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Templos religiosos do DF devem se submeter aos limites sonoros estipulados em Lei

O Conselho Especial do TJ/DF julgou inconstitucional dispositivo da lei distrital 4.523/10 que exclui os templos religiosos e similares da obrigação de respeitar os limites sonoros estipulados por lei no âmbito do DF. A decisão colegiada vale para todos e tem efeitos retroativos à origem da norma legislativa.

11/10/2011


Psiu!

Templos religiosos do DF devem se submeter aos limites sonoros estipulados em lei

O Conselho Especial do TJ/DF julgou inconstitucional dispositivo da lei distrital 4.523/10 que exclui os templos religiosos e similares da obrigação de respeitar os limites sonoros estipulados por lei no âmbito do DF. A decisão colegiada vale para todos e tem efeitos retroativos à origem da norma legislativa.

A matéria já tinha sido alvo de ADIn ajuizada pelo MP/DF, em 2009, contra o art. 14 da lei distrital 4.092/08, que previa a mesma exceção. Naquela ocasião, o Conselho Especial se pronunciou no mesmo sentido. No entanto, em 2010, novo ordenamento jurídico introduziu novamente o dispositivo impugnado.

Ao prestarem informação sobre a norma, o presidente da Câmara Legislativa do DF, o governador e o procurador-geral defenderam a constitucionalidade do preceito legal, alegando a impossibilidade de restrição à liberdade religiosa assegurada pela CF/88.

O colegiado destacou na decisão que é lícito ao Poder Legislativo Distrital, amparado pela independência dos Poderes estatais, editar nova norma veiculando o mesmo conteúdo normativo já declarado inconstitucional. Todavia, a exceção novamente concedida aos templos religiosos é desprovida de razoabilidade e proporcionalidade.

De acordo com os desembargadores, embora a CF/88 assegure a proteção absoluta do livre exercício de cultos religiosos, não há direitos ilimitados e irrestringíveis. "Não é razoável conferir máxima proteção à liberdade de culto, impondo o sacrifício total dos outros direitos fundamentais. O legislador distrital afastou-se do aceitável ao criar exceções para as instituições religiosas que, ao cabo, permitem que ofendam direitos de terceiros. A isenção das instituições religiosas aos limites legais de sonoridade impostos em favor do meio ambiente sadio, nitidamente contraria aos citados princípios que devem nortear as políticas urbanas", afirmou o relator da ADIn.

A declaração de inconstitucionalidade do dispositivo se deu por maioria de votos.

__________

ÓRGÃO : CONSELHO ESPECIAL
CLASSE : ADI – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
PROCESSO N. : 2011 00 2 005243-7
REQUERENTE : PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
REQUERIDO : NÃO HÁ
RELATOR : DESEMBARGADOR SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS

EMENTA


AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL 4.092/2008, ART. 10, INCISO III. EXCEÇÃO LEGAL PARA IGREJAS E CULTOS EM RELAÇÃO ÀS PROBIÇÕES DE EMISSÃO DE SONS E RUÍDOS ACIMA DO NÍVEL MÁXIMO DE PRESSÃO SONORA PERMITIDO. PRECEDENTE: ADI 20090020015645. NOVA LEI COM IDÊNTICO CONTEÚDO. POSSIBILIDADE. LIBERDADE RELIGIOSA E LIVRE EXERCÍCIO DE CULTO. DIREITO FUNDAMENTAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ABSOLUTO E IRRESTRINGÍVEL. PRINCÍPIO DA HARMONIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS HORIZONTAIS. DIREITO À SAÚDE. DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO. PODER DE POLÍCIA. POLÍTICAS URBANAS. AÇÃO PROCEDENTE.
1. É cabível a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante este Tribunal de Justiça, tendo em vista que a Constituição Federal, no art. 125, § 2º, outorga aos Estados e, por extensão, ao Distrito Federal, competência para apreciar representação de inconstitucionalidade cujo objeto consista em lei estadual ou municipal em confronto com a Constituição Estadual ou Lei Orgânica do Distrito Federal.
2. O Poder Legislativo distrital, ao editar nova norma veiculando o mesmo conteúdo normativo já declarado inconstitucional (ADI 20090020015645), se ampara na independência dos Poderes estatais, eis que não fica vinculado à decisão proferida pelo Poder Judiciário em controle abstrato de constitucionalidade normativa (art. 129, RITJDFT).
3. A liberdade religiosa cuida-se de direito fundamental, assegurado pela garantia constitucional do livre exercício de cultos religiosos.
4. Não há direitos absolutos, ilimitados e ilimitáveis. Pela aplicação do princípio da harmonização dos direitos fundamentais horizontais, é preciso ponderar os direitos em conflito para compatibilizá-los.
5. É desprovido de motivação válida, é irrazoável e desproporcional ato normativo que admite a irrestrita liberdade religiosa, alocando-a acima de todo e qualquer outro direito fundamental.
6. O direito à saúde é prerrogativa constitucional indisponível, sendo dever do Estado implementar políticas públicas que instrumentalizem este direito (art. 204, I, LODF).
7. A submissão dos vizinhos a constantes incômodos gerados pela violação de seus domicílios, ambientes de trabalho ou de lazer pelo som excessivo (acima do limite legal), sem qualquer restrição de volume, horário e constância, significa restrição exagerada ao direito à saúde física e mental.
8. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, está expresso na LODF.
9. O ruído é um agente poluidor capaz de alterar o equilíbrio e a harmonia de qualquer ecossistema, subjugando a tranquilidade e o sossego, além de violar, em hipóteses mais extremas, a própria dignidade da pessoa humana. Ainda que possa ser considerado fenômeno tipicamente urbano, não deve merecer comportamento tolerante ou complacente do Poder Público. (ADI 2009 00 2 0015645-5).
10. Não há inconstitucionalidade do preceito questionado por violação ao art. 15, inciso XIV, da LODF. Isto porque, a competência privativa do Distrito Federal para exercer o poder de polícia administrativa não restou violada, já que o legislador apenas regulou matéria antes descoberta, o que também é uma faceta do poder de polícia, em sentido amplo.
11. As políticas urbanas devem estar afinadas em um conjunto de medidas que promovam a melhoria da qualidade de vida e devem estar calcadas nos princípios: da justa distribuição de benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; prevalência do interesse coletivo sobre o individual; e combate a todas as formas de poluição. A função social da propriedade urbana é preenchida quando, dentre outros valores, é protegido o meio ambiente. É inconstitucional preceito normativo contrário aos princípios que norteiam as políticas urbanas.
12. Procedente o pedido para declarar, com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes, a inconstitucionalidade material do inciso III, do art. 10, da Lei Distrital n.º 4.092/2008, por incompatibilidade vertical com a Lei Orgânica do Distrito Federal.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do CONSELHO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS - Relator, JOÃO MARIOSI - Vogal, ROMÃO C. OLIVEIRA - Vogal, DÁCIO VIEIRA - Vogal, MÁRIO MACHADO – Vogal, SÉRGIO BITTENCOURT – Vogal, LECIR MANOEL DA LUZ - Vogal, ROMEU GONZAGA NEIVA – Vogal, CARMELITA BRASIL - Vogal, WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR – Vogal, SANDRA DE SANTIS - Vogal, FLÁVIO ROSTIROLA – Vogal, NÍDIA CORRÊA LIMA – Vogal, ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, sob a Presidência do Senhor Desembargador OTÁVIO AUGUSTO, em proferir a seguinte decisão: AFASTADA A PRELIMINAR. POR MAIORIA. JULGOU-SE PROCEDENTE A AÇÃO. POR MAIORIA, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília-DF, 30 de agosto de 2011.


SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS
Relator



RELATÓRIO


Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS contra o inciso III, do art. 10, da Lei Distrital n.º 4.092/2008 (inserido pela Lei Distrital n.º 4.523, de 13-Dezembro-2010), por incompatibilidade com o art. 15, inciso XIV; art. 16, inciso IV; art. 19, caput; art. 117, caput; art. 204, inciso I; art. 278, parágrafo único; art. 279, incisos VI e XXIII; art. 311; art. 314, parágrafo único, incisos III, IV, V, X e XI, e alínea “a”; e art. 315, inciso III; todos da Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF).
O dispositivo impugnado estabelece que:

Art. 10. Não se inclui nas proibições impostas pelo art. 7º a emissão de sons e ruídos produzidos:
(...)
III – por sinos de igrejas ou templos ou sons similares e de instrumentos litúrgicos utilizados no exercício de culto ou cerimônia religiosa, celebrado no recinto da sede e associação religiosa, desde que sirvam exclusivamente para indicar as horas ou anunciar a realização de atos ou cultos religiosos.


A requerente sustenta que o preceito legal questionado:
a - visa contornar a decisão proferida por este Conselho Especial, no julgamento da ADI 2009 00 2 001564-5, quando foi declarada a inconstitucionalidade material de trecho do art. 14 da Lei Distrital 4.092/2008 – que continha conteúdo idêntico ao veiculado na norma impugnada;
b – é desprovido de razoabilidade e motivação na instituição de privilégios, na medida em que equipara os sons produzidos pelos sinos e instrumentos litúrgicos às sirenes ou aparelhos de sinalização sonora utilizados por ambulâncias, bombeiros e policiais; bem como por permitir que a violação aos limites máximos de pressão sonora ocorram de forma reiterada ao longo do dia (já que podem ser empregados para indicar as horas ou anunciar a realização de atos ou cultos religiosos).
c - fere aos princípios da legalidade, isonomia, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, motivação e interesse público, insculpidos no art. 19, caput, da LODF;
d – inviabiliza o controle e o combate à poluição sonora eventualmente gerada por sinos, instrumentos litúrgicos e similares produzidos pelos templos, ferindo o art. 15, inciso XIV, da LODF;
e - viola o direito à saúde (art. 204, inciso I, LODF) e ao meio ambiente sadio, previsto na LODF no art. 16, IV; art. 278, parágrafo único; art. 279, inciso VI e XXIII; e, principalmente, no art. 311, segundo o qual as normas de preservação ambiental quanto à poluição sonora devem ser fixadas de acordo com o local e a duração da fonte, independente da atividade desenvolvida pelo estabelecimento, pois o interesse coletivo deve prevalecer sobre o individual;
f - afronta aos princípios relativos ao desenvolvimento urbano, também expressos na LODF, art. 314, parágrafo único, incisos III, IV, V, X e XI, e alínea “a”; e art. 315, inciso III.
A requerente invoca precedente deste Conselho Especial (ADI 2002002001479-9), no qual as instituições religiosas foram submetidas às mesmas regras de funcionamento exigidas dos estabelecimentos comerciais, industriais e institucionais.
O Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal (fls. 36/47), o Governador do Distrito Federal (fls. 50/62) e o Procurador-Geral do Distrito Federal, este na qualidade de curador da lei (fls. 64/73), manifestaram pela constitucionalidade do preceito legal, invocando a impossibilidade de restrição à liberdade religiosa assegurada pela Constituição Federal.
Instado a se manifestar, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, atuando como custos legis, opinou pelo conhecimento da ação e PROCEDÊNCIA do pedido (fls. 75/83).
É o relatório do necessário.


VOTOS


O Senhor Desembargador SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS – Relator
Admissibilidade
É cabível a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), tendo em vista que Constituição Federal, no art. 125, § 2º, outorga aos Estados e, por extensão, ao Distrito Federal, competência para apreciar representação de inconstitucionalidade cujo objeto consista em lei estadual ou municipal em confronto com a Constituição Estadual ou Lei Orgânica do Distrito Federal.
A petição inicial está apta ao julgamento de mérito, uma vez que a requerente detém legitimidade ativa, conforme dispõe o art. 103, inciso III, RITJDFT; e os requisitos objetivos do art. 104, incisos I e II, e parágrafo único, RITJDFT, foram preenchidos.

MÉRITO

Julgamento da ADI 2009 00 2 0015645

A requerente sustenta que a presente ADI visa contornar a decisão declaratória de inconstitucionalidade proferida por este Conselho Especial no julgamento da ADI 2009 00 2 001564-5.
O Presidente da Câmara Legislativa do DF argumenta que o Poder Legislativo Distrital é dotado de autonomia para inovar o direito e disciplinar, por atos normativos, as relações sociais; inclusive revisitando temas e assuntos já apreciados em sede de controle de constitucionalidade.
Registro, inicialmente, que o art. 10, inciso III, da Lei 4.092/2008 (sob questionamento), ao criar exceção legal para as instituições religiosas do dever legal de atender ao nível máximo de pressão sonora permitido (art. 7º, Lei 4.092/2008), reinsere no ordenamento jurídico norma com conteúdo idêntico à exceção legal contida no art. 14 da mesma Lei e que fora afastada do ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade, no julgamento da ADI 2009 00 2 001564-5. Confiram-se os preceitos referidos:

Art. 7º O nível máximo de pressão sonora permitido em ambientes internos estabelecidos pela ABNT NBR 10.151 e pela ABNT NBR 10.152, especificados nas Tabelas I e II dos Anexos I e II desta Lei.
(...)
Art. 10. Não se inclui nas proibições impostas pelo art. 7º a emissão de sons e ruídos produzidos:
I – por sirenes ou aparelhos de sinalização sonora utilizados por ambulância, carros de bombeiros ou viaturas policiais;
II – por explosivos utilizados em pedreiras e em demolições, desde que detonados no período diurno e com a devida licença dos órgãos ambiental e administrativo competentes;
III – por sinos de igrejas ou templos ou sons similares e de instrumentos litúrgicos utilizados no exercício de culto ou cerimônia religiosa, celebrados no recinto da sede e associação religiosa, desde que sirvam exclusivamente para indicar horas ou anunciar a realização de atos ou cultos religiosos. (grifo nosso).

Art. 14. Os ambientes internos de quaisquer estabelecimentos, exceto os de natureza religiosa, no caso de atividades sonoras potencialmente poluidoras, devem receber tratamento acústico nas instalações físicas locais para que possam atender aos limites de pressão sonora estabelecidos nesta Lei. (grifo nosso).


Colaciono a ementa do julgado que culminou na declaração de inconstitucionalidade da exceção veiculada no art. 14 da Lei 4.092/2008:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE EXPRESSÃO. LEI DISTRITAL 4.092/08. ATIVIDADES SONORAS POTENCIALMENTE POLUIDORAS. TRATAMENTO ACÚSTICO. OBRIGATORIEDADE. EXCEÇÃO PARA TEMPLOS RELIGIOSOS. INCONSTITUCIONALIDADE.
I - O pedido de inconstitucionalidade de expressão é adequado e cabível, porquanto decotadas as palavras "exceto os de natureza religiosa", permanece hígida a vontade do legislador e a plena conformidade do artigo com o corpo da lei.
II - Aos cidadãos, a Constituição Federal garante a liberdade de crença e assegura o livre exercício dos cultos religiosos, bem como a proteção aos locais a eles destinados e às suas liturgias.
III - A exceção prevista no art. 14 da Lei Distrital 4.092/08, que desobriga os templos religiosos de procederem ao isolamento acústico quando ultrapassado o limite legal de emissão de sons e ruídos, é inconstitucional. Violação aos arts. 16, inc. VI; 311 e 314, parágrafo único, inc. V, todos da LODF, porque: a) impede a Administração de zelar e combater a poluição em quaisquer de suas formas; b) desrespeita o interesse coletivo quanto à qualidade do meio ambiente e o bem-estar dos habitantes; c) contraria lei que estabelece o dever do Estado de preservação ambiental no tocante à emissão de sons e de ruídos; d) ofende os princípios da igualdade, impessoalidade e razoabilidade.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (20090020015645ADI, Relator VERA ANDRIGHI, Conselho Especial, julgado em 29/09/2009, DJ 30/11/2010 p. 73).


O Poder Legislativo Distrital, ao editar nova norma veiculando o mesmo conteúdo normativo já declarado inconstitucional, ampara-se na independência dos Poderes estatais, pois não fica vinculado à decisão proferida pelo Poder Judiciário em controle abstrato de constitucionalidade normativa.
Neste sentido, trago à baila entendimento preconizado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 2903:

(...). LEGISLAÇÃO QUE DERROGA DIPLOMA LEGAL ANTERIORMENTE SUBMETIDO À FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA – INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – A EFICÁCIA VINCULANTE, NO PROCESSO DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE, NÃO SE ESTENDE AO PODER LEGISLATIVO.
- A mera instauração do processo de controle normativo abstrato não se reveste, só por si, de efeitos inibitórios das atividades normativas do Poder Legislativo, que não fica impossibilitado, por isso mesmo, de revogar, enquanto pendente a respectiva ação direta, a própria lei objeto de impugnação perante o Supremo Tribunal, podendo, até mesmo, reeditar o diploma anteriormente pronunciado inconstitucional, eis que não se estende, ao Parlamento, a eficácia vinculante que resulta, naturalmente, da própria declaração de inconstitucionalidade proferida em sede concentrada. (...) (ADI 2903, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/12/2005, DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-01 PP-00064 RTJ VOL-00206-01 PP-00134). (grifo nosso).


Consigno que, nos moldes do art. 129, do RITJDFT, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões proferidas por este Conselho Especial nos processos objetivos de controle de constitucionalidade afetam apenas aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública do Distrito Federal, in litteris:

Art. 129. (...).
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição, e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública do Distrito Federal. (grifo nosso).


Desta feita, assiste ao Poder Legislativo Distrital o direito de reinserir no ordenamento jurídico norma cujo conteúdo já fora declarado inconstitucional, sendo que, nesta hipótese, será viável a propositura de nova ação objetiva de controle de constitucionalidade por parte dos legitimados, com ampla liberdade, por parte dos Julgadores, para novo exame de mérito.

Liberdade religiosa e de culto

A Carta Magna, ao tratar, no Título II, dos direitos e garantias fundamentais, assegura a liberdade de consciência e de crença, bem como o livre exercício dos cultos religiosos, in verbis:

Art. 5º (...)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. (grifo nosso).


Portanto, não se pode descurar que a liberdade religiosa cuida-se de direito fundamental, assegurado pela garantia constitucional do livre exercício de cultos religiosos.
Observo que os defensores da constitucionalidade do preceito legal impugnado (Presidente da Câmara Legislativa, Governador e Procurador-Geral do DF) empenharam-se em sustentar a liberdade religiosa de forma ampla, não admitindo qualquer restrição ao exercício do culto religioso.
Considero a questão de nodal relevância, mormente por observar que no julgamento da ADI 2009 00 2 001564-5 a divergência, expressada por número significativo dos eminentes Desembargadores (seis votos), fundou-se igualmente neste argumento.
Portanto, a discussão trazida novamente à baila, qual seja a extensão ou não aos estabelecimentos religiosos da limitação legal à poluição sonora, revela séria preocupação por parte dos três Poderes Distritais quanto à eventual indevida intromissão estatal na liberdade religiosa e de cultos.
É certo que qualquer intervenção do Estado nos direitos e garantias fundamentais deve ser revestida de motivação, razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de subversão de um dos pilares centrais do Estado Democrático de Direito, que é precisamente a defesa das liberdades fundamentais.
A religiosidade e a espiritualidade são valores que acompanham o ser humano desde os mais longínquos tempos, tendo assumido diferentes papéis e importâncias no curso da História e havendo registro de titulares do poder que impuseram crenças ou profissões de fé aos súditos e governados.
Assim, pela importância que a matéria representa em cada cidadão religioso, bem como pelos antecedentes históricos que revelam a indevida intervenção estatal nesta seara, é que qualquer restrição que se pretenda realizar no âmbito da religião e do culto há ser cuidadosamente analisada e somente será legítima se tiver o escopo de possibilitar a coexistência desta liberdade com outros direitos fundamentais.
A primeira observação que registro é que não há direitos absolutos, ilimitados e ilimitáveis. Assim, inviável admitir a irrestrita liberdade religiosa, alocando-a acima de todo e qualquer outro direito fundamental.
Consigno, outrossim, que a liberdade religiosa e de cultos religiosos encontra inúmeras restrições, inerentes ao sistema jurídico vigente, (exemplifico: não são admitidas práticas religiosas consistentes na prática de atos tipificados como crime).
Isto porque, sob a invocação da liberdade religiosa, inúmeros direitos fundamentais podem ser violados, quando, então, faz-se imperiosa a intervenção estatal e a ponderação dos direitos em conflito, estabelecendo limites a uns e aos outros, de tal sorte que nenhum seja anulado, mas que possam coexistir.
Este egrégio Tribunal de Justiça, em decisão proferida por este Conselho Especial, já declarou a inconstitucionalidade de tratamento diferenciado dispensado às instituições religiosas. Cito precedente:


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REJEITADA. LEI Nº 1.350/96. DISPENSA DA EXIGÊNCIA DE ALVARÁ PARA FUNCIONAMENTO DE TEMPLOS RELIGIOSOS. PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO DISTRITO FEDERAL. LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL VIOLADA.
1. Compete ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo distrital incompatível, em tese, com a Lei Orgânica do Distrito Federal.
2. Os locais destinados a cultos religiosos devem atender às normas relativas ao horário de funcionamento, zoneamento, edificação, higiene sanitária, segurança pública, segurança e higiene do trabalho e meio ambiente, como é exigido dos estabelecimentos comerciais, industriais e institucionais.
3. É inconstitucional a Lei nº 1.350/96, com o dispensar a exigência de alvará de funcionamento aos templos religiosos, por impedir ao Distrito Federal o exercício privativo do poder de polícia administrativa, bem assim por violação aos art. 19, caput; 117, caput; 314, caput e parágrafo único, incisos III, IV, V e VI, alínea a, da Lei Orgânica do Distrito Federal. (20020020014799ADI, Relator GETULIO PINHEIRO, Conselho Especial, julgado em 25/05/2004, DJ 17/08/2004 p. 78). (grifo nosso).


No caso em exame, é preciso sopesar: de um lado, a liberdade religiosa, e, de outro, o direito à saúde e ao meio ambiente sadio (neste se incluindo o direito ao sossego e à paz social).
Analisando o dispositivo impugnado, verifico que não aniquila, viola, restringe ou afeta a liberdade religiosa, mas unicamente traz limitação ao exercício do culto, visando assegurar a coexistência deste com outros direitos fundamentais.
Aliás, ouso afirmar que a restrição legal que se faz à pressão sonora do culto trata-se de limitação que visa assegurar até mesmo o livre exercício de culto por outro cidadão. Explico: sem a limitação da sonoridade de estabelecimentos religiosos, admite-se que o culto realizado em um local impeça ou atrapalhe o exercício do culto em local vizinho.
Não é difícil vislumbrar um estabelecimento religioso vizinho a outro. Neste caso, o estabelecimento dotado de maior aparelhagem de som ou com maior número de fiéis em coro pode prejudicar o culto vizinho, violando a garantia constitucional deste de livre culto? A postura do Estado há de ser meramente negativa, não intervindo jamais no exercício do culto; ou é preciso, em determinadas situações, ser positiva, restringindo um culto para que o outro também seja viabilizado?
Há, nesta situação hipotética, notório exemplo da imperiosidade da intervenção estatal na limitação do exercício de culto, para que outro possa ser executado em sua respectiva sede.
O pluralismo religioso de nosso país permite facilmente a ocorrência de outra situação na qual há necessidade de intervenção estatal no exercício do culto para prestigiar a mesma garantia fundamental de liberdade religiosa e exercício de culto: quando os vizinhos do estabelecimento religioso professam outra fé e querem exercer sua liberdade religiosa no seio de seus lares, mas são impedidos pelo volume sonoro da instituição religiosa vizinha.
Assim, sopesando a liberdade religiosa de um cidadão com a liberdade religiosa de outro, a garantia de livre culto de um com a garantia de livre culto de outro, resta indene de dúvidas a possibilidade e necessidade da intervenção estatal impondo limitações para que todas possam coexistir.
Resta analisar se a atuação do Estado, impondo limites ao exercício de culto para assegurar a coexistência do direito à liberdade religiosa com os direitos à saúde e ao meio ambiente sadio (com sossego e paz social), no caso, é legítima e, para tanto, é imprescindível que seja motivada, razoável e proporcional.

Princípios: motivação, razoabilidade e interesse público

A legitimidade dos atos administrativos e legislativos está subordinada ao cumprimento dos princípios que regem a Administração Pública, os quais se encontram explícitos no art. 19, da LODF, in litteris:

CAPÍTULO V
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Seção I
Das Disposições Gerais
Art. 19. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e interesse público, e também ao seguinte:
(...).(grifo nosso).


Com o escopo de garantir a paz social, a saúde e o meio ambiente saudável, a Lei Distrital 4.092/2008 estabeleceu normas gerais sobre o controle da poluição sonora e dispôs sobre os limites máximos de intensidade da emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais do Distrito Federal. Entretanto, excepcionou os estabelecimentos religiosos do dever de observância aos limites fixados.
Inicialmente, saliento que a motivação implícita do ato seria, conforme informações prestadas pelas autoridades responsáveis, a proteção absoluta do livre exercício de cultos religiosos. Entretanto, conforme já esposado, esta motivação não subsiste, conquanto não há direitos ilimitados e irrestringíveis.
Cuida-se, ainda, de exceção desprovida de razoabilidade e proporcionalidade. Explico.
Razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que está situado dentro dos limites aceitáveis.
O princípio da razoabilidade decorre do princípio constitucional expresso do devido processo legal, posto que, em sua noção material, reflete vedações ao Poder Legislativo à edição de atos normativos arbitrários ou irrazoáveis. Com espeque neste fundamento, o Supremo Tribunal Federal deferiu medida liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade, consoante consta na ementa do julgado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE CONCEDE GRATIFICAÇÃO DE FERIAS (1/3 DA REMUNERAÇÃO) A SERVIDORES INATIVOS - VANTAGEM PECUNIARIA IRRAZOAVEL E DESTITUIDA DE CAUSA - LIMINAR DEFERIDA.
- A norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de ferias correspondente a um terço (1/3) do valor da remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade que atua, enquanto projeção concretizadora da cláusula do "substantive due process of law", como insuperável limitação ao poder normativo do Estado. Incide o legislador comum em desvio etico-jurídico, quando concede a agentes estatais determinada vantagem pecuniária cuja razão de ser se revela absolutamente destituída de causa. (ADI 1158 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/1994, DJ 26-05-1995 PP-15154 EMENT VOL-01788-01 PP-00051). (grifo nosso).

Colaciono, outrossim, trecho do voto proferido pelo ilustre Ministro Relator Celso de Mello, didático na apresentação do princípio da razoabilidade como parâmetro constitucional à atuação do Poder Legislativo, in litteris:


Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável.
A essência do substantive due processo of Law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade e legislação que se revela opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. (Voto do Ministro Relator Celso de Mello, na ADI 1158-MC). (grifo nosso).


No caso em apreço, tenho que não é razoável conferir máxima proteção à liberdade de culto, impondo o sacrifício total dos outros direitos fundamentais.
O legislador distrital afastou-se do aceitável ao criar exceções para as instituições religiosas que, ao cabo, permitem que ofendam direitos de terceiros.
Menciono que o mesmo art. 10 da Lei 4.092/2008 contém outras duas exceções ao nível máximo de pressão sonora do art. 7º, entretanto, estas exceções são plenamente razoáveis, uma vez que se referem a situações emergenciais, nas quais o som em nível elevado é absolutamente necessário (inciso I), ou de impossível amenização (inciso II):

Art. 10. Não se inclui nas proibições impostas pelo art. 7º a emissão de sons e ruídos produzidos:
I – por sirenes ou aparelhos de sinalização sonora utilizados por ambulâncias, carros de bombeiros ou viaturas policiais;
II – por explosivos utilizados em pedreiras e em demolições, desde que detonados no período diurno e com a devida licença dos órgãos ambiental e administrativo competentes;


Acolho o entendimento da requerente no sentido que o dispositivo impugnado não é razoável ao equiparar os sons produzidos pelos sinos e instrumentos litúrgicos às sirenes ou aparelhos de sinalização sonora utilizados por ambulâncias, bombeiros e policiais.
O preceito questionado não é razoável, ainda, por permitir que a violação aos limites máximos de pressão sonora ocorra de forma reiterada ao longo do dia (já que podem ser empregados para indicar as horas ou anunciar a realização de atos ou cultos religiosos).
A exceção legal, sob exame, revela-se inconstitucional também por ser desproporcional.
A doutrina de José dos Santos Carvalho Filho elucida o princípio da proporcionalidade e seu tríplice fundamento:

O grande fundamento do princípio da proporcionalidade é o excesso de poder, e o fim a que se destina é exatamente o de conter atos, decisões e condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até mesmo pelos Poderes representativos do Estado. Significa que o Poder Público, quando intervém nas atividades sob seu controle, deve atuar porque a situação reclama realmente a intervenção, e esta deve processar-se com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim a ser atingido.
Segundo doutrina alemã, para que a conduta estatal observe o princípio da proporcionalidade, há de revestir-se de triplica fundamento: 1) adequação, significando que o meio empregado na atuação deve ser compatível com o fim colimado; 2) exigibilidade, porque a conduta deve ter-se por necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar o fim público, ou seja, o meio escolhido é o que causa o menor prejuízo possível para os indivíduos; 3) proporcionalidade em sentido estrito, quando as vantagens a serem conquistadas superarem as desvantagens. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumens Iuris, 2010, p. 45). (grifo nosso).


O dispositivo impugnado excluiu os estabelecimentos religiosos do dever legal de submissão ao nível máximo de pressão sonora permitido. Ora, a medida encontrada pelo legislador para proteger o meio ambiente sonoro sem afetar a liberdade religiosa e de culto evidencia-se inadequada, desnecessária e desproporcional em sentido estrito.
A submissão dos sons dos cultos religiosos aos limites de sonoridade legais não seria exigência excessiva e não configuraria privação ou restrição à liberdade religiosa, mas apenas imposição de adequação aos patamares sonoros entendidos como saudáveis ao meio ambiente e aos quais estão submetidos os demais estabelecimentos urbanos e rurais.
O benefício concedido às instituições religiosas não é adequado ao fim visado pela Lei 4.092/2008, qual seja propiciar um meio ambiente sadio. A medida, aliás, é contraria ao fim colimado, já que permite a poluição sonora de forma ilimitada por estabelecimentos religiosos.
Não se argumente que a medida seria adequada ao fim de preservar o livre exercício de culto, pois, conforme já demonstrado acima, o excesso de liberdade de um culto pode impedir ou obstar o livre exercício de culto por vizinhos.
A exceção legal impugnada não é necessária, pois não é preciso excepcionar os estabelecimentos religiosos da limitação sonora legal para viabilizar o exercício dos cultos ou preservar a liberdade religiosa. Todas as pregações, canções, instrumentos musicais, microfones e demais fontes de sons permanecem sendo livres, com a limitação apenas do volume.
Além da exceção legal não ser necessária, a extensão da limitação sonora aos estabelecimentos religiosos tem se revelado medida de extrema necessidade.
O Governador do DF afirmou que a matéria em questão “não constitui um gravame tão relevante a ponto de justificar-se a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal ora impugnado” (fl. 61).
Entretanto, não é este o sentimento daqueles que vivenciam diuturnamente a violação de seus lares ou ambientes de trabalho pelos ruídos causados por instituições religiosas.
O próprio Presidente da Câmara Legislativa do DF trouxe precedente no qual os moradores do Lago Sul se socorreram ao Poder Judiciário pleiteando a tutela estatal para proibir os badalos dos sinos da Paróquia São Pedro de Alcântara.
A liminar foi deferida pelo juiz de primeiro grau, por ter sido comprovado que os sinos ultrapassavam o limite legal de potência sonora. Em sede de Agravo de Instrumento, foi permitido o badalar dos sinos, já que provada sua adequação (no curso do processo) ao limite máximo legal, harmonizando o direito ao sossego e ao meio ambiente sadio com a liberdade de culto (20110020007123AGI, Relator JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, 6ª Turma Cível, julgado em 11/03/2011, DJ 24/03/2011 p. 243).
O precedente demonstra que o livre exercício do culto pode, sim, afetar direitos fundamentais dos vizinhos, reclamando a intervenção estatal.
No caso citado, os moradores de bairro nobre desta Capital federal, esclarecidos e dotados de capacidade financeira, se reuniram, contrataram advogado, buscaram e alcançaram uma solução razoável para o problema social.
O mesmo não se pode esperar de moradores de áreas menos privilegiadas, desprovidos de suporte técnico jurídico e recursos financeiros, que se vêem submetidos aos constantes infortúnios do barulho vizinho.
Portanto, para protegê-los em seus direitos fundamentais (direito à saúde e ao meio ambiente sadio) é necessária a intervenção estatal, regulando a questão no sentido de impedir a ultrapassagem da potência sonora máxima definida em lei – (e não, ao contrário, assegurando expressamente a desobediência a este limite).
Por fim, a exceção legal não é proporcional em sentido estrito, pois as vantagens deferidas a alguns (fiéis) não superam as desvantagens às quais são submetidos outros (vizinhos).
De fato, o sossego doméstico dos vizinhos pode estar sendo perturbado quando estes cuidam de bebês recém nascidos, estudam, repousam, restabelecem-se de doenças, despedem-se dos derradeiros momentos de vida, desfrutam de seus familiares e amigos ou, até mesmo, exercem seus próprios cultos religiosos, dentre outras atividades até mesmo sociais ou de trabalho (quando a concentração, em regra, é indispensável).
Por fim, verifico que o dispositivo impugnado é contrário ao interesse público, exatamente por submeter toda a vizinhança de estabelecimentos religiosos aos ruídos por estes produzidos, em nítido favorecimento do interesse privado de alguns, em prejuízo ao interesse público ao meio ambiente sadio, neste compreendidos o direito ao sossego e à paz social.
Com fulcro nestes fundamentos, concluo que o dispositivo impugnado não está revestido de motivação válida, razoabilidade (e proporcionalidade), e não prestigia o interesse público, sendo, portanto, verticalmente colidente com o art. 19 da LODF.

Direito à saúde

Se, de um lado, é certo que o direito à liberdade religiosa e ao livre exercício de cultos são direitos fundamentais, de outro lado, é igualmente certo que o direito à saúde é prerrogativa constitucional indisponível, sendo dever do Estado implementar políticas públicas que instrumentalizem este direito, consoante decisão do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. (AI 734487 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-06 PP-01220 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 158-162). (grifo nosso).

A LODF cuidou prever expressamente em seu texto o direito fundamental à saúde e o dever do Estado de viabilizá-la mediante a edição de políticas sociais, econômicas e ambientais que visem ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade. Confiram-se:

CAPÍTULO II
DA SAÚDE
Art. 204. A saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas sociais, econômicas e ambientais que visem:
I – ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade, à redução do risco de doenças e outros agravos; (grifo nosso)..


No caso em apreço, o direito à saúde está sob ameaça de violação, pois o debate versa sobre medida legal que autoriza a prática de condutas potencialmente lesivas à saúde pública, tão somente pela invocação do fim religioso.
A retirada da exceção legal veiculada pelo art. 10, inciso III, da Lei 4.092/2008, permitirá a incidência da regra geral contida no art. 7º do mesmo diploma, submetendo os estabelecimentos religiosos aos níveis máximos de pressão sonora definidos pelo poder público.
Conforme visto, não se trata de limitação odiosa ou inaceitável ao exercício do culto, ao contrário, irrazoável e desproporcional é a exceção a eles deferida.
Já a submissão dos vizinhos a constantes incômodos gerados pela invasão de seus domicílios, ambientes de trabalho ou de lazer pelo som excessivo (acima do limite legal), sem qualquer restrição de volume, horário e constância, significa restrição exagerada ao direito à saúde física e mental.
Assim, aplicando o princípio da harmonização dos direitos fundamentais horizontais e sopesando o direito ao livre culto com o direito à saúde, entendo que a incidência do art. 7º, da Lei 4.092/2008, também aos estabelecimentos religiosos, impondo singela restrição ao culto, é razoável e proporcional, sendo ilegal o dispositivo legal (art. 10, III, Lei 4.092/2008) que a impede.

Direito ao meio ambiente saudável

A LODF trata do tema meio ambiente, desde a fixação da competência comum para protegê-lo, passando pela expressa garantia a todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, até a imposição do dever ao poder público e à coletividade de preservá-lo, incluindo a previsão de edição de normas de proteção ambiental contra a poluição sonora. Confiram-se:

Seção II
Da Competência Comum
Art. 16. É competência do Distrito Federal, em comum com a União:
(...);
IV – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (grifo nosso).

CAPÍTULO XI
DO MEIO AMBIENTE
Art. 278. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Parágrafo único. Entende-se por meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Art. 279. O Poder Público, assegurada a participação da coletividade, zelará pela conservação, proteção e recuperação do meio ambiente, coordenando e tornando efetivas as ações e recursos humanos, financeiros, materiais, técnicos e científicos dos órgãos da administração direta e indireta, e deverá:
(...);
VI – exercer o controle e o combate da poluição ambiental;
(...)
XIII – promover medidas judiciais e administrativas necessárias para coibir danos ao meio ambiente, responsabilizados os servidores públicos pela mora ou falta de iniciativa;
(...)

Art. 311. As normas de preservação ambiental quanto à poluição sonora, fixando níveis máximos de emissão de sons e ruídos, de acordo com o local e a duração da fonte, serão estabelecidas na forma da lei, observada a legislação federal pertinente. (grifo nosso).


A importância do meio ambiente sadio foi brilhantemente destacada pela ilustre colega Desembargadora Vera Andrighi no julgamento da ADI 2009 00 2 001564-5, da qual era relatora. Assim, prestigiando o trabalho da admirável colega, peço as mais respeitosas venias para colacionar trecho do seu voto, integrando-o ao meu:


A preservação do meio ambiente urbano é medida de grande prioridade, notadamente em centros de crescimento acelerado, como o Distrito Federal.

Como lembra o ambientalista Harvey S. Perloff,

“(...) o interesse pela qualidade do meio ambiente urbano constitui, em grande parte, a convergência de outros dois temas públicos que se acham em plena evolução. Um deles é o interesse pela qualidade do meio ambiente natural: qualidade do ar, da água, áreas florestais e de outros recursos. O outro é o interesse pelo desenvolvimento de nossas comunidades urbanas: com todos os temas que entram na rubrica de uma planificação mais tradicional da cidade, mas centrada mais recentemente num interesse especial pelos seres humanos da cidade. A qualidade de vida de todas as pessoas que se reúnem nas comunidades urbanas está claramente influenciada por quanto suceda nos meios, natural e obra do Homem, que se acham diretamente interrelacionados” (A qualidade do meio ambiente urbano, p. 9).
(...)
Assentadas essas premissas, cumpre salientar que o ruído é um agente poluidor capaz de alterar o equilíbrio e a harmonia de qualquer ecossistema, subjugando a tranquilidade e o sossego, além de violar, em hipóteses mais extremas, a própria dignidade da pessoa humana. Ainda que possa ser considerado fenômeno tipicamente urbano, não deve merecer comportamento tolerante ou complacente do Poder Público.
(...)
No Brasil, a avaliação dos ruídos ambientais ganhou parâmetros objetivos a partir das regras editadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas. A Norma veiculada na NBR 10.152 (disponível em www.abnt.org.br) estabelece referenciais para que os níveis de som produzidos em aglomerações não afetem o conforto e o bem-estar da comunidade. A referida norma prescreve os decibéis admissíveis em hospitais, escolas, hotéis, residências, auditórios, restaurantes, escritórios, locais para esportes, igrejas e templos. Nos estudos técnicos da ABNT, a respeito do conforto acústico, os especialistas incluíram, sem ressalvas, os estabelecimentos de cunho religioso.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, instituído pela Lei 6.938/81 e vinculado ao respectivo Ministério, editou a Resolução nº 1/90, em que se outorga autoridade normativa à proposta da ABNT. Confira-se:

“O Conselho Nacional do Meio Ambiente resolve:
I – A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.
II – São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior, os ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.152 – Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas, visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT” (disponível em https://www.mma.gov.br)

Das normas que regem a matéria, portanto, infere-se que a preservação do ambiente social, com vistas a evitar a poluição sonora, é dever de todos. Eventual autorização legislativa que exonere determinada instituição da obrigação de atender os padrões de ruído estabelecidos, ou promover o respectivo tratamento acústico, deve estar amparada em exceção fundamentada, sob pena de afronta ao disposto no art. 311 da LODF. (Trecho do acórdão condutor do julgamento da ADI n.º 20090020015645, Relatora VERA ANDRIGHI, Conselho Especial, julgado em 29/09/2009, DJ 30/11/2010 p. 73).

Faço coro ao entendimento da eminente Desembargadora Vera Andrighi, pois igualmente considero que não há motivação suficiente para que os estabelecimentos religiosos sejam agraciados com a exceção legal veiculada pelo art. 10, inciso III, da Lei 4.092, que colide com a LODF, notadamente com o art. 311, segundo o qual, conforme transcrito acima, as normas combativas à poluição sonora devem ser fixadas de acordo com o local e a duração da fonte, sendo irrelevante se os fins são religiosos ou não.

Poder de polícia

Nos moldes do art. 15, inciso XIV, da LODF, o poder de polícia administrativa compete privativamente ao Distrito Federal:

Seção I
Da Competência Privativa
Art. 15. Compete privativamente ao Distrito Federal:
(...)
XIV – exercer o poder de polícia administrativa; (grifo nosso).

O poder de polícia consiste na prerrogativa do poder público de impor restrições às liberdades e/ou propriedades individuais, com fulcro em lei, promovendo-se o interesse coletivo em detrimento do particular.
Antes do advento do inciso III, do art. 10, da Lei 4.092/2008, através do exercício do poder de polícia seria possível à Administração Pública Distrital controlar os excessos cometidos pelos particulares que gerassem poluição sonora e ferissem direitos alheios e a coletividade, impondo limitações aos direitos individuais explorados com abuso.
Vê-se, desta forma, que a Lei 4.092/2008 regulou a sonoridade urbana e rural do DF visando impedir ou diminuir a poluição sonora, entretanto, criou um permissivo legal para os estabelecimentos religiosos, contrário a este fim, agravando a situação daqueles que se vêem incomodados pelos barulhos gerados por estas instituições – já que afastou o controle pelo poder de polícia.
Não obstante, não entendo que haja inconstitucionalidade do preceito questionado por violação ao art. 15, inciso XIV, da LODF. Isto porque, a competência privativa do Distrito Federal para exercer o poder de polícia administrativa não restou violada, já que o legislador apenas regulou matéria antes descoberta, o que também é uma faceta do poder de polícia, em sentido amplo:


A expressão poder de polícia comporta dois sentidos, um amplo e um restrito. Em sentido amplo, poder de polícia significa toda e qualquer ação restritiva aos direitos individuais. Sobrevela, nesse enfoque a função do Poder Legislativo, incumbido da criação do ius novum, e isso porque apenas as leis, organicamente consideradas, podem delinear o perfil dos direitos, estabelecendo ou reduzindo o seu conteúdo. (...).

Em sentido estrito, o poder de polícia se configura como atividade administrativa, que consubstancia, com vimos, verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade. É neste sentido que foi definido por RIVERO, que deu a denominação de polícia administrativa. Aqui se trata, pois, de atividade tipicamente administrativa e, como tal, subjacente à lei, de forma que esta já preexiste quando os administradores impõem a disciplina e as restrições aos direitos. (...).(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumens Iuris, 2010, p. 83). (grifo nosso).


No caso, a mera edição de ato normativo limitando a atuação do poder de polícia administrativa não configura violação a este princípio da Administração Pública.
Note-se que a norma contida no art. 7º, da Lei 4.092/2008 igualmente afasta o poder de polícia, já que regula objetivamente a questão quando impõe a submissão dos estabelecimentos urbanos e rurais do DF aos níveis máximos de pressão sonora definidos pelas autoridades competentes.
Ao ser afastado o art. 10, inciso III, da Lei 4.092/2008 do ordenamento jurídico, por vício de inconstitucionalidade, haverá a incidência do art. 7º da mesma Lei, e, nem por isso, haverá falar-se em violação ao poder de polícia.

Princípios da política urbana

A requerente aduz que o dispositivo impugnado estaria colidente com princípios da política urbana insculpidos na LODF.
Em regra, não compete ao Poder Judiciário interferir na formação ou execução de políticas públicas; no entanto, estão sujeitas ao controle de constitucionalidade, sob pena de distorção do princípio da separação de poderes, concebido para a proteção dos direitos fundamentais. Cito precedentes:


(...) 5. Como regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade. Precedentes do STJ. (...). (REsp 1179115/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 12/11/2010).


(...) 3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais.
4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada.
5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial.
6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. (...). (REsp 1041197/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 16/09/2009)


No caso em tela, sobressai claro que a exceção legal deferida aos estabelecimentos religiosos conflita com os princípios entabulados na LODF como diretivos das polícias urbanas, violando direitos fundamentais, o que permite o controle de constitucionalidade.
Consoante preconizado pela LODF, as políticas urbanas devem estar afinadas em um conjunto de medidas que promovam a melhoria da qualidade de vida e devem estar calcadas, dentre outros, nos seguintes princípios: justa distribuição de benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; prevalência do interesse coletivo sobre o individual; e combate a todas as formas de poluição. Ademais, a função social da propriedade urbana, conforme a LODF, é preenchida quando, dentre outros valores, é protegido o meio ambiente.
Confiram-se os dispositivos da LODF:


CAPÍTULO II
DA POLÍTICA URBANA
Art. 314. A política de desenvolvimento urbano do Distrito Federal, em conformidade com as diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantido o bem-estar de seus habitantes, e compreende o conjunto de medidas que promovam a melhoria da qualidade de vida, ocupação ordenada do território, uso dos bens e distribuição adequada de serviços e equipamentos públicos por parte da população.
Parágrafo único. São princípios norteadores da política de desenvolvimento urbano:
(...);
III – a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;
IV – a manutenção, a segurança e a preservação do patrimônio paisagístico, histórico, urbanístico, arquitetônico, artístico e cultural, considerada a condição de Brasília como Capital Federal e Patrimônio Cultural da Humanidade;
V – a prevalência do interesse coletivo sobre o individual e do interesse público sobre o privado;
(...);
X – o combate a todas as formas de poluição;
XI – o controle do uso e da ocupação do solo urbano, de modo a evitar:
a) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
b) (...).
Art. 315. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende a exigências fundamentais de ordenação do território, expressas no plano diretor de ordenamento territorial, planos diretores locais, legislação urbanística e ambiental, especialmente quanto:
(...);
III – à proteção ao patrimônio histórico, artístico, paisagístico, cultural e ao meio ambiente. (grifo nosso).

A isenção das instituições religiosas aos limites legais de sonoridade impostos em favor do meio ambiente sadio, nitidamente contraria aos citados princípios que devem nortear as políticas urbanas.
ISTO POSTO, julgo procedente o pedido para declarar, com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes, a inconstitucionalidade material do inciso III, do art. 10, da Lei Distrital n.º 4.092/2008, por incompatibilidade vertical com a Lei Orgânica do Distrito Federal.
É o voto.

O Senhor Desembargador JOÃO MARIOSI – Vogal

Senhor Presidente, retorno a uma questão anterior e digo que o Tribunal de Justiça não tem competência para julgar este tipo de ação, por falta de previsão na Constituição Federal.
No específico, não sei como poderia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que abrange a questão de som ser ex tunc ou ex nunc, porque o som é uma onda, e essa onda não tem governo — pelo menos, era assim que se ensinava em física aplicada. Uma vez emitida, já não volta ao local de origem. O som como o vento só existem, se estiverem em movimento. É o Panta rei helênico. A proibição se possível, somente se realiza com o futuro, nem ex tunc ou ex nunc. Talvez fosse essa modulação ensinada pelo Ministro Pertence, pois as leis seriam constitucionais até o momento em que se as declarasse como inconstitucionais.
No caso em questão, em instrumentos litúrgicos, a palavra deve estar no sentido conotativo e não denotativo, porque litúrgico — leiton orgós — é trabalho do povo. Ora, a matéria, pelo menos do que escutei da Tribuna, fez uma remessa à Constituição Federal, que é mais um motivo para se dizer que não pode ser decidido em campo estadual, mesmo porque a Justiça candanga é uma Justiça Federal com jurisdição estadual, como está hoje na polêmica de diversas mensagens colocadas em porcentagem de custo na justiça.
Assim, peço vênia ao eminente Relator e digo que é improcedente o pedido e que a lei é regular.


O Senhor Desembargador ROMÃO C. OLIVEIRA – Vogal

Senhor Presidente, a cuidar apenas de sinos, teríamos o limite e a norma geral de que todas as cidades têm igrejas com sinos. Mas, quando se colocam instrumentos litúrgicos no dispositivo, cria-se uma dificuldade, porque aqui poderão colocar que o alto-falante é um instrumento da liturgia de determinado segmento.
Uma dessas dificuldades, de que não se tem um controle prévio de quais são os instrumentos, é que parece que fora lançada, exatamente, para contornar decisão anteriormente tomada por este Colegiado.
Com essas considerações, penso que o eminente Relator cuidou atentamente de todos os ângulos da questão, e por isso acompanho S. Ex.a.

O Senhor Desembargador DÁCIO VIEIRA – Vogal

Tenho voto escrito com entendimento igual ao do eminente Relator.
Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao viso de declarar a inconstitucionalidade do inciso III do artigo 10 da Lei distrital nº 4.092, de 30 de janeiro de 2008, inserido pela Lei distrital nº 4.523, de 13 de dezembro de 2010, em face dos artigos 15, inciso XIV, 16, inciso IV, 19, caput, 117, caput, 204, inciso I, 278, § único, 279, incisos VI e XXIII, 311, 314, § único e incisos III, IV, V, X e XI, alínea ‘a’, e 315, inciso III, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, haja vista que, no seu entender, eivada de vício material de inconstitucionalidade.
Sustenta o autor, em suma, que “o referido dispositivo constitui (...) tentativa de se contornar a decisão proferida nos autos da ADI 2009.00.2.001564-5 (...), fere igualmente os princípios da legalidade, de isonomia, da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade, da motivação e do interesse público, expressos no art. 19 da LODF” inviabilizando “o exercício do controle e do combate à poluição sonora eventualmente gerada pelos sinos, instrumentos litúrgicos e sons similares produzidos pelos templos” (fl. 07). Aduz que “a previsão constante do dispositivo impugnado no sentido de que os sinos e sons similares dos templos ‘sirvam exclusivamente para indicar as horas ou anunciar a realização de atos ou cultos religiosos’ leva à conclusão de que a inobservância dos limites máximos de pressão sonora ocorrerá de forma reiterada ao longo de todo o dia, em flagrante prejuízo à qualidade de vida da população circunvizinha”(fl. 08).
Por fim, sustenta que “considerando que questão semelhante já foi objeto de análise pelo Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que reafirmou a sujeição dos templos às exigências legais relativas ao funcionamento de todo e qualquer estabelecimento, bem como ao poder de polícia administrativa, impõe-se a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo impugnado” (fl. 09).
A Câmara Legislativa, em suas informações, assevera que “o que há de se atentar no caso em questão é a especial proteção que a Constituição Federal defere à liberdade de religião. Desde a Constituição de 1824 a liberdade de culto é protegida, e o mesmo ocorre na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso VI, em especial a proteção aos locais de culto e suas liturgias.” Sustenta, pois, a constitucionalidade da norma.
O Governador do Distrito Federal argumenta que “o postulado da proporcionalidade deve ser aplicado com extremo cuidado pelo Poder Judiciário quando do exame da validade de normas legais. (...) é preciso reconhecer a circunstância de que o postulado constitucional da proporcionalidade – na qualidade de parâmetro de controle de validade dos atos normativos e mecanismo decisório – deve ser aplicado de forma bastante cautelosa, respeitando-se, dentro do possível, as escolhas políticas legitimamente realizadas pelo legislador quando optou pela potencialização de um dado direito em detrimento de outro.”
Por fim destaca que o “Poder Legislativo considerou razoável excluir os sinos de igrejas ou templos ou sons similares e de instrumentos litúrgicos utilizados no exercício de culto ou cerimônia religiosa, celebrados no recinto da sede e associação religiosa, desde que sirvam exclusivamente para indicar as horas ou anunciar a realização de atos ou cultos religiosos.”
O Procurador-Geral do Distrito Federal sustenta que “tendo presente a natureza das atribuições outorgadas à Cortes Constitucionais, torna-se evidente que a elas não compete examinar a conveniência e a oportunidade de escolhas políticas feitas pelo poder público no exercício de suas atribuições. Decidiu-se por eximir as instituições religiosas do cumprimento de uma dada obrigação legal, buscando conferir especial tutela a um relevante direito fundamental. Restrições de outros direitos houve, mas elas não são desproporcionais.”
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios manifestou-se pela procedência do pedido.
A propósito, a norma impugnada tem o seguinte teor, verbis:

LEI Nº 4.092, DE 30 DE JANEIRO DE 2008
(Autoria do Projeto: Deputado Wilson Lima)
Dispõe sobre o controle da poluição sonora e os limites máximos de intensidade da emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais no Distrito Federal.
O VICE-GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, NO EXERCÍCIO DO CARGO DE GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL,
Faço saber que a Câmara Legislativa do Distrito Federal decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
(...)
Art. 10. Não se inclui nas proibições impostas pelo art. 7º a emissão de sons e ruídos produzidos:
(...)
III – por sinos de igrejas ou templos ou sons similares e de instrumentos litúrgicos utilizados no exercício de culto ou cerimônia religiosa, celebrados no recinto da sede e associação religiosa, desde que sirvam exclusivamente para indicar as horas ou anunciar a realização de atos ou cultos religiosos. (Inciso acrescido pela Lei nº 4.523, de 13/12/2010.)


Como visto, a Lei distrital nº 4.092, de 30 de janeiro de 2008, dispõe sobre o controle de poluição sonora e os limites máximos de intensidade de emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais no Distrito Federal.
Na hipótese, ao permitir o Legislador a não observância dos limites máximos de intensidade da emissão de sons e ruídos, como seja, da pressão sonora proveniente de sinos de igreja e instrumentos litúrgicos, imunizando-os de fiscalização, induvidosamente fere os princípios da legalidade, isonomia, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, motivação e do interesse público, inviabilizando, ademais, o pleno combate à poluição sonora, desiderato visado pela norma.
Vale destacar, como bem assinalado pela d. Procuradoria de Justiça, que o próprio “artigo 311 da LODF deixa claro que as ‘normas de preservação ambiental quanto à poluição sonora’ serão fixadas ‘ de acordo com o local e a duração da fonte’, independentemente da atividade desenvolvida pelo estabelecimento, de forma a fazer prevalecer o ‘interesse coletivo sobre o individual e o interesse público sobre o privado’ (art. 314, V).
Ademais, não se pode olvidar que por ocasião do julgamento da ADI 2009.00.2.001564-5, restou reconhecido por essa Corte Especial que a exceção prevista no art. 14 da Lei distrital em tela,“que desobriga os templos religiosos de procederem ao isolamento acústico quando ultrapassado o limite legal de emissão de sons e ruídos, é inconstitucional. (...) porque: a) impede a Administração de zelar e combater a poluição em quaisquer de suas formas; b) desrespeita o interesse coletivo quanto à qualidade do meio ambiente e o bem-estar dos habitantes; c) contraria lei que estabelece o dever do Estado de preservação ambiental no tocante à emissão de sons e de ruídos; d) ofende os princípios da igualdade, impessoalidade e razoabilidade” (Conselho Especial, Rel. Des. Vera Andrighi, DJ 30/1/2010 , Reg. AC. 400736).
E, ainda, em outra oportunidade, que “os locais destinados a cultos religiosos devem atender às normas relativas ao horário de funcionamento, zoneamento, edificação, higiene sanitária, segurança pública, segurança e higiene do trabalho e meio ambiente, como é exigido dos estabelecimentos comerciais, industriais e institucionais” (Conselho Especial, ADI 2002002001479-9, Rel. Des. Getúlio Pinheiro, DJ 17/08/2004, Reg. Ac. 195469).
Assim, como salientado pela Procuradoria de Justiça, “apesar de o Poder Legislativo, (...) não estar vinculado às decisões judiciais proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade, conforme alegado pelo Presidente da Câmara Legislativa distrital, a jurisprudência construída deve, sim ter um caráter orientador da produção legislativa, sob pena de se incidir reiteradamente em idênticos vícios de inconstitucionalidade”(fl. 82).
Já em última análise, vale registrar que a Constituição da República assegura ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”(art. 5º,VI, CF). Não se mostra, contudo, razoável que os congregantes de templos religiosos, sob o fundamento da liberdade religiosa, adotem padrões de uso incompatíveis com emissão reiterada de sons e ruídos acima dos limites tolerados por lei, em detrimento da qualidade de vida da população circunvizinha, a ser observado, igualmente, por todas as atividades sociais e econômicas exercidas nas áreas de convivência da coletividade.
Infere-se, pois, que tal excepcionalidade intentada pelo legislador distrital, fere, com efeito, o disposto nos artigos 15, inciso XIV, 16, inciso IV, 19, caput, 117, caput, 204, inciso I, 278, § único, 279, incisos VI e XXIII, 311, 314, § único e incisos III, IV, V, X e XI, alínea ‘a’, e 315, inciso III, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, a configurar vício material de inconstitucionalidade.
Feitas, pois, essas considerações, a dar substrato a este voto, julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do inciso III, do artigo 10 da Lei distrital 4.092, de 30 de janeiro de 2008, inserido pela Lei distrital 4.523, de 13 de dezembro de 2010, com efeitos ex tunc erga omnes.
É como voto.

O Senhor Desembargador MARIO MACHADO – Vogal

De acordo com o eminente Relator.


O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT – Vogal

Admito o processamento da presente ação, eis que presentes todos os pressupostos de admissibilidade.
Com o advento da Lei 9.868/99, que dispôs sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, alterou-se o art. 8º da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal (Lei 8.185, de 14 de maio de 1991), para determinar a aplicação das mesmas normas do processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta perante o Supremo Tribunal Federal ao processo da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face de sua Lei Orgânica (art. 30, § 5º). O inciso III do mesmo dispositivo prevê ainda a competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios ou de seu órgão especial para julgar essas ações. Acresça-se que a Constituição Federal preceitua, no capítulo destinado ao Poder Judiciário – seção reservada à competência dos Tribunais e Juízes dos Estados – que “cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão” (art. 125, § 2º). Ora, se o Distrito Federal, em face do art. 32, § 1º, da mesma Carta Magna, acumula as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios, fácil concluir que, por força do princípio da simetria, a ele se aplica a mesma regra com relação às leis ou atos normativos em face de sua Lei Orgânica.
A jurisprudência deste Tribunal é pacífica acerca do tema. Confiram-se, a propósito, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2000.00.2.00591-3, relator Des. Romão Cícero Oliveira, 2001.00.2.002964-7, relator Des. Jeronymo de Souza e ADI 2004.00.2.006492-6, relator Des. Mario Machado.
Rejeito, pois, a preliminar suscitada pelo eminente Desembargador Mariosi.
Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradora-Geral de Justiçado Distrito Federal e Territórios, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do inciso III do artigo 10 da Lei Distrital 4.092, de 30 de janeiro de 2008,inserido pela Lei Distrital 4.523, de 13 de dezembro de 2010, com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes.
A autora aduz que o referido dispositivo, que excepciona os sinos de igrejas ou sons similares e de instrumentos litúrgicos utilizados no exercício de culto ou cerimônia religiosa dos limites de pressão sonora permitidos em ambientes internos e externos, é materialmente inconstitucional, eis que afronta os artigos 15, inciso XIV; 16, inciso IV; 19, caput; 117, caput; 204, inciso I; 278, parágrafo único; 279, incisos VI e XXIII; 311; 314, parágrafo único e incisos III, IV, V, X e XI, alínea a; e 315, inciso III, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal.
O Presidente da Câmara Legislativa, o Governador do Distrito Federal e o Procurador-Geral do Distrito Federal prestaram as informações de fls. 36/48, 50/62 e 64/73, respectivamente, pugnando pela improcedência da ação.
A douta Procuradoria de Justiça oficiou pelo conhecimento da ação e procedência do pedido (fls. 75/83).
Para melhor deslinde da causa, mister transcrever a norma ora impugnada, in verbis:

LEI Nº 4.092, DE 30 DE JANEIRO DE 2008
(Autoria do Projeto: Deputado Wilson Lima)
Dispõe sobre o controle da poluição sonora e os limites máximos de intensidade da emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais no Distrito Federal.
(...)
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1ºEsta Lei estabelece as normas gerais sobre o controle da poluição sonora e dispõe sobre os limites máximos de intensidade da emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais no Distrito Federal.
(...)
Art. 7ºO nível máximo de pressão sonora permitido em ambientes internos e externos e os métodos utilizados para sua medição e avaliação são os estabelecidos pela ABNT NBR 10.151 e pela ABNT NBR 10.152, especificados nas Tabelas I e II dos Anexos I e II desta Lei.
§ 1º Os níveis de pressão sonora deverão ser medidos de acordo com a ABNT NBR 10.151.
§ 2º Quando a fonte emissora estiver em uma zona de uso e ocupação diversa daquela de onde proceder a reclamação de incômodo por suposta poluição sonora, serão considerados os limites de emissão estabelecidos nesta Lei para a zona de onde proceder a reclamação.
§ 3º Escolas, creches, bibliotecas, hospitais, ambulatórios, casas de saúde ou similares deverão comprovar devido tratamento acústico, visando ao isolamento do ruído externo, para adequação do conforto acústico, conforme os níveis estabelecidos pela ABNT NBR 10.152, ressalvado o disposto no art. 28 desta Lei.
§ 4º Quando o nível de pressão sonora proveniente do tráfego ultrapassar os padrões fixados por esta Lei, caberá ao órgão responsável pela via buscar, com a cooperação dos demais órgãos competentes, os meios para controlar o ruído e eliminar o distúrbio.
§ 5º Independentemente do ruído de fundo, o nível de pressão sonora proveniente da fonte emissora não poderá exceder os níveis fixados na Tabela I (Anexo I), que é parte integrante desta Lei.
(...)
Art. 10. Não se inclui nas proibições impostas pelo art. 7º a emissão de sons e ruídos produzidos:(...)
III – por sinos de igrejas ou templos ou sons similares e de instrumentos litúrgicos utilizados no exercício de culto ou cerimônia religiosa, celebrados no recinto da sede e associação religiosa, desde que sirvam exclusivamente para indicar as horas ou anunciar a realização de atos ou cultos religiosos. (Inciso acrescido pela Lei nº 4.523, de 13/12/2010.)(...) (grifei).

De início, é importante ressaltar que a retirada do inciso impugnado, no caso de procedência do pedido que ora se examina, não trará prejuízos para o texto legal que subsistirá, pois com ele não possui relação de dependência.
Além disso, com a declaração parcial de inconstitucionalidade que ora se pleiteia, a lei continuará guardando correspondência com a vontade do legislador, que é controlar a poluição sonora; não com a abrangência inicial, mas com a abrangência possível, nos moldes que Lei Orgânica do Distrito Federal permite.
No presente caso, está patente o conflito entre os princípios constitucionais da livre manifestação religiosa e da supremacia do interesse público. Nessas situações, como nenhum direito fundamental é absoluto, deve o Judiciário decidir pela prevalência de um em detrimento de outro, utilizando-se da proporcionalidade.
Aplicando-se o princípio da ponderação de valores no caso ora em análise, a supremacia do interesse público, que apregoa a paz e a tranquilidade da população, deve preponderar, pois os ruídos emitidos pelas igrejas ou templos religiosos não podem ser considerados imunes à intervenção do Estado, sob pena de violação aos postulados da legalidade, impessoalidade, moralidade, razoabilidade, motivação e interesse público, insculpidos no art. 19 da Carta local , bem como à igualdade.
Ademais, o Estado deve preservar a ordem pública e assegurar o bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade, utilizando seu pode de polícia para controlar e o combater a poluição sonora, nos moldes dos artigos 15, inciso XIV; 16, inciso IV; 204, inciso I; 278, parágrafo único; 279, incisos VI e XXIII; 311, caput; 314, parágrafo único, incisos III, V, X e XI; 315, inciso III, da Lei Orgânica do Distrito Federal.
Registre-se que este eg. Tribunal, no julgamento da ADI 2009.00.2.001564-5, julgou procedente o pedido, por maioria, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “exceto os de natureza religiosa” do caput do artigo 14 da mesma lei em exame, por desobrigar os templos religiosos de procederem ao isolamento acústico quando ultrapassado o limite legal de emissão de sons e ruídos, conforme a seguinte ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE EXPRESSÃO. LEI DISTRITAL 4.092/08. ATIVIDADES SONORAS POTENCIALMENTE POLUIDORAS. TRATAMENTO ACÚSTICO. OBRIGATORIEDADE. EXCEÇÃO PARA TEMPLOS RELIGIOSOS. INCONSTITUCIONALIDADE.
I – O pedido de inconstitucionalidade de expressão é adequado e cabível, porquanto decotadas as palavras “exceto os de natureza religiosa”, permanece hígida a vontade do legislador e a plena conformidade do artigo com o corpo da lei.
II – Aos cidadãos, a Constituição Federal garante a liberdade de crença e assegura o livre exercício dos cultos religiosos, bem como a proteção aos locais a eles destinados e às suas liturgias.
III – A exceção prevista no art. 14 da Lei Distrital 4.092/08, que desobriga os templos religiosos de procederem ao isolamento acústico quando ultrapassado o limite legal de emissão de sons e ruídos, é inconstitucional. Violação aos arts. 16, inc. VI; 311 e 314, parágrafo único, inc. V, todos da LODF, porque: a) impede a Administração de zelar e combater a poluição em quaisquer de suas formas; b) desrespeita o interesse coletivo quanto à qualidade do meio ambiente e o bem-estar dos habitantes; c) contraria lei que estabelece o dever do Estado de preservação ambiental no tocante à emissão de sons e de ruídos; d) ofende os princípios da igualdade, impessoalidade e razoabilidade.
IV – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.(Rel. Des. VERA ANDRIGHI, Conselho Especial, j. em 29.09.2009, DJ-e de 30.11.2010, p. 73).

No julgamento, o entendimento da e. Desembargadora Vera Andrighi, relatora da ação direta, foi acompanhado pela maioria dos Pares, nos seguintes termos:

(...) Restringir a emissão de sons a bem da coletividade não é violar a liberdade de consciência ou de crença, tampouco afrontar o livre exercício dos cultos religiosos ou vulnerar os locais de suas liturgias. A limitação dos níveis de ruído e a exigibilidade de tratamento acústico dos estabelecimentos, por outro lado, não são meios de intervenção na estrutura interna corporis das entidades religiosas, mas tão somente instrumentos para prevenir violações a direitos de terceiros.

Ainda que se adotasse, por hipótese, o entendimento de que, assim agindo, o Estado interferiria na estrutura das organizações religiosas, tal premissa hipotética não teria o condão de induzir à ilegalidade, pois, conforme já ressaltado, os direitos religiosos, como todos os outros direitos preservados pelo ordenamento jurídico, não são absolutos.
(...)
Embora a Constituição prescreva, no inc. VI do art. 5º, o respeito ao culto e suas liturgias, não defere preponderância de tal garantia sobre os demais direitos fundamentais. Como evidência de que os valores públicos e privados, quando contrapostos, devem ser ponderados, observe-se que o inc. VIII do mesmo artigo da CF determina que ninguém poderá invocar motivo de crença religiosa para eximir-se de obrigação legal a todos imposta ou descumprir prestação alternativa fixada em Lei, o que denota a existência de limites para o exercício dos cultos e de suas liturgias no âmbito da sociedade.

O argumento de que o simples zoneamento urbano seria eficaz para prevenir conflitos decorrentes da poluição sonora é inadequado, haja vista o sério desafio, hoje imposto ao Distrito Federal, de controlar a ocupação do solo em desconformidade com o Plano Diretor. Como notório, são instalados templos em diversas localidades, sem a observância das regras urbanísticas de zoneamento.
(...)
Do princípio da igualdade
A igualdade assegurada constitucionalmente a todos os brasileiros no art. 5º, caput, da CF consiste em tratar de modo igualitário os que se encontram em situações idênticas e equiparar, por vias interventivas, os que foram preteridos pela desigualdade. Não é consectário do princípio em análise a absoluta planificação das relações sociais, pois a orientação desse postulado está direcionada à garantia da efetiva isonomia material.

Desde que almeje o restabelecimento da igualdade, ao legislador é facultado assegurar vantagens, direitos, benefícios e até privilégios aos cidadãos ou às instituições. Não sendo essa a motivação, a lei deve ser aplicada de maneira uniforme, sob pena de violação ao art. 19 da LODF, que prescreve obediência aos princípios da impessoalidade e da razoabilidade, entre outros.
(...)
Excepcionar, portanto, a igualdade formal, decorrente de direitos fundamentais, exige a plausibilidade dos motivos determinantes. E diferenciações ponderadas podem ser encontradas até mesmo na Constituição. Observe-se, por oportuno, que, com relação aos templos religiosos, está consolidada, na esfera tributária, a imunidade aos impostos, que se fundamenta na necessidade de diferenciar os que atuam pela vocação religiosa daqueles que simplesmente almejam o lucro da atividade empresarial.
Quando o art. 150, inc. VI, alínea b, da CF diz que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto, não fixa privilégio arbitrário, mas apenas limita o poder de tributar do Estado, em razão de peculiar circunstância, segundo a qual o exercício de atividades altruístas ou desvinculadas de uma finalidade lucrativa merece comedida complacência tributária.

Todavia, não se considera cabível tal distinção em face de norma restritiva que busca coibir a poluição sonora em proveito de toda a sociedade. Nesse contexto, é patente a violação ao princípio da isonomia, porquanto inexiste justa causa para ressalvar os que se dedicam à atividade religiosa. Afinal, o legislador ordinário não pode diferenciar os administrados com base em simples predileção.
(...)
O art. 16, inc. IV, da Lei Orgânica atribui ao Distrito Federal, em comum com a União, a competência para combater a poluição em qualquer de suas formas. O art. 279, inc. VI, do mesmo diploma impõe ao Poder Público o dever de exercer o controle e o combate à poluição ambiental. No art. 314, parágrafo único, inc. X, da LODF, está consignado que é princípio norteador da política de desenvolvimento urbano o combate a todas as formas de poluição.

Nesses termos, traduz inequívoca violação aos preceitos instituídos na Lei Orgânica do Distrito Federal a inclusão de ressalva, carente de fundamentação jurídica, que autoriza os estabelecimentos de natureza religiosa a não promover o tratamento acústico de suas instalações físicas, mesmo quando exerçam atividades sonoras potencialmente poluidoras.(...).

Assim, como a restrição à emissão de sons em nome do direito coletivo de um ambiente saudável não atinge nenhuma das três vertentes da liberdade de crença, consistentes no poder de escolha da religião, na liberdade de orar e praticar os atos próprios de suas manifestações e na liberdade de estabelecimento e idealização das igrejas, o inciso III deve ser declarado inconstitucional.
Nesse sentido já se manifestou esta eg. Corte de Justiça. Confira-se:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REJEITADA. LEI Nº 1.350/96. DISPENSA DA EXIGÊNCIA DE ALVARÁ PARA FUNCIONAMENTO DE TEMPLOS RELIGIOSOS. PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO DISTRITO FEDERAL. LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL VIOLADA.
...omissis...
2. Os locais destinados a cultos religiosos devem atender às normas relativas ao horário de funcionamento, zoneamento, edificação, higiene sanitária, segurança pública, segurança e higiene do trabalho e meio ambiente, como é exigido dos estabelecimentos comerciais, industriais e institucionais.
3. É inconstitucional a Lei nº 1.350/96, com o dispensar a exigência de alvará de funcionamento aos templos religiosos, por impedir ao Distrito Federal o exercício privativo do poder de polícia administrativa, bem assim por violação aos art. 19, caput; 117, caput; 314, caput e parágrafo único, incisos III, IV, V e VI, alínea a, da Lei Orgânica do Distrito Federal. ADI 2002.00.2.001479-9, Rel. Des. GETÚLIO PINHEIRO, Conselho Especial, DJ 17/08/2004, pág. 78).
Por fim, vale acrescentar que tem razão o Presidente da Câmara Legislativa ao afirmar que o Poder Legislativo não está vinculado às decisões judiciais proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade, mas, como asseverou o d. Parquet, “a jurisprudência construída deve, sim, ter um caráter orientador da produção legislativa, sob pena de se incidir reiteradamente em idênticos vícios de inconstitucionalidade, como no caso dos autos” .
Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade material do inciso III do artigo 10 da Lei 4.092, de 30 de janeiro de2008, com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes.
É como voto.

O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ – Vogal

Senhor Presidente, peço vênia ao eminente Desembargador João Mariosi para discordar de sua preliminar.
Com relação ao mérito, acompanho S. Ex.a, pedindo as mais respeitosas vênias ao eminente Relator e aos eminentes Pares que o acompanharam.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA – Vogal

Senhor Presidente, peço vênia ao eminente Desembargador João Mariosi, mas rejeito a preliminar levantada por S. Ex.a e, no mérito, divirjo, acompanhando o voto do eminente Relator, pedindo licença para sufragar os fundamentos nele contidos.

A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL – Vogal

Com o eminente Relator, com a devida vênia.

O Senhor Desembargador WALDIR LEÔNCIO JÚNIOR – Vogal

Acompanho o eminente Relator.

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS – Vogal

Acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA – Vogal

Com a devida vênia do Desembargador João Mariosi e daqueles que o acompanham, acompanho in totum o voto do eminente Relator.


A Senhora Desembargadora NÍDIA CORRÊA LIMA – Vogal

Peço vênia ao eminente Relator para acompanhar o eminente Desembargador João Mariosi, quanto ao mérito, mas rejeitando a preliminar arguida de ofício.

A Senhora Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE – Vogal

Senhor Presidente, também vou acompanhar o eminente Relator, pedindo vênia aos que divergiram.
No contexto do modelo dirigente adotado pela nossa Lei Orgânica, temos que as direções a serem seguidas para a atividade dos poderes governamentais, ainda que demandem etapas sucessivas para a regência de casos concretos, já têm uma eficácia imediata, paralisante da legislação anterior, que com elas contrastam, e inibitórias da atividade legislativa, de tal sorte que não venham a ser consideradas como piedosas cartas de intenções, e sim com força normativa para efetiva regência da organização político-administrativa e social desta unidade da federação.
Com essas breves considerações, acompanho o eminente Relator.

A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI –Vogal

Com o Relator.

O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI – Vogal

Peço vênia para acompanhar o eminente Relator.


O Senhor Desembargador OTÁVIO AUGUSTO – Presidente e Vogal

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral de Justiça do Distrito Federal que, com base nos artigos 15, inciso XIV; 16, inciso IV; 19, caput; 117, caput; 204, inciso I; 278, parágrafo único; 279, incisos VI e XXIII; 311; 314, parágrafo único, incisos III, IV, V, X e XI, e alínea “a” e 315, inciso III, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, questiona a constitucionalidade do inciso III do artigo 10 da Lei Distrital nº. 4.092/2008, que dispõe sobre o controle da poluição sonora e os limites máximos de intensidade da emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais no Distrito Federal.
A requerente alega que o dispositivo impugnado: a) visa contornar a decisão proferida no julgamento da ADI 2009 00 2 001564-5, que declarou a inconstitucionalidade material de trecho do artigo 14 da Lei Distrital ora em comento; b) é desprovido de razoabilidade e de motivação na instituição de privilégios, pois equipara os sons produzidos pelos sinos e instrumentos litúrgicos às sirenes ou aparelhos de sinalização sonora utilizados por ambulâncias, bombeiros e policiais, bem como permite que a violação aos limites máximos de pressão sonora ocorram de forma reiterada ao longo do dia; c) fere os princípios insculpidos no artigo 19 da LODF; d) inviabiliza o controle e o combate à poluição sonora eventualmente gerada por sinos, instrumentos litúrgicos e similares produzidos pelos templos; e) viola o direito à saúde e ao meio ambiente sadio; e f) afronta os princípios relativos ao desenvolvimento urbano.
Requer seja declarada a inconstitucionalidade do inciso III do artigo 10 da Lei Distrital nº. 4.092/2008, com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes.
Inicialmente, analisa-se a alegação da requerente de que a presente ação visa contornar a decisão proferida no julgamento da ADI 2009 00 2 001564-5, que declarou a inconstitucionalidade material de trecho do artigo 14 da Lei Distrital ora em comento.
Sem razão a requerente.
O efeito vinculante previsto nas ações de controle de constitucionalidade ocorre apenas em relação à Administração Pública do Distrito Federal e aos demais órgãos do Poder Judiciário, nos moldes do art. 129, RITJDFT, não atingindo, portanto, o próprio Tribunal de Justiça, que, em determinadas circunstâncias, poderá rever suas decisões, assim como o legislador, que poderá editar uma nova lei com conteúdo material idêntico ao do texto normativo declarado inconstitucional.
Se assim não fosse, ocorreria o que o STF, em nível federal, convencionou chamar de “fenômeno da fossilização da constituição”, pois, uma vez julgada a matéria em sede de controle de constitucionalidade, não poderia o Poder Legislativo editar nova lei regulando a matéria, mesmo que houvesse alterações no mundo fático que autorizassem, num momento futuro, aquelas disposições contidas na lei outrora declarada inconstitucional.
Sobre o assunto, Rui Medeiros afirma que:

[...] no que tange ao inconcebível fenômeno da “fossilização da constituição”, a conseqüência é particularmente grave: as constituições, enquanto planos normativos voltados para o futuro, não podem de maneira nenhuma perder a sua flexibilidade e abertura. Naturalmente e na medida do possível, convém salvaguardar a continuidade dos standards jurisprudenciais: alterações de rota, decisões overruling demasiado repentinas e brutais contrastam com a própria noção de jurisdição. A percepção da continuidade como um valor não deve, porém, significar uma visão petrificada da jurisprudência ou uma indisponibilidade dos tribunais para atender às solicitações provenientes do ambiente (MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 827).

Nesse passo, o Poder Legislativo é dotado de autonomia para inovar o direito e disciplinar as relações sociais, podendo, inclusive, revisar temas e assuntos já apreciados em sede de controle de constitucionalidade.
Bem a propósito, colaciona-se o julgado abaixo:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei estadual. Tributo. Taxa de segurança pública. Uso potencial do serviço de extinção de incêndio. Atividade que só pode sustentada pelos impostos. Liminar concedida pelo STF. Edição de lei posterior, de outro Estado, com idêntico conteúdo normativo. Ofensa à autoridade da decisão do STF. Não caracterização. Função legislativa que não é alcançada pela eficácia erga omnes, nem pelo efeito vinculante da decisão cautelar na ação direta. Reclamação indeferida liminarmente. Agravo regimental improvido. Inteligência do art. 102, § 2º, da CF, e do art. 28, § único, da Lei federal nº 9.868/99. A eficácia geral e o efeito vinculante de decisão, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, só atingem os demais órgãos do Poder Judiciário e todos os do Poder Executivo, não alcançando o legislador, que pode editar nova lei com idêntico conteúdo normativo, sem ofender a autoridade daquela decisão. (Rcl 2617 AgR / MG, Relator Min. CEZAR PELUSO, Julgamento: 23/02/2005 , Órgão Julgador: Tribunal Pleno) (grifou-se).

Dessa forma, não restam dúvidas que o dispositivo declarado inconstitucional por esta Corte, por ocasião do julgamento da ADI 2009 00 2 001564-5, possui conteúdo idêntico ao dispositivo ora impugnado; todavia, tal fato não constitui empecilho para que o Poder Legislativo Distrital edite nova norma veiculando o mesmo conteúdo que outrora fora declarado inconstitucional, em virtude da independência dos Poderes Estatais, não ficando vinculado à decisão proferida pelo Poder Judiciário em controle abstrato de constitucionalidade normativa.
Noutro passo, com relação à inconstitucionalidade do inciso III do artigo 10 da Lei Distrital nº. 4.092/2008, razão assiste à requerente.
A liberdade religiosa é um direito fundamental consagrado na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso VI. Todavia, essa liberdade constitucional não permite excessos como o do inciso ora impugnado. Explica-se.
Primeiramente, vale registrar que não há direitos absolutos, ilimitados. Assim, inviável admitir a irrestrita liberdade religiosa, colocando-a acima de todo e qualquer outro direito fundamental. Segundo, deve-se sopesar, de um lado, a liberdade religiosa e, de outro, o direito à saúde, ao meio ambiente sadio e até mesmo à liberdade religiosa de outras crenças vizinhas, para que não sejam perturbadas por ruídos elevados de outro culto.
Sopesando os direitos acima, verifica-se que não viola a liberdade religiosa a limitação ao exercício do culto, reduzindo os níveis de poluição sonora, visando à coexistência daquele direito com o direito ao meio ambiente sadio.
A Lei Orgânica do Distrito Federal tutela a proteção ao meio ambiente urbano, em seu art. 314, nos seguintes termos:

Art. 314. Apolítica de desenvolvimento urbano do Distrito Federal, em conformidade com as diretrizes gerais fixadas em Lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo o bem-estar de seus habitantes.

No mesmo sentido, o art. 278 da LODF estabelece como direito fundamental o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Nesses termos, é sabido que o ruído é um agente poluidor capaz de alterar o equilíbrio e a harmonia de qualquer ecossistema, subjugando a tranquilidade e o sossego dos que vivem em sociedade. Assim, não pode o Poder Judiciário permitir tal violação, ao argumento de se proteger o direito à liberdade de culto.
Sobre o tema, colaciona-se trecho do voto da Desembargadora Vera Andrighi na ADI nº. 2009 00 2 001564-5:

A Lei Orgânica do Distrito Federal, a propósito, preconiza em seu art. 311:
“As normas de preservação ambiental quanto à poluição sonora, fixando níveis máximos de emissão de sons e ruídos, de acordo com o local e duração da fonte, serão estabelecidos na forma da Lei, observada a legislação federal pertinente”.

No Brasil, a avaliação dos ruídos ambientais ganhou parâmetros objetivos a partir das regras editadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas. A Norma veiculada na NBR 10.152 (disponível em www.abnt.org.br) estabelece referenciais para que os níveis de som produzidos em aglomerações não afetem o conforto e o bem-estar da comunidade. A referida norma prescreve os decibéis admissíveis em hospitais, escolas, hotéis, residências, auditórios, restaurantes, escritórios, locais para esportes, igrejas e templos. Nos estudos técnicos da ABNT, a respeito do conforto acústico, os especialistas incluíram, sem ressalvas, os estabelecimentos de cunho religioso.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, instituído pela Lei 6.938/81e vinculado ao respectivo Ministério, editou a Resolução nº 1/90, em que se outorga autoridade normativa à proposta da ABNT. Confira-se:

O Conselho Nacional do Meio Ambiente resolve:
I – A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.
II – São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior, os ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.152 – Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas, visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. (disponível em https://www.mma.gov.br)

Das normas que regem a matéria, portanto, infere-se que a preservação do ambiente social, com vistas a evitar a poluição sonora, é dever de todos. Eventual autorização legislativa que exonere determinada instituição da obrigação de atender os padrões de ruído estabelecidos, ou promover o respectivo tratamento acústico, deve estar amparada em exceção fundamentada, sob pena de afronta ao disposto no art. 311 da LODF.

Assim, a invocação do direito à liberdade religiosa é inadequada para justificar a constitucionalidade do dispositivo impugnado.
Além do mais, conforme já mencionado, no caso em comento, há a colisão de dois direitos fundamentais, quais sejam a liberdade de crença e o direito coletivo a um ambiente saudável. A existência de dois direitos fundamentais em conflito resolve-se com a técnica da ponderação de valores. Assim, no presente caso, devem prevalecer a paz e a tranquilidade pública, até porque restringir a emissão de sons a bem da coletividade não é violar a liberdade de consciência ou de crença, tampouco afrontar o livre exercício dos cultos religiosos.
Noutro passo, assim como o direito à liberdade religiosa, o direito à saúde é um direito fundamental, uma prerrogativa constitucional indisponível, sendo dever do Estado implementar políticas públicas que instrumentalizem esse direito, evitando, desse modo, a poluição sonora exacerbada, nos termos do art. 278 e 279 da LODF.
Por fim, o dispositivo impugnado é contrário, também, ao interesse público, pois submete toda a vizinhança aos ruídos produzidos pelas entidades religiosas, com o nítido favorecimento do interesse privado de alguns em detrimento do interesse público ao meio ambiente sadio, nele compreendidos o direito ao sossego e à paz social.
Pelos fundamentos expostos, JULGA-SE PROCEDENTE o pedido para declarar, com eficácia erga omnes e efeito ex tunc, a inconstitucionalidade do inciso III do artigo 10 da Lei Distrital nº. 4.092, de 30 de janeiro de 2008 (inserido pela Lei Distrital nº. 4.523, de 13 de dezembro de 2010).

DECISÃO

AFASTADA A PRELIMINAR. POR MAIORIA. JULGOU-SE PROCEDENTE A AÇÃO. POR MAIORIA.

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