Cheque
TJ/SC - Impor regra para aceitar cheque não resulta em condenação de supermercado
J.B.C. apelou para o Tribunal, sustentando que a atitude é uma discriminação aos clientes recentes de bancos, bem como causou situação vexatória e um grande incômodo em sua vida, já que teve de deixar as compras realizadas no caixa do estabelecimento.
"É obvio que a situação de ter realizado as compras e ter se dirigido ao caixa, posteriormente culminando na recusa do cheque em debate, causa desconforto naquele que passa por ela. Entretanto, o dano moral só ocorre caso seja inconteste que o indivíduo tenha sofrido humilhação pública ou abalo psíquico relevante", afirmou o desembargador Carlos Prudêncio, relator da matéria.
A decisão foi unânime.
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Processo : Apelação Cível 2007.059534-2 - clique aqui.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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Apelação Cível n. 2007.059534-2, de Tubarão
Relator: Des. Carlos Prudêncio
APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO ACEITAÇÃO DE CHEQUE. CONTA CORRENTE NOVA, ABERTURA INFERIOR À UM ANO. POSSIBILIDADE DE RECUSA. LIBERALIDADE DO ESTABELECIMENTOCOMERCIAL. RECURSO NÃO PROVIDO.
"Não constituiu ato ilícito passível de compensação pecuniária a recusa no recebimento de cheque para o pagamento de mercadorias em estabelecimento comercial, mesmo que não haja motivo plausível, como a inscrição em cadastro de proteção ao crédito, pois praticado no exercício regular de um direito, consoante disposto no art. 188 do Código Civil, correspondente ao art. 160 do CC/1916, vigente à época dos fatos" (AC n.2005.032259-2, Rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior, DJ de 6-11-2007).
NÃO DEMONSTRAÇÃO DE DANO MORAL. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE TRATAMENTO VEXATÓRIO NO ATO DA RECUSA E EXPLICAÇÃO DE SEUS MOTIVOS. DEVER DE INDENIZAR NÃO CARACTERIZADO.
"A simples recusa do estabelecimento comercial no recebimento de cheque, desacompanhada de constrangimento ou humilhação, constitui simples aborrecimento e contrariedade, plenamente suportável ao homem normal" (AC. n.2005.005336-7, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, DJ de 30-1-2007).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.059534-2, da comarca de Tubarão (1ª Vara Cível), em que é apelante José Balod Cascaes, e apelado Althoff Supermercados Ltda:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Adoto relatório de fl. 70 e acrescento que o Juiz de Direito Dr. Jairo Fernandes Gonçalves julgou improcedente o pedido e condenou o autor às custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em RS 1.000,00 (mil reais), suspensa a executividade ante à gratuidade de justiça.
Inconformado, José Balod Cascaes apela, aduzindo que: a) o réu não impugnou especificamente o fato de não aceitar cheques de contas abertaqs a menos de um ano; b) o réu admitiu que o autor foi obrigado a deixar suas compras em razão da não aceitação do cheque; c) a atitude negligente do supermercado réu causou situação vexatória e um incômodo, um grande 'stress', gerando um "imenso desassossego na vida do autor" (fl.76).
Pugna pelo provimento do recurso para condenar o mercado réu ao pagamento de compensação pelos danos morais suportados.
Althoff Supermercados Ltda deixou de apresentar contrarrazões (fl. 78).
VOTO
Trata-se de ação de indenização por danos morais ajuizada por José Balod Cascaes contra Althoff Supermercados em razão de, supostamente, ter sofrido danos morais ao ter seu cheque recusado pelo estabelecimento réu, quando realizou compras no interior de suas dependências.
A tese autoral se pauta incansavelmente sobre dois pontos, a saber, a recusa de um cheque por ser de conta corrente recente, com abertura inferior à um ano, causando, segundo o autor, uma discriminação para com os clientes recentes de bancos, e o tratamento empregado pelos representantes do mercado na condução da situação gerada pela recusa da cártula.
Nenhuma das razões aqui apresentadas tem o condão de socorrer o autor em sua pretensão, vejamos.
a) Da inocorrência do dano moral em razão do tratamento empregado pelos prepostos do réu Não se vê nos autos nenhuma prova concreta de que o autor tenha sido destratado, ofendido ou servido de chacota nas dependências do mercado réu.
É obvio que, ante à situação de ter realizado as compras e ter se dirigido ao caixa, posteriormente culminando na recusa do cheque em debate, causa desconforto naquele que passa por tal situação. Entretanto, o dano moral só ocorre caso seja inconteste que o indivíduo tenha sofrido humilhação pública ou abalo psíquico relevante, conforme vasta jurisprudência.
As testemunhas ouvidas nos autos assim asseveraram:
Fernanda Cristina Pereira Mendes (fl. 64):
"Que na ocasião a depoente observou um tumulto no caixa (...) que no local ouviu a explicação que não estava sendo aceito o cheque por se tratar de conta nova (...) ouviu a informação do gerente do caixa sobre o porquê da negativa.
Sheila Regina de Caires (fl. 65):
"O autor esteve na porta da locadora com Claudemir, do mercado informando que sua filha era dona da locadora (...) quando lhe foi informado por Claudemir que não poderia ser aceito o cheque do autor por se tratar de conta nova (...) que havia mais pessoas no local; que na ocasião o autor e principalmente a esposa desse estavam nervosos e alterados".
Nota-se, portanto, que em momento algum as testemunhas referiram se à atos de grosseria, humilhação, atitudes vexatórias ou discriminatórias, pois qualquer um que ali tentasse pagar com cheque recente não conseguiria, e é dever dos funcionários explicar e suportar a alteração de ânimos proporcionada, naturalmente, a quem se vê em situação como a tal.
Ademais, a testemunha Sheila deixa claro que o autor e sua esposa estavam alterados, e não os funcionários do mercado.
b) Da não obrigatoriedade de aceitação dos cheques A não aceitação da cártula, sem maiores digressões, já encontraria suficiente justificativa legal porque "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei" (Artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal).
Sabe-se que a aceitação do cheque é liberalidade do comerciante, que decide por trabalhar ou não com tal modalidade de pagamento.
Não sendo obrigado a receber cheques, ainda mais nos tempos atuais onde as fraudes se multiplicam em velocidade crescente e alarmante, aqueles que decidem por aceitar podem impor as regras da aceitação.
Diferentemente de cartões de crédito, em que senhas, máquinas eletrônicas e sistemas de conexão 'online' garantem o pagamento, os cheques são um risco ao comerciante, que só conta com a sorte e com seus mecanismos de aceitação limitada de cheques para se defender da má-fé de parte dos usuários de cheques.
Por isso, é prática comum a limitação imposta, como cheques da praça, cheques de terceiros, cheques com menos de um ano de conta, etc.
A jurisprudência já se consolidou acerca da possibilidade e da não ilegalidade de tal prática. Em caso análogo ao presente, assim se manifestou o Tribunal Catarinense:
"É fato incontroverso nos autos que a recorrida não aceitou o cheque da apelante como forma de pagamento das mercadorias por ela adquiridas em seu estabelecimento comercial.
Todavia, não parece razoável considerar que tal fato, por si só, pudesse gerar a humilhação e o abalo psíquico alegados, ressaltando-se que a apelante não logrou êxito em demonstrar que houve a sua exposição a uma situação vexatória, ou que foi desrespeitada moralmente no estabelecimento comercial da Requerida, tratada com frieza e grosseria, sendo humilhada perante inúmeras pessoas que se encontravam presentes.
Ademais, a não aceitação de cheque como forma de pagamento não configura ilícito por parte da recorrida, mas apenas exercício regular de um direito, mormente considerando a justificativa para tanto, qual seja, por se tratar de conta bancária com menos de um ano de existência, conforme admitido pela própria recorrente.
Cediço que somente o ato ilícito e que causa prejuízo a outrem gera a obrigação de indenizar (art. 927 do CC). Não ocorrendo tal situação no caso em comento, haja vista que o procedimento adotado pelos funcionários da apelada não foi ilegal, tampouco causou prejuízo à recorrente, não há dano a ser reparado" (Do corpo do acórdão, AC n. 2002.004015-0, Rel. Des. Mazoni Ferreira, DJ de 3-8-2006).
Nesse sentido, já se manifestou essa Corte:
"Não constituiu ato ilícito passível de compensação pecuniária a recusa no recebimento de cheque para o pagamento de mercadorias em estabelecimento comercial, mesmo que não haja motivo plausível, como a inscrição em cadastro de proteção ao crédito, pois praticado no exercício regular de um direito, consoante disposto no art. 188 do Código Civil, correspondente ao art. 160 do CC/1916, vigente à época dos fatos" (AC n. 2005.032259-2, Rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior, DJ de 6-11-2007).
E, ainda:
"A simples recusa do estabelecimento comercial no recebimento de cheque, desacompanhada de constrangimento ou humilhação, constitui simples aborrecimento e contrariedade, plenamente suportável ao homem normal. (AC.n.2005.005336-7, de Sombrio, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 30.1.2007)(AC n.2008.059966-6, Rel. Des. Edson Ubaldo, DJ de 1-7-2009).
Dessa forma, é patente que "o comerciante não é compelido a aceitar o cheque – título de crédito – como forma de pagamento, podendo se negar a recebê-lo mesmo que não haja, no caso concreto, motivos idôneos a dar ensejo à indigitada recusa.
A toda evidência, não ressuma ilicitude ou ilegalidade no ato praticado pela recorrida, porquanto esta agiu no exercício regular de direito, isto é, utilizou-se de um direito seu sem invadir a esfera do direito de outrem.
Agiu em estrita legalidade a empresa ré em impor, para sua segurança, a condição de não aceitar cheques de contas recentes" (AC n. 2006.041258-8, Rel. Des. Monteiro Rocha, DJ de 19-4-2007).
Posto isso, voto no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo irretocada a sentença de primeiro grau.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, decide a Câmara, por votação unânime,negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, realizado no dia 15 de fevereiro de 2011, os Exmos Srs. Desembargador Ronaldo Moritz Martins da Silva e Desembargador Robson Luz Varella.
Florianópolis, 1° de março de 2011.
Des. CARLOS PRUDÊNCIO
Presidente e Relator
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