Danos morais
Prefeitura de Mogi das Cruzes indenizará mulher que teve seu cachorro sacrificado por engano
O cão foi apreendido e a dona se dirigiu ao Centro, identificou o bicho de estimação e pagou a taxa administrativa para sua retirada.
No entanto, a falta de cuidados do departamento teria provocado a mistura dos animais e o cão foi sacrificado equivocadamente.
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Processo: 0174871-68.2007.8.26.0000 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2011.0000196936
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0174871-68.2007.8.26.0000, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que são apelantes PREFEITURA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES e R. C. O. C. sendo apelados R. C. O. C e PREFEITURA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES.
ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso voluntário e ao oficial e deram parcial provimento ao da autora. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores REGINA CAPISTRANO (Presidente sem voto), RENATO NALINI E FRANKLIN NOGUEIRA.
São Paulo, 13 de setembro de 2011.
Castilho Barbosa
RELATOR
Apelação Cível Indenização por Danos Morais Morte de animal de estimação Divisão de controle de zoonoses Ausência de cautela dos funcionários Ação julgada parcialmente procedente - A falta de cuidado na guarda do cachorro provocou a mistura dos animais e a eutanásia indevida - Caracterizada a responsabilidade da ré e o nexo causal Inconformismo Inadmissibilidade Entendimento jurisprudencial desta C.Câmara - Observância da Lei Estadual nº 12.916/2008 - É incontroverso, que a eutanásia, medida última a ser utilizada tão somente quando não houver outra alternativa, deve ser feita com os necessários cuidados e respeito à vida - Recurso da autora - Majoração da indenização Impossibilidade Razoabilidade Fixação dos ônus sucumbenciais - Admissibilidade - Recurso voluntário e oficial, agora tido como consignado improvidos e Recurso da autora parcialmente provido
Recorrem o Município de Mogi das Cruzes e a autora por inconformismo com a procedência parcial da Ação de Indenização por Danos Morais e cuja r. sentença entendeu que o falecimento do animal de estimação da autora ocorrido no interior da Divisão de Zoonoses da Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes seguramente teria causado sofrimento, ensejando transtornos de ordem moral e determinando o pagamento de indenização na quantia de 15 (quinze) salários mínimos.
Há também recurso adesivo da autora.(fls. 201/206)
Recursos regularmente processados e contrariados; há isenção do preparo (autora beneficiária da Justiça Gratuita).
É o relatório.
Relembre-se que a autora ajuizou a presente ação objetivando indenização por danos morais decorrente do falecimento de seu animal de estimação (cachorro) no interior do “Centro de Zoonoses” da Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes.
É que seu cachorro teria sido apreendido irregularmente pelo “Centro de Zoonoses” da Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes e mesmo após ter sido devidamente identificado pela autora e paga a taxa administrativa (R$ 8,49) para retirada do animal teria sido equivocadamente sacrificado.
A ação foi julgada parcialmente procedente em 1º Grau e no pressuposto de que “....Concluiu-se, assim, que a precariedade das instalações do centro de zoonoses e a falta de conservação dos portões existentes entre os diversos canis permitiram a mistura de animais.
Nos termos do art. 28 e seguintes da Lei Complementar nº 11/02, os cães recolhidos permanecerão nas dependências da Divisão de Controle de Zoonoses pelo prazo de três dias, aguardando eventual resgate. Após o decurso do prazo, dentre as destinações do animal, possível a doação, a eutanásia e o leilão.
Conforme esclarecido em audiência, os animais são separados por sexo, dia de captura, dentre outras classificações. No momento em que o cachorro da autora invadiu outro canil, saiu do “primeiro dia da apreensão” e passou para o “segundo dia” antecipando a eutanásia.
Assim, a requerida atuou de forma negligente, pois mesmo tendo ciência do defeito no portão, deixou de adotar as precauções devidas para evitar a mistura dos animais apreendidos.
Pela ausência de cautela dos funcionários do centro de zoonoses, infere-se que a requerida agiu com culpa, na modalidade de imprudência e negligência, pois sacrificou indevidamente cachorro já identificado pela proprietária.
(....)
No momento em que a requerida apreendeu o animal, tornou-se responsável pela sua manutenção. Contudo, a falta de cuidado na guarda do cachorro provocou a mistura dos animais e a eutanásia indevida.
A requerente demonstrou a ocorrência do fato, do dano e do nexo causal entre os mesmos. A municipalidade, por sua vez, não provou a existência de causa de exclusão da responsabilidade, no caso, a ocorrência de culpa exclusiva da vítima. Assim, caracterizada a responsabilidade da requerida e o nexo causal, resta a fixação do dano.
(...)
O falecimento do animal de estimação seguramente causou o sofrimento da autora, ensejando transtornos de ordem moral. Neste caso, o dano moral independe de prova de efetivo prejuízo, mesmo porque em se tratando de dano extrapatrimonial ou imaterial, impossível seria tal prova.
(....)
Portanto, entendo que, dentro do parâmetro supramencionado, o valor de 15 (quinze) salários mínimos serve como ressarcimento e não gera enriquecimento indevido em favor da autora.
Evidente, por fim, que a taxa administrativa recolhida deve ser devolvida.
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação para condenar a requerida no pagamento de indenização por danos morais, na quantia correspondente a 15 (quinze) salários mínimos, mais a devolução da taxa administrativa recolhida (R$ 8,49), devidamente corrigida e acrescida de juros de mora desde a citação.”(fls. 167/172)
Dai o apelo da Municipalidade de Mogi das Cruzes (fls. 175 e seguintes) requerendo a reforma do julgado e sustentando que a autora teria contribuído para o ocorrido (falecimento do cachorro) e, assim, não poderia subsistir qualquer parcela de culpa da municipalidade.
E mais: Não havendo culpa da municipalidade, ausente a condenação em danos morais. Requer, alternativamente, a redução do valor da condenação - (quinze) salários mínimos o qual deveria ser balizado no padrão econômico da autora.
O recurso adesivo da autora (fls. 201 e seguintes) insurgindo-se para a elevação dos danos morais fixados (quinze) salários mínimos -, porquanto desproporcional aos danos suportados. Pleiteia, também, que as custas processuais, bem como os honorários advocatícios sejam arbitrados em 20% do valor da condenação e suportados integralmente pela ré.
Enfrenta-se a divergência.
A conduta atribuída à ré é absolutamente reprovável, pois cabe ao Poder Público Municipal cumprir com efetividade os preceitos constitucionais e infraconstitucionais neste âmbito.
Eis o posicionamento desta C.Câmara a respeito:
As atividades desenvolvidas na esfera dos Centros de Zoonoses têm como finalidade precípua o controle de doenças, pragas e enfermidades que possam trazer riscos à saúde dos seres humanos. Não podem, tais atividades, no entanto, submeter animais recolhidos a atos de abuso e maus tratos. Qualquer possibilidade de causar intenso martírio físico ou mental deve ser proibida sob o fundamento do interesse humanitário, pois, como bem observou o Ministro Francisco Rezek em julgamento do Egrégio Supremo Tribunal Federal: “com a negligência no que se refere à sensibilidade de animais anda-se meio caminho até a indiferença a quanto se faça a seres humanos. Essas duas formas de desídia são irmãs e quase sempre se reúnem, escalonadamente.”
Não é demais citar a Lei Estadual nº 11.977/05, que instituiu o Código de Proteção aos Animais do Estado, também estabeleceu previsões para o Controle de Zoonoses e Controle Reprodutivo de Cães e Gatos, bem como para a prática de eutanásia:
“Art. 11 Os municípios do Estado devem manter programas permanentes de controle de zoonoses, através de vacinação e controle de reprodução de cães e gatos, ambos acompanhados de ações educativas para propriedade ou guarda responsável.
Art. 12 É vedada a prática de sacrifico de cães e gatos em todos os Municípios do Estado, por métodos cruéis, consubstanciados em utilização de câmaras de descompressão, câmaras de gás, eletrochoque e qualquer outro procedimento que provoque dor, estresse ou sofrimento.
Parágrafo único Considera-se método aceitável de eutanásia a utilização ou emprego de substância apta a produzir a insensibilização e inconscientização antes da parada cardíaca e respiratória do animal”
(....)
É incontroverso, assim, que a eutanásia, medida última a ser utilizada tão somente quando não houver outra alternativa, deve ser feita com os necessários cuidados e respeito à vida. (grifo nosso)
(....)
Efetivamente, a Lei Estadual nº 12.916/2008 dispõe em seu art. 4º, caput, que “o recolhimento de animais observará procedimentos protetivos de manejo, de transporte e de averiguação da existência de proprietário, responsável ou de cuidador em sua comunidade.
“E, no art. 4º, parágrafo 1º, prevê que “o animal reconhecido como comunitário será recolhido para fins de esterilização, identificação e assinatura de termo de compromisso de seu cuidador principal.”
(....)
Assim, enquanto não estabelecido o convênio entre a Municipalidade com a Secretaria Estadual do meio Ambiente, mostra-se imperativo acatar a recomendação para que os médicos veterinários responsáveis pelo Serviço de Controle de Zoonoses de Diadema tracem um cronograma para a implantação do programa de Controle Reprodutivo de Cães e Gatos, bem como encetem esforços para disponibilizar os animais para adoção após 72 horas do recebimento, de modo a cumprir o que prevê a legislação em vigor.”(0009213-57.2008.8.26.0161, Relator Des. Renato Nalini, desta Câmara)
Quanto ao recurso adesivo da autora merece reparo somente no tocante a fixação dos ônus sucumbenciais. Arcará a ré com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios no valor de 10% sobre o valor dado à causa (decaíra em parte mínima do pedido).
No mais, a pretensão da autora de majoração da indenização arbitrada a título de danos morais não pode ser acolhida, uma vez que se mostra razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso suportado.
Diante desse quadro, nega-se provimento aos recursos voluntário e oficial, agora tido como consignado, da Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes e dá-se provimento parcial ao recurso da autora.
CASTILHO BARBOSA
Relator
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