A advogada Rogéria Dotti, do Escritório Professor René Dotti, que patrocinou a causa, avaliou em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, que "é uma vitória da sociedade civil. O direito não pode ignorar as mudanças da sociedade. Essa realidade deve ser considerada pelos tribunais."
O início da causa remonta a 2003, quando a cliente de Rogéria perdeu a companheira vítima de câncer de pulmão. Embora não vivessem juntas, elas construíram uma casa em uma chácara na região metropolitana de Curitiba. Após o falecimento, a família não queria permitir que a companheira frequentasse a chácara.
Em 1ª instância e no TJ/PR, não houve o reconhecimento da partilha dos bens. A advogada recorreu ao STJ que, em abril, antes da decisão do STF que reconheceu a união civil entre pessoas do mesmo sexo, iniciou o julgamento do caso. Até aquele momento, dois ministros haviam votado a favor de reconhecer a união estável entre elas, dividindo os bens. Um terceiro havia votado contra. O quarto ministro, então, pediu vista do processo, suspendendo o julgamento, porque sabia que o STF julgaria a questão em breve.
Após 15 dias do STF decidir que não há qualquer diferença entre as relações de homossexuais e hétero, o assunto voltou a pauta de julgamento na 3ª turma do STJ, que reconheceu a união estável e a partilha de bens.
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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RECURSO ESPECIAL Nº 930.460 - PR (2007/0044989-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : L M DE F
ADVOGADO : VANESSA CRISTINA CRUZ SCHEREMETA E OUTRO(S)
RECORRIDO : S L - ESPÓLIO
REPR. POR : B L - INVENTARIANTE
ADVOGADO : PATRÍCIA TOURINHO BERALDI E OUTRO
EMENTA
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO AFETIVA ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO POST MORTEM CUMULADA COM PEDIDO DE PARTILHA DE BENS. PRESUNÇÃO DE ESFORÇO COMUM.
1. Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela. Essa circunstância não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para regular as relações contextualizadas em uma sociedade pós-moderna, com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.
2. Os princípios da igualdade e da dignidade humana, que têm como função principal a promoção da autodeterminação e impõem tratamento igualitário entre as diferentes estruturas de convívio sob o âmbito do direito de família, justificam o reconhecimento das parcerias afetivas entre homossexuais como mais uma das várias modalidades de entidade familiar.
3. O art. 4º da LICC permite a equidade na busca da Justiça. O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidades familiares, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo.
Para ensejar o reconhecimento, como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização de entidade familiar diversa e que serve, na hipótese, como parâmetro diante do vazio legal – a de união estável – com a evidente exceção da diversidade de sexos.
4. Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a ocorrência dos impedimentos do art. 1.521 do CC/02, com a exceção do inc. VI quanto à pessoa casada separada de fato ou judicialmente, haverá, por consequência, o reconhecimento dessa parceria como entidade familiar, com a respectiva atribuição de efeitos jurídicos dela advindos.
5. Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento, mesmo que registrados unicamente em nome do falecido, sem que se exija, para tanto, a prova do esforço comum, que nesses casos, é presumida.
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e a retificação dos votos dos Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 19 de maio de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
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