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Noticiar fato de interesse público não significa difamação

A 6ª Câmara de Direito Civil do TJ negou recurso da empresa Comercial de Bebidas Volpato Ltda., em ação indenizatória formulada contra o jornal Notisul, de Tubarão, por conta de matérias em que a distribuidora foi citada como sonegadora de impostos. As duas reportagens, publicadas entre 20 e 24 de setembro de 2003, apresentavam os seguintes títulos: “Empresários denunciados por sonegação de R$ 1,8 milhão” e “ Denúncia de sonegação passa de R$ 6,3 milhões”.

21/9/2011


Imprensa

Noticiar fato de interesse público não significa difamação

A 6ª câmara de Direito Civil do TJ/SC negou recurso da empresa Comercial de Bebidas Volpato Ltda., em ação indenizatória formulada contra o jornal Notisul, de Tubarão, por conta de matérias em que a distribuidora foi citada como sonegadora de impostos. As duas reportagens, publicadas entre 20 e 24/9/03, apresentavam os seguintes títulos: "Empresários denunciados por sonegação de R$ 1,8 milhão" e "Denúncia de sonegação passa de R$ 6,3 milhões".

Os sócios da empresa, inconformados com a improcedência da ação em 1º grau, recorreram ao TJ. Alegaram que as informações divulgadas eram inverídicas e que as matérias trouxeram sérios prejuízos à imagem da distribuidora. Acrescentaram, ainda, que jamais foram procurados pelo periódico para dar sua versão sobre o assunto. Para o desembargador Ronei Danielli, relator da matéria, o pleito não merece provimento. Isso porque o jornal se ateve à denúncia do MP e, em nenhum momento, usou expressões que pudessem denegrir a imagem da empresa. O magistrado também destacou que a advogada da distribuidora foi ouvida e teve sua opinião divulgada nas matérias.

"Cumpre salientar revestir-se a função jornalística desempenhada pelos apelados de salutar importância no âmbito social e, por essa mesma razão, encontra respaldo constitucional, podendo ser livremente exercida. Nesse passo, penalizar e reprimir a manifestação do pensamento consignada nos respectivos instrumentos jornalísticos representaria, na verdade, forma de ocultar e cercear o acesso à informação de acontecimentos de inegável interesse público", anotou o relator. A decisão foi unânime.

Veja abaixo a decisão.

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Apelação Cível n. 2008.063783-2, de Tubarão

Relator: Des. Ronei Danielli

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA ACERCA DE SUPOSTA SONEGAÇÃO FISCAL PRATICADA PELA EMPRESA E SEUS SÓCIOS, AUTORES DA DEMANDA. MERA DESCRIÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES E DENÚNCIA INTENTADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ANIMUS CALUNIANDI INEXISTENTE. LIBERDADE DE IMPRENSA CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADA (ART. 5º, INCISO IV, C/C ART. 220, DA CF). INOCORRÊNCIA DE DANO MORAL, QUE SÓ SE CONFIGURA DIANTE DA PROVA DE MÁ-FÉ DO RESPONSÁVEL PELA VEICULAÇÃO OU DO ABUSO DE DIREITO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NESSE SENTIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

"[...] Tenho enfatizado, nesta Corte, em inúmeros julgamentos, que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica - por mais dura que seja - revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima, como sucedeu na espécie, da uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (cf, art. 5° IV, C/C o art.220).

Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de busca à informação,(c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar [...]"

(Supremo Tribunal Federal. AI n. 705.630 AgR/SC, Min. Celso de Mello, DJe de 05.04.2011).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.063783-2, da comarca de Tubarão (2ª Vara Cível), em que são apelantes Comercial de Bebidas Volpato Ltda, Jacinto Volpato, Ângelo Volpato e Ademar Volpato, e apelado Jornal Notícias do Sul Ltda Notisul:

A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas na forma da lei.

O julgamento, realizado no dia 1º de setembro de 2011, foi presidido pelo relator, com voto, e dele participaram o Exmo. Sr. Des.Stanley da Silva Braga e a Exmª. Srª. Desª. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt.

Florianópolis, 02 de setembro de 2011.

Ronei Danielli

RELATOR

RELATÓRIO

Comercial de Bebidas Volpato Ltda, Jacinto Volpato, Ângelo Volpato e Ademar Volpato promoveram perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Tubarão ação de indenização por ato ilícito em face de Jornal Notícias do Sul Ltda Notisul e Joyce dos Santos.

Diante do insucesso na citação da segunda requerida (fl. 52), pugnaram os autores pela desistência do feito em relação a ela (fl. 55), o que fora deferido (fl. 57).

Durante a instrução processual, foram ouvidas duas testemunhas. A sentença julgou improcedente o pedido, condenando os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 3.000,00 (três mil reais).

Irresignados, os autores apelaram, apresentando os seguintes argumentos: a) as afirmações contidas nas reportagens publicadas pelo réu dariam conta de notícias inverídicas, especialmente a existência de denúncia que não havia sido proposta; b) essas mesmas matérias causaram "sérios prejuízos à imagem da empresa autora, prejudicando sua credibilidade perante clientes, fornecedores e empregados, bem como instituições financeiras e à própria empresa cujos produtos são distribuídos pela autora, exclusivamente"; c) a prova oral produzida pelo réu nada trouxe de novo aos autos; d) a sentença, embora tenha considerado confessos os autores em razão do não comparecimento à audiência de instrução, não teria enunciado sobre qual matéria fática especificamente teria havido a respectiva confissão; e) os autores jamais foram procurados pelo apelado para exercer seu direito de defesa e apresentarem sua versão sobre os fatos.

Houve contrarrazões e os autos ascenderam a esta Corte Estadual de Justiça.

Esse é o relatório.

VOTO

Versam os autos sobre matéria jornalística publicada sobre a empresa autora e seus respectivos sócios, que, contendo informações supostamente inverídicas, ter-lhes-ia ocasionado dano extrapatrimonial.

O magistrado, por não "identificar na hipótese a alegada conduta antijurídica, bem como o dano moral", julgou improcedente o pedido, tendo os autores se insurgido por meio de interposição do presente recurso.

Sem razão, no entanto, os recorrentes.

Não obstante tenha o julgador de primeiro grau se detido longamente na existência de confissão por parte dos apelantes em função do não comparecimento à audiência de instrução e julgamento, penso que a resolução da contenda nem mesmo careceria perpassar por tal aspecto. O cerne da questão está em se apurar a existência ou não de reportagem ofensiva à honra dos autores, capaz de lhes proporcionar efetivamente o aventado abalo moral.

A apuração da responsabilidade civil deve perpassar pela conjugação de três elementos, quais sejam, o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade. O ato ilícito, por sua vez, deriva da culpa ou do abuso de direito do agente, que acaba, com sua conduta, ocasionando um dano, passível de reparação (arts. 186 e 187 do Código Civil).

Pois bem. Desume-se do caderno processual que a empresa apelante e seus sócios atuavam, à época dos fatos, no ramo de distribuição de bebidas, possuindo considerável porte econômico.

As reportagens impugnadas foram alvo de manchete em duas oportunidades com os seguintes títulos (fls. 24/27):

1) "Empresários denunciados por sonegação de R$ 1,8 milhão" - jornais dos dias 20 e 21 de setembro de 2003;

2) "Denúncia de sonegação passa de R$ 6,3 milhões" - jornal do dia 24 de setembro de 2003.

Em que pese veicularem as referidas matérias fatos de grande impacto, sobressai nítido o intento único de informar, pois não se vislumbra nas expressões utilizadas a transposição dos limites admitidos e lesão a qualquer direito da personalidade.

Bem se denota que as notícias vêm embasadas em aparato documental fornecido pelo órgão do Ministério Público, o que fora confirmado pelo próprio Promotor de Justiça, em depoimento prestado durante a instrução processual (fls. 181/186).

Observa-se, portanto, a todo momento a preocupação da jornalista responsável pela publicação em indicar as fontes e não incutir qualquer opinião pessoal sobre o acontecido, o que pode ser identificado pela corrente utilização das expressões: "suspeita de fraude", "supostas irregularidades", "conforme a denúncia".

Além disso, a versão dos acusados foi também divulgada no periódico e, inclusive, as providências por ele tomadas, pois até mesmo a advogada de defesa fora procurada e explicou sua avaliação sobre o caso, revelando as medidas adotadas (fl. 27). Verifica-se que houve o cuidado não só em expor o contexto tal como narrado pelo órgão acusador, como a visão da parte adversa, que procurava se defender dos apontamentos levantados.

Ora, é de somenos importância a existência ou não de denúncia na data das reportagens, visto que efetivamente houve uma investigação e a apresentação de denúncia sobre os fatos. Ademais, conforme destacado pelo magistrado de primeiro grau, as certidões acostadas pelos próprios apelantes revelam a distribuição de representação criminal em 23.09.2003, ou seja, em data proxima à publicação dos periódicos.

Nesse passo, penalizar e reprimir a manifestação do pensamento consignada nos respectivos instrumentos jornalísticos representaria, na verdade, forma de ocultar e cercear o acesso à informação, pela população local, de acontecimentos de inegável interesse público.

Cumpre salientar revestir-se a função jornalística desempenhada pelos apelados de salutar importância no âmbito social e, por essa mesma razão, encontrar respaldo constitucional (art. 5, inciso IV, c/c art. 220, da CF), podendo ser livremente exercida.

Assim, somente haverá abalo moral quando efetivamente demonstrada a má-fé do responsável pela veiculação dos escritos ou, ainda, o exercício abusivo do direito, o que certamente não ocorreu na hipótese.

Em brilhante decisão, o Ministro Celso de Mello assentou no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 705.630/SC, Supremo Tribunal Federal, DJe de 05.04.2011, cujo excerto se colaciona:

[...] Tenho enfatizado, nesta Corte, em inúmeros julgamentos, que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica - por mais dura que seja - revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima, como sucedeu na espécie, da uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (cf, art. 5° IV, C/C o art.220).

Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de busca à informação,(c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.

A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas. [...]
Do mesmo modo, já decidiu esta Corte de Justiça em situação similares:

1) Apelação Cível n. 2009.052158-7, Segunda Câmara de Direito Civil, Relator Des. Luiz Carlos Freyesleben, DJe de 19.08.2010:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE NOTÍCIA INFORMANDO A PRISÃO DO AUTOR POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ANIMUS CALUNIANDI INEXISTENTE. MERA DESCRIÇÃO DA OCORRÊNCIA POLICIAL. AGENTE EFETIVAMENTE CONDENADO, NA ESFERA CRIMINAL, PELA PRÁTICA DO CRIME A ELE IMPUTADO. PREVALÊNCIA DA LIBERDADE DE IMPRENSA. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. [...]

"A simples reprodução, por empresa jornalística, de informações constantes na denúncia feita pelo Ministério Público ou no boletim policial de ocorrência consiste em exercício do direito de informar" (STJ, Ministra Nancy Andrighi), mormente se o autor é efetivamente condenado, com decisão transitada em julgado, na esfera criminal. [...].

2) Apelação Cível n. 2010.086257-3, Primeira Câmara de Direito Civil, Relator Des. Carlos Prudêncio, DJe de 21.03.2011:

APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. VEICULAÇÃO DE INFORMAÇÕES SUPOSTAMENTE OFENSIVAS À MEMÓRIA DO PAI DO AUTOR. INOCORRÊNCIA. NARRATIVA DE FATOS EMBASADOS EM DOCUMENTAÇÃO FARTA.

"Sabe-se que a liberdade de imprensa é vital à prática da democracia, sendo garantida constitucionalmente, sendo que, no caso dos autos, não houve qualquer excesso na reportagem produzida pela ré. A matéria jornalística se ateve a narrar fatos (animus narrandi), não estando configurada a responsabilidade civil por ofensa à honra, e sim exercício regular do direito de informação garantido constitucionalmente.

O conteúdo da reportagem está longe de evidenciar a prática ilícita contra a honra subjetiva do autor e seu pai, sendo meramente informativa e trazendo informações de interesse da coletividade, e em sintonia com o direito de informação previsto nos artigos 5º, XIV e 220, da Constituição Federal. Desta forma, não faz o autor jus a qualquer indenização" (Juiz de Direito Dr. Marcelo Pizolati, fl. 80).

EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PRERROGATIVA DO VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO DE NOTICIAR FATOS DE INTERESSE PÚBLICO. AUSÊNCIA DE ANIMUS INJURIANDI OU DIFAMANDI. PLEITO INDENIZATÓRIO QUE NÃO MERECE ACOLHIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO.

"No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido por meio da imprensa tem lugar tão somente ante a ocorrência deliberada de injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (animus criticandi) ou a narrar fatos de interesse coletivo (animus narrandi), está sob o pálio das 'excludentes de ilicitude' (art. 27 da Lei n. 5.250/67), não se falando em responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do direito de informação" (Min. Jorge Scartezzini). (AC n. 2004.025094-0, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, DJ de 05.12.2007).

Destarte, não comprovada a má-fé ou abuso de direito por parte do responsável pela veiculação da matéria, é de se afastar o pleito indenizatório.

Nega-se, portanto, provimento ao recurso.

Esse é o voto.

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