria aumentado os preços dos combustíveis, de forma absolutamente abusiva, atingindo, com tal conduta contrária à lei, uma coletividade de consumidores, quer aqueles que efetivamente abasteceram no posto réu, como também aqueles que simplesmente se viram expostos a uma prática abusiva de mercado, é o Ministério Público parte legítima para a propositura da ação. Tutela de interesses transindividuais. Inteligência do art. 81, c/c o art. 82, I, ambos do CDC. 2. LEGITIMIDADE PASSIVA. Se o aumento no preço dos combustíveis, com o conseqüente aumento na margem de lucro, é fato imputado ao réu, então é o mesmo parte legítima a responder a presente ação. 3. PRÁTICA ABUSIVA. INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA. Tendo o requerido procedido ao aumento do preço da gasolina no feriado da Páscoa de 2004, sem que nenhum fator econômico assim justificasse, motivado unicamente pelo aumento arbitrário na margem de lucro, resta caracterizada a conduta abusiva do posto de combustíveis demandado, além de infração à ordem econômica, nos termos do art. 20, inciso III, e do art. 21, inciso XXIV e parágrafo único, ambos da lei 8.884/94. 4. CONDENAÇÃO GENÉRICA. Caracterizado o ilícito, possui o réu o dever de reparar os danos acarretados aos consumidores que, no período noticiado nos autos, pagaram pela gasolina o preço praticado em desacordo com as normas de mercado. As vítimas, embora não nominadas nesta ação, já que assim faculta a lei, serão individualizadas em sede de liquidação. Apelo improvido. (Apelação Cível Nº 70016701831, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 21/12/2006)

Consigno, ainda, que não merece acolhimento a tese defensiva quanto à ausência de responsabilidade pela prática dos atos em análise, pois o contrato social acostado às fls. fls. 200/203 esclarece que a empresa TERRA VILLE foi constituída em 29/09/2003, com sede estabelecida à Av. Juca Batista, 7355, nesta Capital, e cadastrada junto à Secretaria da Fazenda do Estado em 20/11/2003. Conclui-se, a partir dessas informações, que já operava na comercialização de combustíveis no período em discussão (feriado de Páscoa de 2004).

Assim sendo, não merece reforma a sentença, que julgou parcialmente extinto o processo e procedentes os pedidos iniciais remanescentes, nos seguintes termos:

O provimento jurisdicional, todavia, não se encerra por reconhecer a infração à ordem econômica e o reajuste abusivo dos preços do combustível. Por conta da violação dos deveres mencionados anteriormente, cabível a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados aos consumidores difusamente considerados, que reverterá ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (FECON) para o pagamento de perícias judiciais.

O ressarcimento, como é evidente, pressupõe dano. O consumidor, para obter tutela ressarcitória, deve demonstrar o dano e a relação de causalidade entre esse e o defeito do produto ou do serviço, ou ainda que o dano é proveniente de informações insuficientes ou inadequadas sobre a fruição e o risco do produto ou do serviço. Mas a responsabilização, nesse caso, dispensa a culpa. É que a culpa, que em regra constitui critério para a imputação da sanção ressarcitória, foi expressamente dispensada pelo CDC (arts. 12 e 14)1.

In casu, e como já referido, o dano consistiu na infração da ordem econômica, quebra da boa-fé e na prática de preços abusivos ao consumidor. O nexo de causalidade, outrossim, revela-se evidente, pois entre a conduta da requerida e o dano retromencionado há uma relação de causa e efeito. Por conta disso, os danos individualmente causados deverá ser reparado, em dobro, e consistirá na devolução dos valores adimplidos pelos consumidores equivalente a R$ 0,20 por litro de gasolina comum adquirida, corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar do desembolso e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação.

Diante da dificuldade na mensuração da indenização, no aspecto coletivo, opto por arbitrar um valor para a reparação ao invés de fazer o processo seguir o caminho da liquidação da sentença, o que só serviria para retardar a prestação jurisdicional. Outrossim, é inegável que praticamente nenhum consumidor buscará os demandados para a reparação do prejuízo suportado em data já longínqua. Muitos sequer lembram se abasteceram e onde abasteceram seus carros naquele ano. E mesmo que algum consumidor de boa memória lembre disso, dificilmente guardará consigo o comprovante de pagamento. E, mesmo munido do comprovante, o baixo valor da reparação individual acabará por afastar qualquer interesse em pleitear a devolução do dinheiro. O quantum, aqui fixado, deverá considerar tal cenário.

Assim, diante das circunstâncias do caso e da capacidade econômica do ofensor, que embora possua um capital social diminuto realiza uma atividade comercial altamente rentável, fixo a indenização no valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar da publicação desta sentença e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação.

Por fim, quando à desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré, melhor sorte não socorre a apelante.

O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor admite a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade que, em detrimento do consumidor, cometer abuso de direito ou excesso de poder, hipótese verificada no caso em análise, conforme explicitado acima.

Não bastasse isso, o fato de a empresa ter encerrado as suas atividades em 2007 (informação extraída do sítio eletrônico da Secretaria da Fazenda do Estado) reforça a necessidade de manutenção da decisão quanto à desconsideração da personalidade jurídica da requerida e consequente manutenção de Luciana Maria Vicari e de Nelion Moreira Vasques, então integrantes do quadro societário da ré, no polo passivo da demanda, a fim de garantir o ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores (CDC, art. 28, §5º).

Sobre o tema, cito o seguinte excerto da lição de Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem acerca do artigo referido :

“É o princípio da confiança, instituído pelo CDC, garantindo não só a qualidade dos produtos colocados no mercado, mas assegurando também, como dispõe o art. 6º, VI, a efetiva reparação dos danos sofridos pelos consumidores, mesmo que, para isto, casuisticamente, se deva desconsiderar um dos maiores dogmas do direito comercial e civil.”

A Jurisprudência deste Tribunal também acompanha esse posicionamento:

EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INTELIGÊNCIA DO § 5º DO ART. 28 DO CDC. Diante de forte conjunto probatório a indicar a utilização da autonomia jurídica da sociedade para lesar e fraudar a terceiros, além da inexistência de bens móveis e de numerários em conta bancária, imperativa é a desconsideração da personalidade jurídica para garantir a satisfação do crédito do exequente. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.. (Agravo de Instrumento Nº 70037065620, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 21/09/2010)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA. EXISTÊNCIA DE DIVERSAS AÇÕES INDIVIDUAIS. INOCORRÊNCIA. Na forma do artigo 104, CDC, a propositura de ação coletiva não induz litispendência relativamente às ações individuais, inexistente, ainda, identidade de partes e de objeto entre as demandas. EMPRESA DE INCORPORAÇÃO E CONSTRUÇÃO CIVIL. RECEBIMENTO DE VALORES E NÃO ENTREGA DAS OBRAS AOS CONSUMIDORES. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO PERANTE O CREA E DE PROFISSIONAL HABILITADO RESPONSÁVEL. IMPROPRIEDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CABIMENTO. Estando demonstrados inúmeros casos de percepção de valores pela empresa, sem que tenha procedido à entrega das obras aos consumidores, a par da inexistência de registro perante o CREA e de profissional habilitado responsável pelos trabalhos, revela-se evidente a impropriedade dos serviços prestados, nos termos do artigo 20, § 2.º, CDC, cabível, ainda, a desconsideração da personalidade jurídica, ante o evidente desvio de finalidade, nos termos do artigo 50 do CC/02, e como forma de não obstaculizar a integral reparação dos danos causados – artigo 28, § 5.º, CDC. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70035230465, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 28/04/2010)

Diante do exposto, voto no sentido de rejeitar a preliminar, desprover o agravo retido e negar provimento à apelação.

DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA REBOUT - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK - Presidente - Apelação Cível nº 70044399210, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR, DESPROVERAM O AGRAVO RETIDO E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO."

Julgador(a) de 1º Grau: LAURA DE BORBA MACIEL FLECK

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