Contrato
STJ - Seguradora não pode extinguir unilateralmente contrato renovado por 30 anos
A segurada ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de liminar. Na ação, alegou ter firmado contrato de seguro com a Sul América há mais de 30 anos, e que, desde então, vinha pagando regularmente o valor do seguro contratado, sendo o contrato renovado anualmente de forma automática e readequado em 1999, por imposição da seguradora, com emissão de nova apólice.
Segundo ela, em julho de 2006, foi surpreendida com uma notificação enviada pela seguradora, informando que o contrato de seguro estaria extinto a partir de setembro, por conta da impossibilidade de manutenção dos termos contratados, sendo facultado à ela a contratação de um novo seguro, com redução das coberturas anteriormente contratadas e aumento do valor dos prêmios a serem pagos. Assim, a segurada pediu a manutenção dos termos anteriormente contratados e o reconhecimento da abusividade das cláusulas constantes do novo contrato de seguro proposto pela seguradora.
Em primeira instância, a Sul América foi condenada a manter o contrato inicial e respeitar, na renovação anual do contrato, as mesmas bases impostas na contratação do seguro. A Sul América apelou da sentença. O TJ/MG entendeu que a cláusula que faculta à seguradora rescindir unilateralmente o contrato por meio de mera notificação é abusiva, ainda que igual direito seja conferido ao consumidor, pois estabelece vantagem excessiva à fornecedora, tendo em vista as peculiaridades do contrato de seguro. Para o Tribunal mineiro, tratando-se de contrato de adesão, que tem como escopo principal a continuidade no tempo, não há como se admitir a rescisão com intuito de que o segurado contrate novo seguro, em condições mais onerosas.
Recurso especial
Inconformada a seguradora recorreu ao STJ, sustentando que o contrato de seguro de vida não é vitalício, podendo ter prazo de vigência determinado, o que não encontra óbice no CDC (clique aqui). Alegou que o contrato firmado possui cláusula expressa acerca da sua temporariedade, prevendo a possibilidade de resilição unilateral por qualquer das partes, o que acontece no caso. Por fim, afirmou que a decisão viola o principio da função social do contrato, ao defender o suposto dever de continuidade do contrato de seguro firmado entre as partes, o que não se pode admitir.
Em seu voto, o relator, ministro Massami Uyeda, concluiu que a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do contrato, não renovando o ajuste anterior nas mesmas bases, ofende os principio da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo.
O ministro destacou, também, que a 2ª seção do STJ, no julgamento do REsp 1073595 (clique aqui), ocorrido em 22/3, entendeu ser abusiva cláusula contratual que contempla a não renovação do contrato de seguro de vida por parte da seguradora dentro dos parâmetros anteriormente estabelecidos, sob o risco de violação, dentre outros, ao principio da boa-fé objetiva e da cooperação.
-
Processo Relacionado : REsp 1105483 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
_________
RECURSO ESPECIAL Nº 1.105.483 - MG (2008/0255833-4) (f)
RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE : SUL AMÉRICA SEGUROS DE VIDA E PREVIDÊNCIA S/A
A DVOGADOS : FERNANDO NEVES DA SILVA
EULER DE MOURA SOARES FILHO E OUTRO(S)
RECORRIDO : SÔNIA LÚCIA SANCHES (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA)
ADVOGADO : BRUNO AFONSO CRUZ E OUTRO(S)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - OMISSÃO - NÃO-OCORRÊNCIA - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - CONTRATO DE SEGURO DE VIDA - RESILIÇÃO UNILATERAL - IMPOSIÇÃO PARA READAPTAÇÃO A NOVAS PROPOSTAS - ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA - OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ - RECURSO IMPROVIDO.
I - Não se verifica a alegada violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, porquanto a questão relativa à licitude da cláusula contratual que contempla a não renovação do contrato de seguro de vida foi apreciada de forma clara e coerente, naquilo que pareceu relevante à Turma Julgadora a quo;
II - A pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior sob as mesmas bases, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo;
III - Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente, o Dr(a). Fernando Neves da Silva, pela parte Recorrente: Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A.
Brasília, 10 de maio de 2011(data do julgamento)
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Os elementos dos autos dão conta de que SÔNIA LÚCIA SANCHES ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de liminar inaudita altera pars em face de SUL AMÉRICA SEGUROS DE VIDA E PREVIDÊNCIA S. A., alegando ter firmado contrato de seguro com a SUL AMÉRICA há mais de 30 (trinta) anos, e que, desde então, vinha pagando regularmente o valor do seguro contratado, sendo o contrato renovado anualmente de forma automática e readequado no ano de 1.999, por imposição da seguradora, com emissão de nova apólice.
Aduziu a autora/recorrida SÔNIA que, no mês de julho de 2.006, foi surpreendida com uma notificação enviada pela SUL AMÉRICA, informando que o contrato de seguro estaria extinto a partir de 30 de setembro de 2.006, por conta da impossibilidade de manutenção dos termos contratados, sendo facultado à recorrida, contudo, a contratação de um novo seguro, com redução das coberturas anteriormente contratadas e aumento do valor dos prêmios a serem pagos.
Requereu a recorrida, assim, liminarmente, a manutenção dos termos anteriormente contratados e, no mérito, o reconhecimento da abusividade das cláusulas constantes do novo contrato de seguro proposto pela SUL AMÉRICA (ut inicial de fls. 2/25).
Indeferido o pedido de liminar (fls. 50/53), a SUL AMÉRICA foi citada e apresentou contestação, sustentando, em síntese, a possibilidade de limitação de vigência dos contratos de seguro (fls. 69/103).
O r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG julgou procedente o pedido inicial, para condenar a SUL AMÉRICA a manter o contrato inicialmente estipulado com a recorrida SÔNIA e determinar que a renovação anual do contrato respeite as mesmas bases impostas a princípio (fls. 404/409).
Interposto recurso de apelação pela SUL AMÉRICA (fls. 431/445) e recurso adesivo por SÔNIA (fls. 521/525) e sendo ambos os apelos contra-arrazoados (SÔNIA, fls. 470/482, e SUL AMÉRICA, fls. 526/529), o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento ao recurso principal da SUL AMÉRICA e conferiu provimento ao recurso adesivo de SÔNIA, conforme assim ementado:
"AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - CONTRATO DE SEGURO DE VIDA - NÃO RENOVAÇÃO - IMPOSIÇÃO PARA READAPTAÇÃO A NOVAS PROPOSTAS - IMPOSSIBILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. A cláusula que faculta à seguradora rescindir unilateralmente o contrato por meio de mera notificação é abusiva, ainda que igual direito seja conferido ao consumidor, pois estabelece vantagem excessiva à fornecedora, tendo em vista as peculiaridades do contrato de seguro.
Tratando-se de contrato de adesão, que tem como escopo principal a continuidade no tempo, não há como se admitir a rescisão com o intuito de que o segurado contrate novo seguro, em condições mais onerosas. A verba honorária arbitrada em razão do sucumbimento processual está adstrita a critérios de valoração delineados na lei processual, tendo o sentenciante deixado de observar esses critérios, adequado se mostra a modificação do valor arbitrado. V.V.
CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. RENOVAÇÃO DA APÓLICE. FACULDADE DAS PARTES. Inexiste abusividade por parte da seguradora que, diante de prazo determinado para vigência da apólice do seguro de vida e com expressa previsão de resilição contratual, notifica previamente o segurado, quanto ao seu desinteresse em manter em vigor o contrato."
Opostos embargos de declaração pela SUL AMÉRICA, foram eles conhecidos apenas para fins de prequestionamento e, no mérito, desacolhidos (fls. 567/570).
No presente recurso especial, interposto pela SUL AMÉRICA com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal de 1.988, em que se alega negativa de vigência dos arts. 421 do Código Civil de 2.002 e 1.471 do Código Civil de 1.916 (correspondente ao art. 796 do Código Civil de 2.002); 6º, inciso V, e 51, inciso XI, § 1º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor; 535, inciso II, do Código de Processo Civil, e 11 da Circular n. 17/92 da SUSEP - Superintendência de Seguros Privados, além de dissídio jurisprudencial, busca a recorrente a reforma do r. decisum , sustentando, preliminarmente, negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista a existência de omissões no acórdão recorrido acerca da licitude da cláusula contratual que contempla a não-renovação do contrato de seguro de vida, à luz do art. 796, caput, do Código Civil atual.
No mérito, aduz que o contrato de seguro de vida não é vitalício, podendo ter prazo de vigência determinado, o que não encontra óbice no Código de Defesa do Consumidor. Assevera, outrossim, que o contrato firmado com a recorrida SÔNIA possui cláusula expressa acerca da sua temporariedade, prevendo a possibilidade de resilição unilateral (denúncia) por qualquer das partes, sendo esta a hipótese dos autos. Afirma, também, que o acórdão recorrido teria violado o princípio da função social do contrato ao defender o suposto dever de continuidade do contrato de seguro firmado entre as partes, o que, segundo a recorrente, não se pode admitir (fls. 573/600).
A recorrida SÔNIA LÚCIA SANCHES apresentou contra-razões ao recurso especial, alegando, preliminarmente, óbice dos Enunciados ns. 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. No mérito, refuta todas as teses sustentadas pela SUL AMÉRICA, requerendo o improvimento do apelo nobre interposto pela seguradora (fls. 678/685).
A egrégia Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais admitiu o recurso especial (fls. 687/688).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
O inconformismo recursal não merece prosperar.
Com efeito.
Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração se consubstanciam no instrumento processual destinado à eliminação, do julgado embargado, de contradição, obscuridade ou omissão sobre tema cujo pronunciamento se impunha pelo Tribunal, não se prestando para promover a reapreciação do julgado (ut REsp 726.408/DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 18/12/2009; e REsp 900.534/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 14/12/2009).
Outrossim, cumpre consignar que, mesmo para fins de prequestionamento, é imprescindível que existam os vícios elencados no art. 535 do Código de Processo Civil, pois os embargos declaratórios não são a via adequada para forçar o Tribunal a se pronunciar sobre a questão sob a ótica que o embargante entende correta.
Na espécie, não se verifica a alegada violação do artigo 535 do Código Processo Civil, porquanto a questão relativa à licitude da cláusula contratual que contempla a não-renovação do contrato de seguro de vida foi apreciada de forma clara e coerente, naquilo que pareceu relevante à Turma Julgadora a quo, conforme se verifica da seguinte passagem do acórdão de apelação, in verbis :
"No caso em espeque, tenho que a cláusula que permite a rescisão unilateral do contrato apenas pela seguradora ou estipulante é nula, posto que igual prerrogativa não foi conferida à parte adversa. Aliás, mesmo constatando que a possibilidade da rescisão foi concedida a ambas as partes, o art. 51, XI, do CODECON não pode ser interpretado isoladamente, ante a posição frágil que o consumidor ocupa na relação contratual.
Desta forma, ainda que o mesmo direito seja conferido ao consumidor, a situação concreta poderá revelar que o interesse na rescisão será tão-somente do fornecedor, uma vez que o rompimento do vínculo, após período de contribuições, trará conseqüências demasiadamente desvantajosas para o consumidor.
Nesses casos o direito de cancelar o contrato facultado ao consumidor será inócuo.
Impõe-se conceder interpretação sistemática ao dispositivo, considerando os deveres da boa-fé, transparência e eqüidade.
Nesse sentido, deve ser ponderado que o contrato em espécie é firmado com a finalidade de perdurar no tempo, indefinidamente, e que, após anos de contribuição, o consumidor não detém qualquer interesse em rescindir o ajuste, mas, sim, em vê-lo efetivamente cumprido (...)
A rescisão unilateral do pacto submete o consumidor a um estado de insegurança, desnaturando o objetivo do contrato que consiste justamente em proporcionar estabilidade ao contratante defronte a situações futuras imprevisíveis." (fls. 544/546).
No mérito, melhor sorte não assiste à recorrente SUL AMÉRICA.
Na realidade, observa-se que, a despeito de anterior divergência na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acerca da legalidade ou não da cláusula contratual que permite a resilição unilateral de contrato de seguro de vida, impedindo sua renovação sob as mesmas bases anteriormente assentadas, após sucessivos debates, em recente julgamento ocorrido em 22/03/2011, a Segunda Seção, nos autos de Recurso Especial n. 1.073.595, por maioria, conferiu provimento ao recurso do segurado, encampando a tese da abusividade da cláusula contratual que contempla a não-renovação do contrato de seguro de vida por parte da seguradora dentro dos parâmetros anteriormente estabelecidos, sob o risco de violação, dentre outros, ao princípio da boa-fé objetiva e da cooperação.
Importante deixar assente que, naquele julgado, a Ministra Relatora Nancy Andrighi, ao votar pelo provimento do recurso especial, fundamentou, em síntese, que, no moderno direito contratual, reconhece-se, para além da existência dos contratos descontínuos, a existência de contratos relacionais, nos quais as cláusulas estabelecidas no instrumento não esgotam os direitos e deveres das partes. Por conseqüência, o contrato de seguro de vida, tratando-se de um contrato relacional, não pode ser analisado de forma isolada, como um simples acordo de vontades por determinado período com opção às partes de renová-lo ou de não renová-lo.
Segundo afirmou a Relatora, ainda, a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste sob as mesmas bases anteriormente assentadas, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo.
Por fim, a Ministra Relatora ressalvou o direito da seguradora à contrapartida financeira, sustentando que os aumentos necessários para o reequilíbrio da carteira têm de ser estabelecidos de maneira escalonada, mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente, ficando facultado ao segurado discutir a matéria em juízo, em ação na qual se discutirá especificamente não o direito à descontinuidade do contrato, mas a adequação do plano apresentado, de acordo com os princípios que regem os contratos relacionais.
In casu, veja-se que a hipótese tratada nos autos guarda similitude fática com o Recurso Especial n. 1.073.595, tendo em vista que, tal qual nos autos daquele recurso julgado pela Segunda Seção, no presente caso, a autora SÔNIA era detentora de apólice de seguros firmada com a SUL AMÉRICA há mais de 30 (trinta) anos, tendo sido surpreendida, em julho de 2.006, com uma notificação da empresa seguradora de que o contrato estaria automaticamente rescindido a partir de setembro de 2.006, impondo-lhe uma redução do valor das coberturas anteriormente contratadas, bem como um aumento do valor dos prêmios a serem pagos pela segurada, o que, sem dúvida, implica violação aos princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos de consumo.
Desse modo, estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência atual da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, nega-se provimento ao recurso especial.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
__________
_____
_____