Garantia
STJ – Desnecessário depósito de coisa incerta para segurança de juízo para embargar execução
A Du Pont propôs ação de execução contra empresa agrícola pela falha na entrega de produto previsto em CPR - Cédula de Produto Rural. O artigo 15 da lei 8.929/94 (clique aqui) determina que o produto discriminado na CPR deve ser entregue como representado no título. A empresa agrária embargou a ação, afirmando que endossou a cédula e, pela lei, seria responsável apenas pela obrigação assumida e não pela entrega física do produto. Em primeira instância, a alegação da empresa agrícola foi aceita e a obrigação de entregar a coisa incerta foi declarada inexigível.
O entendimento foi confirmado na segunda instância. Considerou-se que, com a 11.382/06 (clique aqui), a entrega da coisa para garantir o juízo seria desnecessária. No caso se aplicaria o artigo 736 do CPC (clique aqui), que garante o embargo de execução independente de depósito, caução ou penhora.
No recurso ao STJ, a Du Pont alegou ofensa ao artigo 622 do CPC, que determina que, para embargar execução, deve haver depósito da coisa, como garantia para o juízo. Também teria sido desrespeitado o artigo 10 da lei 8.929/94, que determinam regras para a CPR. Por fim, afirmou que a entrega de coisa incerta fundada em título extrajudicial tem disciplina específica, não se aplicando o artigo 736 do CPC.
Entretanto, em seu voto, a ministra Nancy Andrighi, apontou que a lei 11.382/06 alterou o quadro jurídico e afastou a segurança do juízo como pressuposto do embargo à execução. A ministra relatora reconheceu haver uma antinomia jurídica (oposição entre normas legais), já que o artigo 736 do CPC afasta a segurança em juízo, e o artigo 621 ainda prevê essa exigência. Para a ministra a solução da questão é a "interpretação em favor da unidade do ordenamento jurídico, e sempre em harmonia como o espírito das mudanças introduzidas pela Lei n. 11.382/06, porque se coaduna como os novos rumos do processo de execução".
A magistrada observou que a Lei n. 8.929/94 limita o endosso da CPR, já que os endossantes não respondem pela entrega do produto, mas pela obrigação assumida. "Em conclusão, a endossante é ilegítima passiva para responder processo de execução sob o rito para entrega da coisa", destacou.
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Processo relacionado : REsp 1177968 - clique aqui.
Confira abaixo a íntegra da decisão.
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.177.968 - MG (2010/0016244-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DU PONT DO BRASIL S/A
ADVOGADO : LENITA T W GIORDANI E OUTRO(S)
RECORRIDO : MÓDULO CARATINGA INSUMOS AGROPECUÁRIOS LTDA
ADVOGADO : GERALDO LINS DE SALES E OUTRO(S)
EMENTA
PROCESSO CIVIL. DIREITO AGRÁRIO. CÉDULA DE PRODUTO RURAL (CPR). EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE ENTREGA DE COISA INCERTA. ILEGITIMIDIDADE PASSIVA DO ENDOSSANTE DA CPR. DESNECESSIDADE DE GARANTIA DO JUÍZO PARA O OFERECIMENTO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO.
1. Apesar de os arts. 621 e 622 do CPC determinarem a necessidade de depósito da coisa para a apresentação de embargos, a segurança do juízo, no atual quadro jurídico, introduzido pela Lei 11.382/2006, não é mais pressuposto para o ajuizamento dos embargos à execução, configurando apenas um dos requisitos para atribuição de efeito suspensivo.
2. O procedimento da execução para entrega de coisa, fundada em título extrajudicial, deve ser interpretado à luz das modificações feitas pela Lei 11.382/2006, porquanto o juiz deve conferir unidade ao ordenamento jurídico.
3. Na CPR os endossantes não respondem pela entrega do produto rural descrito na cártula, mas apenas pela existência da obrigação.
4. O endossatário da CPR não pode exigir do endossante a prestação da entrega do produto rural, visto que o endossante deve apenas assegurar a existência da obrigação.
5. Recurso especial conhecido e improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 12 de abril de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto pela DU PONT DO BRASIL S.A., com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.
Ação: embargos à execução ajuizados por MÓDULO CARATINGA INSUMOS AGROPECUÁRIOS LTDA., em face do recorrente.
A recorrente ajuizou ação de execução para entrega de coisa incerta, em face da recorrida e do emitente da Cédula de Produto Rural (CPR), nos termos art. 15 da Lei 8.929/94, na qual requer a entrega do produto rural representado no título.
A recorrida sustenta, nas razões dos embargos à execução, que não é responsável pela entrega do produto rural, tendo em vista que endossou a referida cédula à recorrente e que, nos termos do art. 10, II, da Lei 8.929/94, os endossantes não respondem pela entrega do produto, mas, tão somente, pela existência da obrigação. Requer a declaração da inexigibilidade da obrigação.
Sentença: julgou procedente o pedido, para declarar a inexigibilidade da obrigação de entregar coisa incerta em relação à recorrida. Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo recorrente, conforme a seguinte ementa (e-STJ fl. 124):
EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO - ENTREGA DE COISA - SEGURANÇA DO JUÍZO - DESNECESSIDADE – LEI 11.382/06 - CERCEAMENTO DE DEFESA - INEXISTÊNCIA - ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO - AUSÊNCIA DE PROVAS – IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS PÓRTICOS – SENTENÇA MANTIDA. - Com a entrada em vigor da Lei 11.382/2006, o executado independente da penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos, nos termos do art. 736 da legislação processual, com interpretação sistemática. - "De acordo com o princípio da eventualidade, a prova deve ser produzida no momento oportuno, sob pena de indeferimento pela ocorrência da preclusão". - O ônus de provar o vício alegado é de quem alega, prevalecendo como regra geral a de que o ato jurídico foi celebrado com livre manifestação de vontade.
Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente, foram conhecidos apenas para fins de prequestionamento.
Recurso especial: alega violação do art. 622 do CPC e do art. 10, II, da Lei 8.929/94. Sustenta que: i) nos termos do art. 622 do CPC, o depósito da coisa é requisito para a admissibilidade dos embargos à execução; ii) a entrega de coisa incerta fundada em título extrajudicial possui uma disciplina específica dentro do CPC e que, portanto, o art. 736 do CPC não seria aplicável na hipótese; iii) a recorrida não provou a existência de negócio jurídico.
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/MG admitiu o recurso
especial (fls. 208), determinando a subida dos autos ao STJ.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
I – Da delimitação da controvérsia
Cinge-se a controvérsia a determinar se: I) a segurança do juízo é condição de admissibilidade para a oposição dos embargos na execução extrajudicial para entrega de coisa; II) o endossatário da Cédula de Produto Rural (CPR) pode ajuizar ação de execução para entrega de coisa incerta em face do endossante.
II- Da necessidade da segurança do juízo como condição de admissibilidade dos embargos na execução extrajudicial para entrega de coisa
O art. 629 do CPC e seguintes disciplinam o processo executivo para entrega de coisa incerta fundado em título executivo extrajudicial, sendo aplicáveis à espécie, por força do art. 631 do CPC, as regras processuais relativas à execução de dar coisa certa. Assim, o procedimento dos embargos do devedor obedecerá aos requisitos dos arts. 621 e seguintes.
Determinam os arts. 621 e 622 do CPC a necessidade de depósito da coisa para a apresentação de embargos. Contudo, no atual quadro jurídico introduzido pela Lei 11.382/2006 -, a segurança do juízo não é mais pressuposto para o ajuizamento dos embargos à execução, configurando apenas um dos requisitos para atribuição de efeito suspensivo.
Dessa forma, sobreleva afirma que o legislador - ao revogar o art. 737, II e alterar o art. 736 do CPC - não adequou o disposto nos arts. 621 e 622 do CPC à nova sistemática dos embargos à execução, gerando uma antinomia jurídica.
Nesse tocante, é elucidativa a doutrina de Humberto Theodoro Júnior (Processo de execução e cumprimento da sentença. 25. ed. São Paulo: Universitária de Direito, p. 205):
Na nova sistemática dos títulos extrajudiciais, os embargos, em qualquer das modalidades de obrigação, independem de penhora, depósito ou caução (art. 736, na atual redação). Foi justamente por isso que a Lei nº 11.382/2006 revogou expressamente o art. 737.
Infelizmente, o legislador esqueceu-se de completar a obra renovadora, no tocante ao art. 621. De qualquer maneira, a redação deste velho dispositivo ficou implicitamente derrogada no que diz respeito à segurança do juízo.
Na mesma linha de entendimento:
Há contradição entre a redação do art. 621, caput, e a do art. 736, caput. Nesse restou claro que os embargos independem de prévia segurança do juízo, que no caso se faz pelo depósito da coisa a ser entregue. Naquele contudo, por esquecimento do legislador, manteve-se a regra do depósito prévio para o oferecimento dos embargos. A remissão feita pelo art. 621, caput, ao art. 737, II, deixa a pelo o esquecimento do legislador que revogou esse dispositivo. Assim, a prévia segurança do juízo é apenas mais uma condição para a obtenção do efeito suspensivo nos embargos, mas não para sua interposição. (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. São Paulo : Revista dos Tribunais, 201, p. 773)
Nessa ordem de ideias, os art. 621 e 622 do CPC devem ser interpretados em consonância com os arts. 736 e 739-A do CPC, pois o juiz deve conferir interpretação em favor da unidade do ordenamento jurídico, e sempre em harmonia com o espírito das mudanças introduzidas pela Lei 11.382/2006 porque se coaduna com os novos rumos do processo de execução.
É precisamente com base nessa linha de intelecção que se entende que a interpretação da disciplina da execução para entrega de coisa deve ser feita à luz das modificações introduzidas pela Lei 11.382/2006, sob pena de restar rompida a coerência e a harmonia do sistema processual civil.
III - Da legitimidade passiva do endossante para a execução extrajudicial de entrega de coisa incerta A CPR – embora seja um título de crédito e esteja sujeita as normas de direito cambial – tem os efeitos do seu endosso limitados pela legislação especial.
Na CPR "os endossantes não respondem pela entrega do produto rural descrito na cártula, mas apenas pela existência da obrigação" (art. 10, II, da Lei 8.929/94).
Sobre o referido dispositivo legal cito a lição de Lutero de Paiva Pereira (Comentários à lei da cédula de produto rural : respostas a questões polêmicas, legislação, jurisprudência. Curitiba : 2005, p.117):
A Lei tornou o endossante inatingível, no que respeita à obrigação de entregar o bem prometido na cártula pelo emitente, nos casos de Cédula de produto Rural.
Nesses títulos a responsabilidade do endossante se circunscreve a responder pela existência da obrigação.
Em conclusão, a endossante é ilegítima passiva para responder processo de execução sob o rito para a entrega de coisa. Forte nessas razões, nego provimento ao recurso especial.
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