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STF - Deferida liminar a juiz afastado por criticar lei Maria da Penha

O ministro Marco Aurélio, do STF, deferiu medida cautelar em MS 30320 para suspender ato do CNJ que afastou por dois anos o juiz Edilson Rodrigues. O afastamento foi determinado em procedimento administrativo disciplinar em que o juiz era citado por ter feito considerações contrárias à lei Maria da Penha e às mulheres. Para o ministro, a providência de afastar o juiz foi inadequada “porque as considerações tecidas o foram de forma abstrata, sem individualizar-se este ou aquele cidadão”.

24/2/2011


Excesso

STF - Deferida liminar a juiz afastado por criticar lei Maria da Penha

O ministro Marco Aurélio, do STF, deferiu medida cautelar em MS para suspender ato do CNJ que afastou por dois anos o juiz Edilson Rodrigues. O afastamento foi determinado em procedimento administrativo disciplinar em que o juiz era citado por ter feito considerações contrárias à lei Maria da Penha (lei 11.340/06 clique aqui) e às mulheres. Para o ministro, a providência de afastar o juiz foi inadequada "porque as considerações tecidas o foram de forma abstrata, sem individualizar-se este ou aquele cidadão".

"É possível que não se concorde com premissas da decisão proferida, com enfoques na seara das ideias, mas isso não se resolve afastando o magistrado dos predicados próprios à atuação como ocorre com a disponibilidade", afirmou.

O "excesso de linguagem" foi apontado em sentença prolatada em 2007 em processo que envolvia violência contra a mulher, quando o juiz era titular da 1ª vara Criminal e Juizado da Infância e Juventude de Sete Lagoas/MG. Em junho daquele ano, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais formalizou representação junto à Corregedoria do TJ estadual e ao CNJ, solicitando providências quanto às "declarações de cunho preconceituoso e discriminatório".

A representação foi arquivada pela Corregedoria do TJ/MG, mas, no CNJ, converteu-se em procedimento de controle disciplinar que resultou na imposição da pena de disponibilidade compulsória, por considerar a conduta discriminatória "análoga à do crime de racismo". Para o ministro Marco Aurélio, "entre o excesso de linguagem e a postura que vise inibi-lo, há de ficar-se com o primeiro, pois existem meios adequados à correção, inclusive, se necessário, mediante a riscadura – artigo 15 do Código de Processo Civil".

Em seu despacho, o ministro observa que o autor de atos contra a honra de terceiros responde civil e penalmente, conforme previsto no art. 5º, inciso X da CF/88 (clique aqui). "Agora, se o entendimento for o de que o juiz já não detém condições intelectuais e psicológicas para continuar na atividade judicante, a solução, sempre a pressupor laudo técnico, é outra que não a punição", afirma. No caso, a manifestação do juiz é, para o relator, "concepção individual que, não merecendo endosso, longe fica de gerar punição".

O despacho do ministro Marco Aurélio suspende a eficácia da decisão do CNJ até o julgamento final do MS, e garante ao juiz o retorno, caso afastado, à titularidade do Juízo no qual atuava.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

______________

DECISÃO

SENTENÇA – LINGUAGEM – EXTRAVAGÂNCIA – DISPONIBILIDADE – INDEPENDÊNCIA DO JUIZ – RELEVÂNCIA CONFIGURADA.

1. A Assessoria prestou as seguintes informações:

Os impetrantes pretendem suspender a eficácia e obter a declaração de insubsistência de decisão prolatada pelo Conselho Nacional de Justiça, no Procedimento de Controle Disciplinar nº 0005370-72.2009.2.00.0000 (2009.10.00.005370-1), que consistiu na imposição de pena de disponibilidade compulsória ao segundo impetrante, Juiz de Direito no Estado de Minas Gerais, pela prática de ato atentatório à dignidade do cargo, nos termos do artigo 41 da Lei Complementar nº 35/79 e da Resolução nº 30/2007 do citado Conselho.

Narram que, em 14 de junho de 2007, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais formalizou representação perante a Corregedoria-Geral de Justiça daquele Estado e o Conselho Nacional de Justiça, solicitando fossem tomadas providências quanto a declarações de cunho preconceituoso e discriminatório proferidas pelo Magistrado ao prolatar sentença no Processo nº 222.942-8/06. Transcrevo o inteiro teor da decisão:

 [...]

5.6. Para que não pairem dúvidas sobre o alegado, confiram-se os trechos da sentença tal qual transcritos na inicial da reclamação disciplinar ajuizada no CNJ:

Se, segundo a própria Constituição Federal, é Deus que nos rege – e graças a Deus por isto - Jesus está então no centro destes pilares, posto que, pelo mínimo, nove entre dez brasileiros o têm como Filho daquele que nos rege. Se isto é verdade, o Evangelho dele também o é. E se Seu Evangelho - que por via de conseqüência também nos rege - está inserido num Livro que lhe ratifica a autoridade, todo esse Livro é, no mínimo, digno de credibilidade - filosófica, religiosa, ética e hoje inclusive histórica.

Esta ‘Lei Maria da Penha’ - como posta ou editada – é, portanto, de uma heresia manifesta. Herética porque é antiética; herética porque fere a lógica de Deus; herética porque é inconstitucional e por tudo isso flagrantemente injusta. Ora! A desgraça humana começou no éden: por causa da mulher - todos nós sabemos – mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem.

 (...) Por isso - e na esteira destes raciocínios - dou-me o direito de ir mais longe, e em definitivo! O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi Homem! À própria Maria - inobstante a sua santidade, o respeito ao seu sofrimento (que inclusive a credenciou como ‘Advogada’ nossa diante do Tribunal Divino) - Jesus ainda assim a advertiu, para que também as coisas fossem postas, cada uma em seu devido lugar: ‘que tenho contigo, mulher!?’.

E certamente por isto a mulher guarda em seus arquétipos inconscientes sua indisposição com o homem tolo e emocionalmente frágil, porque foi muito também por isso que tudo isso começou.

A mulher moderna - dita independente, que nem de pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozóides - assim só o é porque se frustrou como mulher, como ser feminino. Tanto isto é verdade - respeitosamente - que aquela que encontrar o homem de sua vida, aquele que a complete por inteiro, que a satisfaça como ser e principalmente como ser sensual, esta mulher tenderá a abrir mão de tudo (ou de muito), no sentido dessa ‘igualdade’ que hipocritamente e demagogicamente se está a lhe conferir. Isto porque a mulher quer ser amada. Só isso. Nada mais. Só que ‘só isso’ não é nada fácil para as exigências masculinas. Por isso que as fragilidades do homem têm de ser reguladas, assistidas e normatizadas, também. Sob pena de se configurar um desequilíbrio que, além de inconstitucional, o mais grave, gerará desarmonia, que é tudo o que afinal o Estado não quer.

 (...) Não! O mundo é e deve continuar sendo masculino, ou de prevalência masculina, afinal. Pois se os direitos são iguais - porque são - cada um, contudo, em seu ser, pois as funções são, também, naturalmente diferentes. Se se prostitui a essência, os frutos também o serão. Se o ser for conspurcado, suas funções também o serão. E instalar-se-á o caos.

Afirmam ter ocorrido o arquivamento da representação instaurada na Corregedoria, autuada sob o nº 31.525/2007. Segundo acrescentam, o Corregedor-Nacional de Justiça, Ministro Cesar Asfor Rocha, atuando de ofício e ciente da decisão do Corregedor local, determinou a abertura de revisão disciplinar, autuada sob o nº 2008.10.00.000355-9. Registram que foi impetrado mandado de segurança contra esse ato, de nº 37.343/DF, distribuído ao Ministro Ricardo Lewandowski, no qual Sua Excelência indeferiu a liminar. O processo encontra-se extinto em razão da desistência do impetrante, com trânsito em julgado.

O Conselho Nacional de Justiça acolheu o pedido formulado pelo Corregedor em 15 de setembro de 2009, oportunidade em que houve a instauração do Processo Administrativo Disciplinar nº 2009.10.00.005370-1. Em 9 de novembro seguinte, em sessão ordinária, o Conselho aplicou a pena de disponibilidade compulsória ao segundo impetrante. Eis a síntese do pronunciamento:

 [...]

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Excesso de linguagem. Expressões discriminatórias contra o gênero feminino. Publicação. Sentença, meios regulares de comunicação e manutenção de ‘site’ pessoal na internet. Níveis de Gravidade. Alta reprovabilidade. Ocorrência. Pedido de condenação. Procedência. Prescrição. Não ocorrência. Conduta discriminatória análoga à do crime de racismo. Procedimento incorreto. Persistência. Reiteração. Pena. Dosimetria. Disponibilidade compulsória. Após rigorosa análise de dosimetria da pena, aplica-se a pena de disponibilidade compulsória ao procedimento incorreto praticado pelo requerido de maneira reiterada. A conduta consistiu em excesso de linguagem manifestada em expressões de discriminação ao gênero feminino, de modo análogo ao de crime de racismo. O excesso de linguagem comporta níveis de gravidade. No presente caso, configurou-se alta reprovabilidade. Além das expressões utilizadas no exercício da atividade judicante, por meio de sentença, o requerido conferiu extensa publicidade ao conteúdo da mesma, concedendo entrevistas e divulgando nota em diversos meios de comunicação, assim como, ainda mais grave, manteve por longa data livre acesso ao teor da sentença em seu ‘site’ pessoal na rede mundial de computadores, insistindo na correção de sua conduta.

 [...]

Os impetrantes alegam que o ato impugnado ofende a regra prevista no artigo 103-B, § 4º, inciso V, da Carta Federal, pois a revisão disciplinar pressupõe a prévia atuação da Corregedoria local. Apontam precedentes do Supremo, destacando as decisões proferidas no Mandado de Segurança nº 28.884/DF, da relatoria de Vossa Excelência, e no Mandado de Segurança nº 28.799/DF, da relatoria do Ministro Celso de Mello.

Arguem a aticipidade da conduta praticada pelo magistrado, emprestando ao artigo 41 da Lei Complementar nº 35/79 interpretação restritiva. Dizem que o excesso de linguagem apto a ensejar a punição do magistrado é aquele que configura crime contra a honra e depende, portanto, de ânimo de ofender alguém. Consoante argumentam, a decisão proferida pelo segundo impetrante possui fundamentação jurídica idônea, no sentido da incompatibilidade da Lei nº 11.360/2006 – Lei Maria da Penha – com a Carta Federal. Alegam que a defesa do ponto de vista na internet e na mídia não pode ser considerada reiteração delituosa, para a exasperação da punição, já que é posterior ao ato submetido ao processo disciplinar.

Aduzem que o pronunciamento impugnado não possui motivação válida, pois: (i) implicou a consideração de inaplicáveis as penas de advertência, censura ou remoção compulsória por revelar o entendimento equivocado de que a presença do magistrado poderá inibir os jurisdicionados; (ii) a fundamentação utilizada pelo Juiz na sentença não ofendeu a laicidade do Estado brasileiro e (iii) a disponibilidade compulsória somente pode ser aplicada quando presente o “interesse público”, conforme previsão do artigo 93, inciso VIII, da Constituição Federal e do artigo 45, inciso II, da Lei Complementar nº 35/79, do que não se cogitou na decisão colegiada ora impugnada. Por fim, apontam a ausência de adequação punitiva do ato atacado.

Sob o ângulo do risco, aludem ao decesso remuneratório sofrido pelo segundo impetrante desde que foi posto em disponibilidade, por estar recebendo remuneração proporcional ao tempo de contribuição.

O processo encontra-se concluso para apreciação do pedido de concessão de medida liminar.

2. Sob o ângulo da atuação do Conselho Nacional de Justiça, não existe relevância maior na alegação de esta se mostrar discrepante da previsão constitucional. O fato de a representação formalizada na Corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais ter sido arquivada não é óbice à atividade subsidiária do Conselho, como se percebe, mediante interpretação sistemática e teleológica, do disposto no artigo 103-B da Carta Federal, mormente no inciso V do § 4º dele constante, segundo o qual lhe incumbe rever, de ofício ou por provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano.

No mais, é inconcebível o exercício da arte de julgar sem a independência. Se aquele que personifica o Estado no implemento da soberania interna, substituindo de modo coercitivo a vontade das partes, vier a claudicar, contra o pronunciamento caberá recurso, para haver eventual revisão. É possível que não se concorde com premissas da decisão proferida, com enfoques na seara das ideias, mas isso não se resolve afastando o magistrado dos predicados próprios à atuação como ocorre com a disponibilidade. Em um Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão deve ser preservada, não desaguando em verdadeiro cerceio.

Tratando-se de ato a conspurcar o perfil de outrem,  também se podem buscar as consequências jurídicas do extravasamento. O autor responde civil e penalmente, conforme previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Agora, se o entendimento for de que o juiz já não detém condições intelectuais e psicológicas para continuar na atividade judicante, a solução, sempre a pressupor laudo técnico, é outra que não a punição.

Pois bem, surge com valor inexcedível a liberdade de expressão – incisos IV e IX do citado artigo. Depreende-se do texto referido que, ao prolatar sentença – no exercício, portanto, do ofício judicante –, o  magistrado criticou a denominada “Lei Maria da Penha”, ingressando na área filosófica para enaltecer a figura masculina, tomando a feminina como a estar em segundo plano. Ora, o que lançado é concepção individual que, não merecendo endosso, longe fica de gerar a punição.

Nem se diga que a óptica constante da sentença foi inserida em sítio da internet. Isso ocorreu no campo de outro predicado da magistratura, dos atos por esta formalizados, ou seja, o da publicidade. Além do mais, o acesso de terceiros faz-se considerado o grande todo que é a manifestação de vontade. Visão diversa acaba por inibir a atuação judicante e é prejudicial aos interesses da sociedade em geral, dos jurisdicionados. Espera-se do juiz que atue curvando-se apenas à ciência e à consciência possuídas, procedendo de modo técnico, presente a formação humanística angariada no correr dos anos. Consigno mesmo que punir o magistrado pela concepção que revele sobre certa lei, sobre os gêneros masculino e feminino, é passo nefasto que não contribui em nada para o avanço cultural, para o aperfeiçoamento das instituições.

Noto, mais, que o Conselho Nacional de Justiça, de maneira  imprópria, veio a enquadrar o pensamento do segundo impetrante a respeito dos temas envolvidos na espécie – “Lei Maria da Penha” e a dualidade homem-mulher – como análogo ao crime de racismo. Entre o excesso de linguagem e a postura que vise inibi-lo, há de ficar-se com o primeiro, porquanto existem meios adequados à correção, inclusive, se necessário, mediante a riscadura – artigo 15 do Código de Processo Civil.  Na espécie, a providência mostrar-se-ia inadequada porque as considerações tecidas o foram de forma abstrata, sem individualizar-se este ou aquele cidadão.

3. Defiro a medida cautelar para suspender, até o julgamento final deste mandado de segurança, a eficácia do que decidido pelo Conselho Nacional de Justiça no Processo Administrativo Disciplinar nº 2009.10.00.005370-1, retornando o segundo impetrante, caso afastado, à titularidade do Juízo no qual exercia o ofício judicante.

4. Solicitem informações ao Conselho Nacional de Justiça.

5. Colham o parecer do Procurador-Geral da República.

6. PUBLIQUEM.

BRASÍLIA – RESIDÊNCIA –, 20 DE FEVEREIRO DE 2011, ÀS 12H45.

MINISTRO MARCO AURÉLIO

RELATOR

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