"Oh loco meu"
Justiça do RJ diz que paródia é um costume do entretenimento e nega ação movida pela Globo contra a Record
No processo, a Globo sustentou que a Record estaria violando direitos marcários e autorais e praticando concorrência desleal, por realizar paródias de algumas de suas obras – em específico as de Ana Maria Braga e Fausto Silva, realizadas na Record respectivamente pelos humoristas Tom Cavalcante e Pedro Manso.
Já a Record alegou que a paródia é lícita e que vem sendo executada dentro dos limites da lei autoral. Além disso, a emissora argumentou que tais atos não constituiriam concorrência desleal, inexistindo também violação de lei marcária.
De acordo com a sentença, primeiramente, cabe conceituar o que consiste concorrência desleal. "Configura-se concorrência desleal os atos que, repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários ao uso honesto do comércio, sejam suscetíveis de causar prejuízo a empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela."
E, no caso em questão, segundo a decisão, "a análise da prova carreada e dos argumentos trazidos demonstram inexistir qualquer tipo de concorrência desleal por parte da ré. Na verdade, o motivo da lide consiste na irresignação da parte autora com as paródias que a ré vem fazendo em relação aos programas 'Mais Você' e 'Domingão do Faustão".
Ainda de acordo com a sentença, "impedir que a ré continue a fazer paródias em seus programas humorísticos significa não apenas violar norma especial expressa (artigo 47 da lei 9.610/98), como também incorrer em manifesto ato de censura e violação a um dos mais importantes bens do ser humano: o direito de se expressar de forma livre".
A Record foi defendida neste caso pelos advogados Marco Aurélio Lima Cordeiro e Edinomar Luis Galter.
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Processo : 0152937-46.2007.8.19.0001
Leia abaixo a sentença na íntegra
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Processo nº: 0152937-46.2007.8.19.0001 (2007.001.149140-4)
Sentença
Vistos. Trata-se de ação de obrigação de fazer, pelo rito ordinário, ajuizada por GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S.A. em face de RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S.A., requerendo, em sede de antecipação de tutela, que a ré se abstenha de promover imitações no programa Show do Tom. Postula, ainda, a condenação da parte ré em se abster de prosseguir com as práticas ilícitas, bem como indenização pelos prejuízos causados à parte autora, sem prejuízo dos ônus sucumbenciais. Alega a autora em sua inicial (fls. 02/14, documentos fls. 15/43) que a parte ré, durante o programa apresentado pelo comediante Tom Cavalcante, vem realizando paródias de seus programas e de seus profissionais contratados com exclusividade, com clara intenção de se locupletar com os investimentos realizados. Argui que as imitações têm o intuito de denegrir a imagem dos profissionais parodiados, bem como dos programas que apresentam na emissora. Acrescenta, também, que a reprodução da marca constitui violação ao direito de propriedade.
A ré por sua vez, em sede de contestação (fls.54/79, com documentos de fls. 80/103), sustenta que a sua conduta se enquadra na seara da paródia, a qual é perfeitamente admitida e de acordo com o direito de liberdade e expressão, garantidos pela CRFB/88. Argumenta, ainda, que a paródia que inclui o nome dos programas não viola lei marcária, posto que o programa com obra audiovisual protegida por direito autoral tem o seu titulo sujeito ao mesmo regramento e, portanto, parodiável em conexão com a obra. A parte ré juntou cópia do Laudo Técnico de degravação (fls. 110/129) de entrevista com a apresentadora Ana Maria Braga, do programa 'Mais Você'.
O pedido de tutela antecipada (fls. 155) foi indeferido. Em réplica, manifestou-se a parte autora (fls. 159/171). A parte autora interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão de fls. 155 (fls. 175/199), tendo sido negado provimento ao recurso (fls. 201/202).
Em apenso, exceção de incompetência, onde, após seu acolhimento, houve reforma da decisão em sede recursal para fixar a competência deste juízo.
É O RELATÓRIO. EXAMINADOS, DECIDO.
Partes capazes, legítimas e devidamente representadas. Juízo competente, não havendo suspensão ou impedimento. Pedido jurídico possível, sendo a tutela jurídica postulada adequada à prestação deduzida. Passo a sentenciar o feito.
Em sua ação a Globo sustenta que a Record estaria praticando concorrência desleal por realizar paródias de algumas de suas obras, alegando, ainda, violações de direitos marcários e autorais. Em sua defesa, a Record alega que a paródia é lícita, destacando que vem sendo executada dentro dos limites da lei autoral. Além disso, argumenta que tais atos não constituiriam concorrência desleal,inexistindo também violação de lei marcária.
Primeiramente, cabe conceituar o que consiste concorrência desleal, vez que este é um dos argumentos deduzidos pela parte autora. Configura-se concorrência desleal os atos que, repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários ao uso honesto do comércio, sejam suscetíveis de causar prejuízo a empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela. Com efeito, o ato de concorrência desleal importa numa apreciação de fato, sujeita ao exame do caso concreto que se coloca a frente do julgador. E isso ocorre devido às dificuldades que se encontra nos conceitos abertos de lealdade, bons costumes, usos e costumes honestos no comércio.
No caso em questão, a análise da prova carreada e dos argumentos trazidos demonstram inexistir qualquer tipo de concorrência desleal por parte da ré. Na verdade, o motivo da lide consiste na irresignação da parte autora com as paródias que a ré vem fazendo em relação aos programas 'Mais Você' e 'Domingão do Faustão. Portanto, a solução da demanda não deve ser feita sob o enfoque da lei 9.279/96, a qual trata de concorrência desleal.
Na verdade, o deslinde da questão deve ser feito à luz da lei 9.610/98, a qual trata de direito autoral, disciplinando as paráfrases e paródias em seu artigo 47.
Nesta esteira, resta claro que, ao realizar paródias, pratica a ré conduta lícita, uma vez que o direito a paródia é um costume do entretenimento, sendo previsto pelo art. 47 da Lei de Direitos Autorais, que dispõe: Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
Note-se que o surgimento do aludido dispositivo guarda ligação direta com o art. 220 da CRFB/88, o qual prevê o direito a liberdade de expressão. Isso significa que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição.
Portanto, impedir que a ré continue a fazer paródias em seus programas humorísticos significa não apenas violar norma especial expressa (artigo 47 da lei 9.610/98), como também incorrer em manifesto ato de censura e violação a um dos mais importantes bens do ser humano: o direito de se expressar de forma livre.
Frise-se, por oportuno, que o direito que assiste a ré não é absoluto, sendo passível de limitação. Entretanto, isso só seria possível caso restasse demonstrado ao longo do processo que houve abuso de direito, fazendo com que o uso indevido da liberdade de expressão fosse transmudado em ato ilícito. Todavia, não trouxe a parte autora nenhuma prova neste sentido. Aliás, as únicas fitas que constam nos autos foram juntadas pela parte ré, merecendo destaque a fita onde a apresentadora da Rede Globo, Ana Maria Braga, aprova e admira a paródia objeto da ação. Nesta esteira, resta igualmente afastada a tese de que as imitações denigrem a imagem dos profissionais que apresentam ou dos programas por eles apresentados.
Aliás, em uma análise mais purista da questão, não seria a autora parte legítima para propor a tutela dos direitos de imagens dos apresentadores, nos termos do artigo 92 da lei 9.610/98, que dispõe: Art. 92. Aos intérpretes cabem os direitos morais de integridade e paternidade de suas interpretações, inclusive depois da cessão dos direitos patrimoniais, sem prejuízo da redução, compactação, edição ou dublagem da obra de que tenham participado, sob a responsabilidade do produtor, que não poderá desfigurar a interpretação do artista.
Por conseqüência, forçoso que se conclua que a ré não extrapolou os limites impostos pelo artigo 47 Lei de Direitos Autorais, não havendo, pois, que se falar em lesão a bem juridicamente tutelado.
Assim, inviável que se determine que a ré se abstenha de fazer paródias em seus programas.
De igual modo, é lícita a conduta da ré que confere aos respectivos quadros nomes que façam alusão ao programa parodiado, fato que é inerente a tal maneira de se expressar.
No mesmo passo, inexistindo ato ilícito fale o direito à obtenção de qualquer tipo de indenização, seja material ou moral. De qualquer modo, mesmo que assim não fosse, doutrina e jurisprudência entendem que o dano material deve ser individualizado e comprovado nos autos, o que não ocorreu no caso, não havendo nem ao menos prova de que teria ocorrido.
Posto isso, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, para extinguir o processo, com resolução do mérito, consoante o artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento de custas e honorários de sucumbência, que fixo em 10% por cento do valor da causa.
Cumpridas as formalidades legais e transitado em julgado, dê-se baixa e arquive-se. P.R.I
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