Migalhas Quentes

Inclusão equivocada de número de telefone em lista telefônica gera indenização

Dever de indenizar da ré tem origem na denominada "teoria do risco".

27/2/2012

Danos morais

Inclusão equivocada de número de telefone em lista telefônica gera indenização

A 4ª câmara de Direito Privado do TJ/SP manteve decisão da 6ª vara Cível de Piracicaba para condenar a Telelistas a pagar indenização a uma mulher por ter fornecido seu número de telefone como sendo o da delegacia da Receita Federal. A indenização por danos morais foi fixada em R$ 5.500.

A empresa alegava que a responsabilidade pela informação dos cadastros telefônicos era das empresas de telefonia, pois apenas divulgava os dados.

De acordo com o voto do desembargador Milton Carvalho, relator do recurso, o dever de indenizar da empresa tem origem na denominada "teoria do risco". "A informação incorreta divulgada pela ré está diretamente relacionada à sua atividade e com o risco por esta assumido, sendo, portanto, impossível excluir sua responsabilidade", afirmou o relator.

Veja a íntegra da decisão.

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Registro: 2012.0000059537

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0003206-81.2010.8.26.0451, da Comarca de Piracicaba, em que é apelante/apelado TELELISTAS LTDA sendo apelado/apelante C.R.R.M. (JUSTIÇA GRATUITA) e Apelado GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA (Presidente) e FÁBIO QUADROS.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2012.

MILTON CARVALHO

RELATOR

Voto n. 2416.

Apelação cível n° 0003206-81.2010.8.26.0451.

Comarca: Piracicaba.

Apelantes e reciprocamente apelados: Telelistas Ltda. e C.R.R.M.

Juiz prolator da sentença: Rogério Sartori Astolphi.

CONSUMIDOR - Fato do produto e do serviço Art. 14 do CDC - Ré Telelistas Ltda. que forneceu número de telefone da autora como sendo o da Delegacia da Receita Federal - Culpa exclusiva de terceiro que fornece as informações cadastrais - Não configuração - Teoria do risco do empreendimento - Defeito do serviço que está estritamente ligado à atividade desenvolvida - Ademais, responsabilidade solidária em cadeia que impõe o dever de indenizar - Prejuízo experimentado - Dano moral in re ipsa - Configuração na hipótese - Valor fixado que se afigura adequado - Recursos desprovidos.

Trata-se de ação de obrigação de fazer, cumulada com pedido de indenização por danos morais, decorrentes da inclusão equivocada do número de telefone da autora como sendo o da Delegacia da Receita Federal, julgada parcialmente procedente pela respeitável sentença, cujo relatório se adota, para o fim de condenar a ré no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.500,00.

Inconformada, apela a ré sustentando que atendeu prontamente ao pedido administrativo de remoção; que a responsabilidade pela informação dos cadastros telefônicos é das empresas de telefonia e que a ré somente as divulga, o que configura excludente de responsabilidade. Ademais, afirma que se tratou de mero dissabor e que não há prova da existência de danos. Subsidiariamente, pleiteia sejam estes reduzidos.

Apela adesivamente a autora, pleiteando a majoração do montante indenizatório para o patamar indicado na inicial.

Houve resposta ao recurso da ré.

É o que importa ser relatado.

Os apelos não comportam acolhimento.

A respeitável sentença deu correta solução à lide e, por isso, é de ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Primeiramente, cumpre observar que a matéria deve ser analisada à luz da legislação consumerista, nos termos do art. 2º cumulado com o art. 17 do CDC, não divergindo a ré neste ponto.

Assim, sendo desta natureza a relação entre as partes, o fornecedor tem a obrigação de assegurar a boa execução dos serviços e produtos, colocando-os à disposição do mercado em perfeitas condições de uso e fruição, o que não ocorreu no caso em exame.

De fato, na hipótese, restou incontroverso que foi veiculado equivocadamente o número do telefone da autora no cadastro da Delegacia da Receita Federal de Piracicaba, conforme destacado na respeitável sentença, que assim acertadamente reconheceu a responsabilidade civil da ré por tal fato:

4) Incontroversa a divulgação do número telefônico da autora como sendo o do escritório da Receita Federal em Piracicaba.

4.1) Anote-se que o fato de haver dispositivo legal que permita ao assinante o direito de não figurar em lista telefônica (art. 213, § 2º, da Lei 9.472/97) é irrelevante à situação dos autos, pois, repita-se, constou o número do terminal telefônico da autora como sendo o titularidade da Receita Federal em Piracicaba.

4.2) Destarte, evidente a má prestação do serviço por parte da corré TELELISTAS, passível de indenização pelo dano in re ipsa, na medida em que não houve a necessária conferência da regularidade da inserção do número do escritório da Receita Federal em Piracicaba, seu “encargo” comercial, sendo o caso de “responsabilidade objetiva”, disciplinada na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, c.c. art. 7º, do Código de Defesa do Consumidor, isto é, “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (fls. 232) (realces não originais).

É dizer, o dever de indenizar da ré tem origem na denominada “teoria do risco” ou “teoria do empreendimento”, sobretudo, porque somente ela obtém vantagem econômica com o serviço.

Segundo ensina SERGIO CAVALIERI FILHO:

Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços, independentemente de culpa.

Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos.

O consumidor não pode assumir os riscos das relações de consumo, não pode arcar sozinho com os prejuízos decorrentes dos acidentes de consumo, ou ficar sem indenização (Programa de Responsabilidade Civil, 7ª Edição, Atlas, 2007, págs. 459/460) (realces não originais).

Ademais, não assiste razão à ré ao alegar culpa exclusiva de terceiro, excludente de responsabilidade prevista no § 3º, inciso II, do art. 14 do CDC, sob o argumento de que somente divulga os telefones de acordo com as informações transmitidas pelas empresas de telefonia.

Com efeito, é relevante ressaltar, novamente, que a informação incorreta divulgada pela ré está diretamente relacionada à sua atividade e com o risco por esta assumido, sendo, portanto, impossível excluir a sua responsabilidade.

Ademais, considerando a responsabilidade solidária da cadeia de fornecedores, da qual inequivocamente faz parte a ré, conforme imposição do art. 14 do CDC, impõe-se seu dever de indenizar.

De outra parte, não afasta a responsabilidade da ré o fato de ter atendido prontamente ao pedido administrativo de retificação da informação incorreta do cadastro, ainda que seja relevante tal elemento no momento da fixação da indenização.

E não há como se negar também que a autora experimentou prejuízos, conforme bem destacado na respeitável sentença: padeceu prejuízos na sua atividade de “salgadeira”, na medida em que o contato com sua clientela se dá, primordialmente, por meio telefônico, ao passo que a hipótese de troca do número da linha implicaria em prejuízos da mesma ordem, restando, portanto, evidente o dano moral que padeceu.

O prejuízo moral está comprovado, portanto, in re ipsa, ou seja, por força dos fatos verificados. Vale frisar, o dano está vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos.

Além disso, a verba indenizatória é devida não somente pelos prejuízos sofridos pela autora, que teve prejudicado, inclusive, o exercício de sua profissão, mas também porque a referida indenização possui caráter punitivo-educativo aplicável no caso.

Assim, forçoso reconhecer a violação da norma contida no art. 14 do CDC, sendo de rigor a condenação da ré, conforme bem estabelecido na fundamentada sentença atacada, com a finalidade de reparar o dano e desestimular a reiteração da conduta.

Desta maneira, verificado o prejuízo experimentado pela autora (dano) em decorrência do defeito na prestação do serviço (nexo causal), de rigor sua reparação, independentemente da aferição da existência de culpa.

Em casos semelhantes, esta Egrégia Corte entendeu da mesma forma:

Indenização por danos morais. Jornal que publica anúncio de colégio que oferece cursos variados com o número de telefone da autora. Correção da informação após contato da requerente, e posterior publicação contendo, novamente, o número de telefone utilizado pela autora. Negligência verificada que acabou por causar mais que mero aborrecimento. Sentença que reconhece culpa leve e danos morais no importe de R$ 2.000,00. Apelo da autora para elevação do quantum. Apelo da ré, para reforma da decisão. Provimento, em parte, do recurso da requerente, elevando-se o quantum para R$ 10.000,00 (TJSP- Apelação cível nº 0199247-41.2009.8.26.0100; 4ª Câmara de Direito Privado; Des. Rel. Enio Zuliani; j. 10/02/2011).

Danos materiais e morais - Indenização - Autora que teve divulgado seu número de telefone em novela da TV Globo - Parcial procedência - Insurgéncia das partes - Requerida que entende inexistente qualquer dano, configurado apenas mero aborrecimento - Inconsistência - Autora que recebeu inúmeras ligações de telespectadores que buscavam a atriz Carolina Ferraz - Dano configurado - Autora que pretende o acolhimento integral do pedido inicial ou a majoração do quantum indenizatório – Pedido alternativo agasalhado - Condenação aumentada para 50 salários mínimos vigentes à data do pagamento - Apelo da ré improvido - Recurso da autora provido (TJSP- Apelação cível nº 9099384 - 07.2005.8.26.0000; 8ª Câmara de Direito Privado; Des. Rel. Joaquim Garcia; j. 16/01/2008).

Desta maneira, cumpre observar que a razoabilidade na fixação do quantum para a indenização do dano moral consiste na análise do nível econômico do ofendido e do porte econômico do ofensor, sem que se deixe de observar as circunstâncias do fato lesivo.

Isso porque a condenação por dano moral deve ser expressiva o suficiente para compensar o sofrimento, o transtorno, o abalo, o vexame causado à vítima; bem como para penalizar o causador do dano, observando a sua responsabilidade pelo fato, o grau de sua culpa e sua capacidade econômica.

Assim, não há que se falar em indenização inexpressiva, pífia, que gera a impunidade e o descaso nas relações civis, no que diz respeito ao causador do fato, nem em exorbitância que acarreta o enriquecimento sem causa, no que diz respeito ao ofendido.

Esse é o entendimento que se extrai da doutrina e da jurisprudência:

[O dano moral] é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima de evento danoso, pois estes estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano. (...) O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente (MARIA HELENA DINIZ, Curso de direito Civil Responsabilidade Civil, Ed. Saraiva, 18ª ed. 7º v., c.3.1, p. 92)

A indenização deve se mostrar equilibrada pelo equacionamento do evento danoso e da capacidade econômica de cada parte para não se mostrar insuficiente e, ao mesmo tempo, ser capaz de inibir atos tendentes a reincidências. Em verdade, o magistrado, ao estabelecer o “quantum” indenizatório, há de fazê-lo de tal modo que não seja ínfimo, a ponto de perder-se do desiderato de desestímulo da prática de ilícitos na órbita civil; como também, cuidar para que não seja demasiado exacerbado e configure odioso enriquecimento sem causa (TJSP - Apelação cível nº 0475048-51.2010.8.26.0000 - Rel. Des. Adilson de Araújo - 31ª Câmara de Direito Privado - j. em 15/02/2011).

O valor da indenização por dano moral fixado pela respeitável sentença (R$5.500,00) mostra-se razoável, não merecendo qualquer alteração, porquanto atento ao seu caráter sancionador e reparador, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Portanto, impunha-se, mesmo, o acolhimento do pedido do autor, tal como decidido pela respeitável sentença, a qual fica mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Por tais fundamentos, nega-se provimento a ambos os recursos.

MILTON PAULO DE CARVALHO FILHO

Relator

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