Embaraço
TJ/RS - Consumidora que ficou com cabelo emaranhado após uso de produto será indenizada
A autora utilizou o produto "Gold Curi Activator", fabricado pela ré, e que cujo objetivo era deixar os cabelos desembaraçados e fáceis de pentear, todavia o efeito foi o oposto. Ao invés de alisá-los, foi formado um "tufo" de cabelos na altura da nuca da demandante. Diante do resultado, a mulher ajuizou com ação na justiça postulando danos morais.
Em primeira instância, o juiz Jorge Alberto Vescia Corssac, condenou a ré ao pagamento de R$ 1 mil, a título de danos morais.
A autora recorreu pedindo a majoração da indenização. O réu não apresentou contrarrazões.
TJ/RS
O desembargador Tasso Caubi Soares Delabary crê que as fotos juntadas aos autos do processo demonstram os danos causados ao longo cabelo da autora, que ficou totalmente embolado.
O magistrado ainda utiliza o "book fotográfico" da demandante para comparações: anteriormente, os cabelos soltos atingiam quase a cintura, e após a aplicação do produto, pareciam estar em um corte "Chanel", devido ao emaranhados dos fios.
Para o relator, os R$ 1 mil definidos em primeira instância são irrisórios diante dos efeitos psicológicos causados. Ele ainda destaca a importância do cabelo para pessoas vaidosas e como o convívio social da consumidora foi prejudicado pelo ocorrido.
Assim, foi acatado o pedido do recurso e aumentado o valor da indenização para R$ 10 mil. Os desembargadores Leonel Pires Ohlweiler e Iris Helena Medeiros Nogueira acompanharam o voto.
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Processo : 70038847729 - clique aqui.
Confira abaixo a íntegra da decisão.
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APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS NOS CABELOS APÓS UTILIZAÇÃO DE PRODUTO PARA DESEMBARAÇAR OS FIOS. RESULTADO DESASTROSO QUE PROVOCOU VERDADEIRO EMARANHADO NA CONSUMIDORA. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS.
Hipótese dos autos em que o recurso devolveu exclusivamente a matéria atinente ao quantum indenizatório, com o escopo de majorá-lo.
Valor da condenação fixado de acordo com as peculiaridades do caso concreto, bem como observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, além da natureza jurídica da condenação. Indenização ampliada.
APELO PROVIDO.
APELAÇÃO CÍVEL
NONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70038847729
COMARCA DE PORTO ALEGRE
JESSICA SILVA NAVARRO
APELANTE
DEVINTEX COSMÉTICOS LTDA.
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE) E DES. LEONEL PIRES OHLWEILER.
Porto Alegre, 23 de março de 2011.
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY,
Relator.
RELATÓRIO
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (RELATOR)
Cuida-se de apreciar recurso de apelação interposto por JÉSSICA SILVA NAVARRO em face da sentença de parcial procedência lançada nos autos da ação indenizatória por ela ajuizada em desfavor de DEVINTEX COSMÉTICOS LTDA.
A decisão atacada, em síntese, reconheceu a responsabilidade da ré pelos danos ao cabelo da autora depois de utilizar o creme ativador de cachos “Gold Curi Activador”, reconhecendo os danos morais e rejeitando o pedido de indenização pelos danos materiais por ausência de prova.
Assim dispôs o magistrado singular:
ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, a demandada para CONDENAR a ré ao pagamento de R$ 1.000,00 a título de danos morais, a ser acrescido de correção monetária segundo a variação do IGP-M, a contar desta data, dada à natureza constitutiva da sentença em relação ao crédito.
Em face da sucumbência parcial, as custas serão rateadas entre os litigantes na proporção de seu decaimento, que estimo em 70% pelo réu e 30% pela autora.
Observada a mesma proporção, a requerida pagará honorários advocatícios ao procurador da autora, os quais fixo em R$ 700,00, atendo à singeleza do litígio e ao trabalho expendido, conforme disposto no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, já procedida à compensação (STJ súm.306).
Por contar a autora com a gratuidade processual, suspendo a exigibilidade da verba sucumbencial a seu encargo pelo prazo de cinco anos, condicionada à modificação de sua situação econômica, a teor do que dispõe o art. 12 da Lei 1.060/50.
Nas razões recursais JÉSSICA SILVA NAVARRO sustentou a necessidade de majoração do quantum indenizatório, que reputou minguado.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTOS
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (RELATOR)
Ilustres Colegas.
Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade. Quanto ao objeto, a matéria devolvida diz respeito exclusivamente com o quantum indenizatório, operando-se a preclusão sobre os requisitos informadores do dever de indenizar.
Sendo assim, ainda que não seja objeto de impugnação, a bem de contextualizar as circunstâncias fáticas que permeiam o caso sob exame, permito-me, respeitosamente, transcrever os fundamentos da decisão atacada:
Incontroversos elementos fáticos da controvérsia, relativos ao efetivo uso do produto fabricado pela ré, bem assim em relação ao resultado daí decorrente, com embaraçamento anormal do cabelo da autora, no período descrito na inicial, o litígio fica por conta do exame da responsabilidade civil da demandada, como fundamento ao dever de indenizar.
A esse fim, a primeira consideração é que o caso em exame retrata típica relação de consumo, portanto submetido às normas e princípios do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Cuida-se, portanto, de responsabilidade objetiva, pela dicção do art. 12, §1º, do Estatuto Consumerista, por envolver fato decorrente do produto.
Por conseguinte, seria ônus da demandada demonstrar a inexistência do dano, ou a culpa exclusiva da vítima.
Nesse sentido, é a orientação jurisprudencial prevalente, como se vê na passagem a seguir.
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRODUTO PARA TINGIR CABELOS. QUEDA CAPILAR ANORMAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO FATO DO PRODUTO CARACTERIZADA. Trata-se de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, prevista no art. 12, do CDC, e, portanto, responsabilidade objetiva mitigada, cabendo ao consumidor mostrar o fato do produto, o prejuízo e o nexo de causalidade entre eles e, ao fornecedor, desconstituir o risco e o nexo causal. Os produtos e serviços colocados no mercado devem cumprir um objetivo de segurança, sendo o desvio dessa característica ensejador de vício de qualidade. A obrigação de indenizar surge quando tais riscos fogem ao controle do consumidor, de forma que, em decorrência de qualquer defeito, tem sua saúde ameaçada, pela imprevisibilidade do dano ocasionado pelo consumo. Então, é o defeito, como causador do acidente de consumo, o elemento ensejador da responsabilidade civil objetiva. No caso, comprovados os elementos da responsabilidade civil, sendo inegável que a alteração maléfica da aparência da autora, quando a mesma esperava justamente o contrário ao aplicar o produto no seu cabelo, agrediu-a nos seus sentimentos de auto-estima, prejudicando a sua avaliação própria e denegrindo a própria imagem. Tais circunstâncias, sem sombra de dúvidas, causaram-lhe constrangimentos, variáveis é verdade, mas sempre presentes. Daí a necessidade de reparação dos danos morais. Redução do quantum indenizatório arbitrado a quo. Todavia, os danos materiais não estão demonstrados nos autos. Ao revés, a prova trazida pela autora demonstra que ela não deixou de trabalhar por conta do incidente. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70014606693, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 31/05/2006)
No caso, ao cabo da instrução tal prova não foi produzida. Ao contrário, o dano que, como visto, não chegou a ser propriamente negado, consta bem demonstrado no conjunto de fotos tiradas na data do evento, fl.48, indicando efetivo prejuízo estético que, embora temporário, a autora não está obrigada a suportar.
O segundo, e principal, argumento utilizado pela ré, refere-se à omissão de cuidado imputada à usuária do produto, que não teria realizado o dito "teste de mecha" antes da aplicação. Todavia, não há nos autos prova alguma com base na qual se possa afirmar que a embalagem do produto em questão advertia quanto à necessidade dessa prática, pois sequer veio aos autos cópia ou amostra de embalagem similar, como seria de se esperar. Há unicamente a alegação da ré, que obviamente não pode se sobrepor ao fato noticiado pela acionante, que de sua parte não confirma o conhecimento da alegada advertência.
Nessa ordem de idéias, positivado o dano estético decorrente da utilização do produto, resta evidente a lesão imaterial sofrida.
Sendo assim, o dever de indenizar decorre dos danos provocados ao cabelo da autora depois de utilizar o produto “Gold Curi Activador”. Ao invés de tornar o cabelo desembaraçado e fácil de pentear, o efeito foi oposto. As fotografias juntadas aos autos evidenciam o verdadeiro “tufo” que se formou na cabeça da autora. Na parte de trás, perto da nuca, como evidenciam as fotografias juntadas (fl. 48), o cabelo longo da autora ficou totalmente embolado.
O desastroso resultado do produto nos cabelos da autora pode ser bem dimensionado a partir do cotejo das fotos do “book fotográfico” da demandante. Antes, os cabelos soltos atingiam quase a cintura, sendo parte do conjunto que elevou a autora à condição de segunda-princesa mirim do carnaval de Porto Alegre de 2004, dentre outros destaques em concursos infanto-juvenis. Depois da aplicação do produto a autora parecia estar com o corte “chanel”, curto na região do pescoço, tamanha era o emaranhado dos fios.
Afora essas condições específicas do caso concreto, a bem de aferir o quantum indenizatório o julgador deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade . Outrossim, deve atentar para a natureza jurídica da indenização , que deve constituir uma pena ao causador do dano e, concomitantemente, compensação ao lesado, além de cumprir seu cunho pedagógico sem caracterizar enriquecimento ilícito.
Nesse sentido é a lição de Caio Mário da Silva Pereira (in Responsabilidade Civil, 4ª ed., 1993, p. 60), nos seguintes termos:
A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.
Sergio Cavalieri Filho (na obra Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed., Editora Atlas S/A, 2009, p. 93), ao tratar do arbitramento do dano moral, assim se manifestou:
Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.
Partindo de tais premissas, muito respeitando o entendimento firmado na origem, mas os R$ 1.000,00 são irrisórios comparados aos efeitos psicológicos à autora. Para pessoas vaidosas, especialmente meninas na idade em que a autora se encontrava à época (15 anos), o dano aos cabelos na magnitude que aqui se verifica é grandes. O convício social (circulo de amizades, escola, concursos de beleza, eventos de moda) que a autora estava acostumada foi severamente prejudicado diante da sua retração, o que potencializa os danos (art. 944 do Código Civil).
Destarte, entendo que adequada a majoração da indenização para R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir da presente data, nos termos da Súmula 362 do STJ.
No que se refere ao marco para fluência dos juros legais de mora, seguindo orientação desta Câmara, em casos de indenização por dano moral, onde o valor é estabelecido por critério de equidade pelo julgador, que pondera as condições no momento da fixação, como ocorre no presente caso, deve incidir também a partir da data deste julgamento, pois já sopesadas todas as variáveis capazes de influírem no arbitramento, de modo a permitir uma idéia exata e sem distorção por acréscimo de consectários do valor correto da indenização, sem desprestígio da Súmula 54 do STJ, que tenho, mais se afeiçoa a indenização por dano material, onde os valores normalmente são conhecidos ou a liquidação se dá por fato determinado.
A propósito da incidência de juros em casos como o da espécie, peço vênia para agregar os fundamentos de judicioso voto do ilustre Des. Odone Sanguiné , verbis:
“Na hipótese de reparação por dano moral, entendo cabível o início da contagem a partir da fixação do quantum indenizatório, é dizer, a contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. Considerando que o Magistrado se vale de critérios de eqüidade no arbitramento da reparação, a data do evento danoso e o tempo decorrido até o julgamento são utilizados como parâmetros objetivos na fixação da condenação, de modo que o valor correspondente aos juros integra o montante da indenização.
Destaco que tal posicionamento não afronta o verbete da Súmula nº 54 do STJ. Ao revés, harmoniza-se com o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça (vide: REsp 618940/MA; Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro; Terceira Turma; julgado em 24/05/2005; DJ 08.08.2005 p. 302).
A ultima ratio do enunciado sumular é destacar que a reparação civil por dano moral deve possuir tratamento diferenciado na sua quantificação em relação ao dano material, dado o objetivo pedagógico, punitivo e reparatório da condenação.
Quanto ao arbitramento do dano moral, o termo inicial da contagem deve ser a data do julgamento. O julgador fixa o dies a quo que melhor se ajusta ao caso em concreto, em consonância com os critérios utilizados para a fixação do valor indenizatório. Dessa forma, além de se ter o quantum indenizatório justo e atualizado, evita-se que a morosidade processual ou a demora do ofendido em ingressar com a correspondente ação indenizatória gere prejuízos ao réu, sobretudo, em razão do caráter pecuniário da condenação.
Destarte, impede-se que o montante dos juros, não visível no momento do seu arbitramento e que será futuramente acrescido ao quantum indenizatório, possa acarretar a modificação do valor da justa reparação. Tal posicionamento guarda simetria com o entendimento anteriormente exposto em relação ao termo inicial de incidência da correção monetária.
Do exposto, dou provimento ao apelo para majorar o valor da indenização para R$ 10.000,00 (dez mil reais), quantia a ser corrigida pelo IGP-M e acrescida de juros legais de mora, ambos a contar da data do presente acórdão.
É o voto.
DES. LEONEL PIRES OHLWEILER (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70038847729, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: JORGE ALBERTO VESCIA CORSSAC
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