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Embriaguez ao volante constitui crime

A 2ª turma do STF rejeitou, no final de setembro, o HC 109269, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de um motorista de Araxá/MG denunciado por dirigir embriagado. O crime está previsto no artigo 306 do CTB, mas o juiz de primeira instância absolveu o motorista por considerar inconstitucional o dispositivo, alegando que se trata de modalidade de crime que só se consumaria se tivesse havido dano, o que não ocorreu.

3/11/2011

CTB

Embriaguez ao volante constitui crime

O Estadão conta que o STF deu uma decisão, em fins de setembro "que passou quase despercebida", segundo a qual dirigir bêbado, mesmo sem causar acidente, é crime. Em verdade, o que se deu foi que num julgamento na 2ª turma, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que dirigir alcoolizado é um crime de perigo abstrato, ou seja, independe de resultado.

De acordo com a ementa, "basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime".

O Estadão diz ainda que a decisão teria sido tomada de forma unânime por cinco dos 11 ministros do Supremo, reunidos na 2ª turma, e que ela deve "balizar novas sentenças". No entanto, o matutino não percebeu no andamento do feito, mas houve duas justificadas ausências na sessão (ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa). Deste modo, foram três, e não cinco ministros. Pelo histórico, é fato, o ministro Joaquim Barbosa deve, sim, seguir o entendimento. Mas no caso do ministro Celso de Mello não dá para aferir com precisão.

O caso

No final de setembro, a Defensoria Pública da União impetrou HC em favor de um motorista de Araxá/MG denunciado por dirigir embriagado. O crime está previsto no artigo 306 do CTB (clique aqui), mas o juiz de primeira instância absolveu o motorista por considerar inconstitucional o dispositivo, alegando que se trata de modalidade de crime que só se consumaria se tivesse havido dano, o que não ocorreu.

A Defensoria Pública pedia ao STF o restabelecimento desta sentença, sob a alegação de que "o Direito Penal deve atuar somente quando houver ofensa a bem jurídico relevante, não sendo cabível a punição de comportamento que se mostre apenas inadequado", mas seu pedido foi negado por unanimidade de votos.

Citando precedente da ministra Ellen Gracie, o relator do HC, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou ser irrelevante indagar se o comportamento do motorista embriagado atingiu ou não algum bem juridicamente tutelado porque se trata de um crime de perigo abstrato, no qual não importa o resultado.

"É como o porte de armas. Não é preciso que alguém pratique efetivamente um ilícito com emprego da arma. O simples porte constitui crime de perigo abstrato porque outros bens estão em jogo. O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro foi uma opção legislativa legítima que tem como objetivo a proteção da segurança da coletividade", enfatizou Lewandowski.

Com a decisão, a ação penal contra o motorista prosseguirá, nos termos em que decidiu o TJ/MG, quando acolheu apelação do MP estadual contra a sentença do juiz de Araxá. De acordo com o artigo 306 do CTB, as penas para quem conduz veículo com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis, é de detenção (de seis meses a três anos), multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Este caso trazido pelo Estadão pode ser um precedente, mas não é, nem de longe, o leading case do assunto. Ao pleno.

Confira abaixo a íntegra da decisão.

_______

27/09/2011 SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 109.269 MINAS GERAIS
RELATOR :MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
PACTE.(S) :J. P.
IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

I - A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas.

II - Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente.

III – No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime.

IV – Por opção legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal.

V – Ordem denegada.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Ayres Britto, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por decisão unânime, denegar a ordem, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa.

Brasília, 27 de setembro de 2011.

RICARDO LEWANDOWSKI – RELATOR

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR):

Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de J. P., contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem no HC 187.478/MG, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE).

A impetrante narra, de início, que o paciente, denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 306 da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) – condução de veículo automotor, em via pública, com concentração de álcool por litro de sangue acima do permitido – foi sumariamente absolvido pelo juízo de primeiro grau sob o fundamento da inconstitucionalidade da norma incriminadora.

Prossegue afirmando que, inconformado, o Ministério Público estadual interpôs apelação, postulando, basicamente, o prosseguimento da ação penal.

Relata, em seguida, que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais deu provimento ao recurso, o que deu ensejo ao ajuizamento, pela defesa, de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça Destaca, nesse passo, que a Sexta Turma daquela Corte, por unanimidade, denegou a ordem.

É contra essa decisão que se insurge a impetrante.

Alega, em suma, a inconstitucionalidade do art. 306 da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) ao argumento de que a referida norma cria crime de perigo abstrato, modalidade de delito que se consuma apenas com a possibilidade de dano, em afronta ao princípio da ofensividade, o que não pode ser admitido no ordenamento jurídico pátrio.

Assevera, em seguida, que, embora tenha o legislador pretendido prevenir a prática de crimes na condução de veículo automotor, não é por meio da edição de normas como a combatida que o Estado resolverá a questão e sim com a adoção de política séria que alerte sobre os riscos da ingestão de bebidas alcoólicas.

Diz, em acréscimo, que o Direito Penal deve atuar somente quando houver ofensa a bem jurídico relevante, não sendo cabível a punição de comportamento que se mostre apenas inadequado.

Requer, ao final, a concessão da ordem de habeas corpus para reformar a decisão do STJ e restabelecer o entendimento do juiz de primeiro grau que absolveu sumariamente o paciente.

Em 2/8/2011, não havendo pedido de medida liminar a ser apreciado, determinei fosse ouvido o Procurador-Geral da República.

O Ministério Público Federal, em parecer de lavra da Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques, opinou pela denegação da ordem.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR): Bem examinados os autos, tenho que a ordem deve ser denegada.

O acórdão impugnado possui a seguinte ementa:

“HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ALEGAÇÃO DE QUE, POR SE REFERIR A CRIME DE PERIGO ABSTRATO, O ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO NÃO É ACEITO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. NÃO CABIMENTO. DANO POTENCIAL. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
1.A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de reconhecer a aplicabilidade do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro – delito de embriaguez ao volante –, não prosperando as alegações de que o mencionado dispositivo, por se referir a crime de perigo abstrato, não é aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro.
2. Esta Corte Superior de Justiça entende que, com o advento da Lei nº 11.705/08, inseriu-se a quantidade mínima exigível de álcool no sangue para se configurar o crime de embriaguez ao volante e se excluiu a necessidade de exposição de dano potencial, sendo certo que a comprovação da mencionada quantidade de álcool no sangue pode ser feita pela utilização do teste do bafômetro ou pelo exame de sangue, o que ocorreu na hipótese dos autos.
3. Habeas corpus denegado”.

Conforme relatado, a impetrante busca o restabelecimento da sentença que absolveu o paciente sob o fundamento da inconstitucionalidade do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, com a redação conferida pela Lei 11.705/2008.

Alega, para tanto, que a norma questionada não teria sido acolhida pelo ordenamento jurídico por prever crime de perigo abstrato, ao passo que o Direito Penal deve atuar “somente quando houver ofensa a um bem jurídico provocada pela conduta do agente. O comportamento do agente deve atingir concretamente o bem jurídico tutelado pela norma”.

Entretanto, a irresignação não prospera. O Art. 306 do CTB está assim redigido:

“Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo”.

Pois bem. Não vislumbro, no dispositivo em questão, qualquer eiva de inconstitucionalidade que autorize a concessão da ordem de habeas corpus.

Com efeito, a objetividade jurídica da mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da higidez física de terceiros e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas.

O tipo penal de perigo abstrato, no caso sob exame, visa a inibir pratica de certas condutas antes da ocorrência de eventual resultado lesivo, garantindo, assim, de modo mais eficaz, a proteção de um dos bens mais valiosos do ser humano, que são sua vida e integridade corporal.

Na denúncia, tem-se a narrativa dos seguintes fatos:

“(...)

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 20 de junho de 2009, por volta das 02h00min, na Avenida Imbiara, nº 1423, bairro vila Silveria, nesta cidade e comarca de Araxá/MG, o ora denunciado dirigia o veículo GM Monza, ano 1982, cor branca, placas CQB-6781, em via pública, sob influência e com concentração de álcool superior a 06 (seis) decigramas por litro de sangue, gerando perigo à segurança viária.

Nas condições especiais e temporais acima declinadas, durante fiscalização de rotina, os policiais militares abordaram o denunciado, que dirigia o referido veículo, na ocasião os milicianos perceberam que o denunciado apresentava sintomas de embriagues (sic), como fala desconexa, hálito etílico e olhos vermelhos.

Desta feita, o denunciado foi submetido ao teste do bafômetro, onde foi constatada a presença de 0.90 mg/l (zero ponto noventa) miligramas de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões”.

Na espécie, a proibição da conduta pela qual o paciente foi condenado objetiva, especialmente, combater e prevenir a ocorrência de delitos de trânsito que possam colocar em risco a incolumidade física ou até mesmo a vida de indivíduos da coletividade ou provocar danos patrimoniais.

Nesse contexto, mostra-se irrelevante indagar se o comportamento do agente atingiu, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado.

Nesse sentido, transcrevo, por oportuno, a ementa do RHC 82.517/CE, Rel. Min. Ellen Gracie:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. APLICAÇÃO PARCIAL DA LEI 9.099/95. EXAME PERICIAL. NULIDADE.
1. O crime previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (embriaguez ao volante) é crime de perigo, cujo objeto jurídico tutelado é a incolumidade pública e o sujeito passivo, a coletividade. A ação penal pública condicionada à representação, referida no art. 88 da Lei nº 9.099/95, se mostra incompatível com crimes dessa natureza. A ação penal é a pública incondicionada.
2. Inexistência de nulidade no laudo realizado, tendo em vista que foi subscrito por 2 (dois) peritos oficiais, estando a alegação do recorrente, de que teria sido elaborado apenas por 1 (um) profissional, subordinada ao exame de fatos e provas, inviável em sede de habeas corpus.
3 - Recurso ordinário improvido” (grifos meus).

No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando uma concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime.

Por opção legislativa, não se faz necessária, no dispositivo sob exame, a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal.

Relembro, por oportuno, que, assim como o delito de embriaguez ao volante, também o crime de porte ilegal de arma de fogo classifica-se como crime de perigo abstrato, consumando-se com o simples ato de alguém portar arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, prescindindo a sua tipificação, porconseguinte, da demonstração de ofensividade real da conduta, o que não leva à inconstitucionalidade do referido tipo penal.

O mesmo entendimento foi esposado pela ilustre representante do Parquet federal, que consignou no parecer ofertado neste writ:

“(...) não há qualquer ilegalidade no acórdão impetrado, tendo os Tribunais Superiores já rechaçado a alegação de inconstitucionalidade do art. 306 do CTB, fazendo-o incidir sem ressalvas.

Ora, o tipo penal descrito no art. 306 do CTB é de mera conduta e de perigo abstrato, não tendo a lei exigido a efetiva exposição de outrem a risco, sendo irrelevante a avaliação subsequente sobre a ocorrência de perigo à coletividade. Isto é, a objetividade jurídica imediata é a segurança viária e de forma indireta a incolumidade pública.

Importa ressaltar que não há entraves em nosso ordenamento jurídico para que uma conduta de perigo abstrato seja criminalizada. Assim ocorre com o porte de arma de uso permitido, assim ocorre também com a embriaguez ao volante”.

Deste modo, tenho por improcedente a alegação de inconstitucionalidade da norma questionada e, por tal razão, denego a ordem.

_________

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