Migalhas Quentes

Liberdade de expressão prevalece sobre inviolabilidade da vida privada

Blogueiro de AL pode publicar informações sobre delegado de polícia do Estado.

15/2/2012

Interesse público

Liberdade de expressão prevalece sobre inviolabilidade da vida privada

O desembargador Estácio Luiz Gama de Lima, em decisão monocrática, negou seguimento ao recurso impetrado por um delegado da Polícia Civil de AL contra um blogueiro. O delegado exigia que o blogueiro ficasse proibido de publicar reportagens ou manifestar opiniões, de forma direta ou indireta, que envolvessem a sua pessoa.

Para o relator do processo, diante de conflito entre liberdade de expressão versus inviolabilidade da vida privada e direito de imagem, deve prevalecer a liberdade de informação dos meios de comunicação, notadamente porque o autor é integrante da segurança pública. Com isso, fica justificada a veiculação de notícias de interesse público, mesmo sem o consentimento da parte.

__________

DECISÃO MONOCRÁTICA/OFÍCIO 2ª CC Nº ____/2012

Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto por O.A.O. em face da decisão proferida pelo Juiz de Direito da 9ª Vara Cível da Capital, que, nos autos da Ação n° 0043171-90.2011.8.02.0001, indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela para determinar que o agravado se abstenha de publicar reportagens ou manifestar opiniões, de forma direta ou indireta, que envolvam a sua pessoa.

Em suas razões, o agravante sustentou que as menções feitas pelo agravado em seus blogs ultrapassariam os limites da razoabilidade, porquanto a liberdade de pensamento e de informação não pode servir de blindagem para a prática de ofensas à sua imagem e à sua honra. Com a inicial vieram os documentos constantes às fls. 16/71.

É, em síntese, o relatório.

Passo a decidir.

O presente recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual dele conheço e passo a analisá-lo.

Antes, contudo, cumpre-me ressaltar que o Relator, ao receber o Agravo de Instrumento, pode negar liminarmente o seu seguimento (art. 557 do CPC), convertê-lo em agravo retido (art. 527, II, do CPC), atribuir-lhe efeito suspensivo (art. 527, III, do CPC) ou, ainda, dar a ele provimento monocrático (art. 557, §1º-A, do CPC).

Na presente situação, tenho que seja o caso de lhe negar seguimento, a teor do disposto no caput do artigo 557 do CPC, o que faço fundado nas razões que passarei a expor.

Em análise dos autos, observo que O.A.O. propôs uma Ação de Indenização por Danos Morais em face de R.V., sustentando que o réu, ora agravado, veiculou em seu blog matérias cujo conteúdo seria ofensivo à sua honra e imagem, notadamente por ele ser um agente público, ocupante do cargo de Delegado da Polícia Civil do Estado de Alagoas.

Naquele instante, o autor, ora agravante, formulou pedido de antecipação dos efeitos da tutela a fim de que fosse expedida uma ordem para que o réu, ora agravado, fosse impedido de publicar reportagens ou manifestar opiniões, de forma direta ou indireta, que envolvam a sua pessoa.

Ao se deparar com tal situação, o magistrado de primeiro grau entendeu que não estavam presentes os requisitos necessários à concessão daquela medida, haja vista que, segundo ele, o conteúdo das matérias veiculadas na internet não extrapolou os limites da razoabilidade, bem como que qualquer provimento nesse sentido implicaria vedação à liberdade de pensamento.

Posta nesses termos, tenho que a situação aqui versada não comporta desfecho diverso.

Como se sabe, o instituto da tutela antecipada, encartado no artigo 273 do Código de Processo Civil, é o mecanismo criado pelo legislador pátrio e posto à disposição do jurisdicionado para se efetivar, de modo célere e eficaz, a proteção dos direitos que se encontram na iminência de ser violados, cuja concessão está adstrita à demonstração da plausibilidade do direito substancial invocado pela parte e à verossimilhança do que foi suscitado, bem como à comprovação de que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

A sua análise incumbe ao magistrado, que, com a prudência necessária ao desempenho de sua atividade, deverá observar o preenchimento de seus requisitos, com a atenção para a real ocorrência da gravidade e da extensão do prejuízo alegado pela parte, e a existência da verossimilhança do direito por ela deduzido.

Aliás, outro não é o entendimento preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS ENSEJADORES DO PROVIMENTO DE URGÊNCIA. NO CASO, TODAVIA, OS PRESSUPOSTOS À TUTELA REQUERIDA NÃO SE ENCONTRAM PRESENTES EM SUA INTEGRALIDADE, PORQUANTO NÃO CONFIGURADA A VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES FIRMADAS PELA PARTE AUTORA.

1. (...).

2. A concessão da tutela de urgência, entretanto, está condicionada ao cumprimento dos requisitos preconizados no art. 273 da legislação processual civil, isto é, existência de prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, principalmente em sede de ação rescisória, tendo em vista o caráter de exceção de que tal medida se reveste.

3. (...).

4. (...).

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg na AR 4.092/PB, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 26/05/2010, DJe 17/06/2010)

Com efeito, voltando-me para a situação versada nos autos, a despeito dos argumentos colacionados pelo agravante, tenho por incensurável a decisão prolatada em primeiro grau, haja vista que não se encontram satisfeitos os requisitos ensejadores da tutela requerida.

Isso porque, diante de um conflito aparente de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos (liberdade de informação versus inviolabilidade da vida privada e direito de imagem), deve o julgador se valer do princípio da proporcionalidade para identificar qual deles deve prevalecer no caso concreto.

Aliás, outro não é o entendimento extraído das lições de Luiz Guilherme Marinoni, in verbis:

O princípio da probabilidade, no caso de colisão de direitos fundamentais, não pode desconsiderar a necessidade de ponderação do valor jurídico dos bens em confronto, pois, embora o direito do autor deva ser provável, o valor jurídico dos bens em jogo é elemento de grande importância para o juiz decidir se antecipa a tutela.

No juízo de cognição sumária o juiz ainda não sabe se o direito afirmado existe, embora possa saber que ele, por ser verossímil, merece tutela imediata em razão do periculum in mora. Há casos, porém, em que existem dois direitos fundamentais em colisão, e assim apenas as particularidades do caso concreto podem determinar qual deles deve prevalecer. Embora a solução da colisão entre direitos fundamentais deva necessariamente se dar na sentença, quando da tutela final, é evidente que a necessidade de antecipação da tutela obriga o juiz a ponderar entre os direitos com os olhos nas circunstâncias presentes no curso do processo e, assim, através de uma cognição sumária. Isto quer dizer que, diante de dois direitos fundamentais em colisão, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado na sentença e na decisão que trata da tutela antecipatória.

(Antecipação da Tutela. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006, pp. 254/255)

Certamente, nenhum dos direitos fundamentais elencados no rol do artigo 5º da Constituição Federal, ou esparsos ao longo de seu texto, é absoluto, não sendo diferente com a liberdade de expressão. Contudo, utilizando da técnica de resolução de conflitos anteriormente mencionada, tenho que a concessão da medida aqui pleiteada implicaria privação da coletividade do direito de informação.

Deve prevalecer, na espécie, a liberdade de informação dos meios de comunicação, prevista nos artigos 5º, IX e 220, §§1º e 2º da Constituição Federal, notadamente porque o autor, ora agravante, é pessoa pública, integrante dos quadros da segurança pública do Estado de Alagoas e, em tais hipóteses, resta justificada a veiculação de notícias de interesse público, mesmo sem o consentimento da parte, sobretudo porque o conteúdo tido por afrontoso não ultrapassou os limites da razoabilidade, como bem dito pelo magistrado de primeiro grau.

Não destoa desse entendimento o entendimento perfilhado por Sergio Cavalieri Filho:

(...) Costuma-se ressalvar, no tocante à inviolabilidade da intimidade, a pessoa dotada de notoriedade, principalmente quando exerce vida pública. Fala-se, então, nos chamados "direito à informação e direito à história", a título de justificar a revelação de fatos de interesse público, independentemente de anuência da pessoa envolvida. Entende-se que, nesse caso, existe redução espontânea dos limites da privacidade (como ocorre com os políticos, atletas, artistas e outros que se mantêm em contato com o público). (...) E assim é, segundo essa mesma doutrina, porque a vida dessas pessoas compreende um aspecto voltado para o exterior e outro voltado para o interior. A vida exterior, que envolve a pessoa nas relações sociais e nas atividades públicas, pode ser objeto das pesquisas e das divulgações de terceiros, porque é pública. (Programa de Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 104)

Além do mais, cumpre salientar que a Constituição Federal de 1988, do mesmo modo que garante o direito à livre expressão da comunicação, independentemente de censura ou licença (inciso IX do artigo 5º), sem nenhuma restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, sob qualquer forma (artigo 220), também assegurou o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação à honra e à imagem das pessoas (inciso X do artigo 5º), de que porventura seja vítima o cidadão.

Assim, uma vez não comprovado o preenchimento dos requisitos necessários à antecipação dos efeitos da tutela, resta autorizado o julgamento monocrático do presente feito, consoante possibilita a legislação processual cível, pois a decisão proferida pelo magistrado a quo se encontra em consonância com o entendimento aplicado à matéria por aquela Corte Superior, enquanto a tese deduzida no presente recurso se encontra dissociada daqueles termos.

Ante o exposto, com fulcro no caput do artigo 557 do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO ao presente Agravo de Instrumento, dada a sua manifesta inadmissibilidade, revelada que foi pela impropriedade da tese jurídica aqui deduzida.

Oficie-se o Juiz de Direito da 9ª Vara Cível da Capital, COM A MÁXIMA URGÊNCIA, dando-lhe ciência do inteiro teor desta decisão.

Utilize-se esta decisão como ofício/mandado. Uma vez escoado o prazo recursal, certifique a senhora Secretária o ocorrido e, após, proceda ao arquivamento destes autos, com as cautelas recomendadas à espécie.

Publique-se, intimem-se e cumpra-se.

Maceió, 6 de fevereiro de 2012

ESTÁCIO LUIZ GAMA DE LIMA

Desembargador Relator

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