Migalhas Quentes

Pesquisa curiosa analisa a distribuição dos processos judiciais segundo medicamento, médico prescritor e advogado impetrante da ação

A Revista de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP divulgou estudo elaborado por funcionária da Secretaria de Estado da Saúde de SP sobre a distribuição dos processos judiciais segundo medicamento, médico prescritor e advogado impetrante da ação intitulada "Ações judiciais : estratégia da indústria farmacêutica para introdução de novos medicamentos".

26/7/2010


Medicamentos

A Revista de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP divulgou estudo elaborado por funcionária da Secretaria de Estado da Saúde de SP e uma médica sobre a distribuição dos processos judiciais segundo medicamento, médico prescritor e advogado impetrante da ação intitulada "Ações judiciais : estratégia da indústria farmacêutica para introdução de novos medicamentos".

O estudo, que cita o artigo "Da falta de efetividade à judicialização excessiva: Direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial", publicado pelo advogado Luís Roberto Barroso em Migalhas (clique aqui), analisou 2.927 ações, que foram ajuizadas por 565 agentes, dos quais 549 eram advogados particulares.

Pautados pelo estudo, alguns matutinos sugerem que os laboratórios estão "manipulando" o princípio constitucional que garante acesso universal e integral à saúde para, com a ajuda de médicos e advogados, aumentar os lucros.

Já entidades de pacientes e representantes da indústria discordam da análise apresentada no trabalho.

"Sem dúvida acontecem irregularidades e elas devem ser punidas”, diz Mário Scheffer, presidente do Grupo Pela Vidda/SP de apoio a pessoas que vivem com o HIV e pesquisador do Cebes. "Mas não constituem a regra.” Scheffer sublinha que é perigoso estigmatizar as demandas judiciais de medicamentos. "Obviamente não são a forma ideal para garantir acesso às terapias, pois supõem um atraso para o paciente e um gasto maior para o Estado. Mas, muitas vezes, apressam a inclusão de uma droga importante no rol dos remédios cobertos pelo SUS".

Para Vera Valente, diretora da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa - Interfarma, os dados do Sistema de Controle Jurídico da Secretaria de Estado da Saúde deveriam receber outra leitura. "É natural a especialização de advogados em algumas áreas do direito", diz. "Além disso, os pacientes costumam se organizar em associações de pacientes e é comum que elas recorram a advogados especializados nesse tipo de ação."

Sueli Dallari, da USP, considera importante o caminho das ações judiciais e vê com otimismo recentes decisões em relação ao tema. "A cúpula do Poder Judiciário já percebeu que estava sendo usada indevidamente. Hoje tem demanda, mas há também mais negativas."

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O Estado de S. Paulo

Indústria usa ações judiciais para lucrar com medicamentos, diz estudo

Pesquisa de funcionária da Secretaria de Estado da Saúde de SP mostra concentração dos processos para compra de remédios não incluídos no SUS nas mãos de poucos advogados, e sugere que laboratórios farmacêuticos estão por trás disso

Estudo publicado na Revista de Saúde Pública mostra que a maior parte das ações movidas contra o governo estadual paulista para obtenção de medicamentos não cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) está concentrada nas mãos de poucos médicos e poucos advogados. Os resultados, segundo os pesquisadores, é mais um indício de que a indústria farmacêutica está por trás desses processos.

A pesquisa analisou 2.927 ações cadastradas no Sistema de Controle Jurídico da Secretaria de Estado da Saúde, movidas em 2006, em benefício de pacientes residentes na cidade de São Paulo. Dos 565 advogados responsáveis pelas ações, 19 ajuizaram cerca de 63% dos processos. No caso de alguns medicamentos específicos, um único advogado foi responsável por 70% das ações.

O estudo revela também uma concentração de médicos citados nas ações: nos processos para aquisição de quatro remédios, mais de 20% das justificativas foram assinadas pelo mesmo médico. O nome dos profissionais envolvidos não foram divulgados.

O título do artigo não deixa dúvidas sobre a conclusão: "Ações judiciais: estratégia da indústria farmacêutica para introdução de novos medicamentos".

Segundo o artigo 198 da Constituição, todos devem ter acesso universal e integral à saúde. O estudo sugere que laboratórios manipulam esse princípio para, com a ajuda de médicos e advogados, aumentar os lucros. Remédios comprados com liminares não passam por licitação e, por isso, o Estado é obrigado a pagar o preço estipulado pelos fabricantes, sem negociação.

Argumentos. O trabalho é resultado do levantamento realizado por Ana Luiza Chieffi, funcionária da Secretaria de Estado da Saúde, para um curso de mestrado profissional em 2008 na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Ela oferece argumentos estatísticos para frequentes críticas de secretários de saúde a essas ações.

Em setembro de 2008, quando a polícia paulista desmontou um esquema que obrigava o Estado a adquirir drogas de alto custo para psoríase, a Secretaria Estadual da Saúde estimou que cerca de 50% dos R$ 400 milhões gastos com remédios via Justiça seriam decorrentes de fraudes.

Na ocasião, o então governador José Serra (PSDB) disse que "há uma indústria de ações judiciais" e chamou a operação de "ponta de um barbante de um nó que precisa agora ser desatado". Em 2009, a secretaria afirma ter investido R$ 1,3 bilhão em remédios, cerca de R$ 400 milhões para cumprir medidas judiciais ? 30% do total. No ano estudado (2006), o gasto com ações foi de R$ 65 milhões (5,4% do total).

"Estatisticamente é impossível ? probabilidade igual a zero ? ter um único médico e um único advogado responsáveis por mais de 50% das ações solicitando um único medicamento sem que exista algum tipo de articulação entre indústria, advogado e médico", diz a pesquisadora Rita de Cássia Barradas Barata, pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e coautora do estudo.

Outros especialistas, entidades de pacientes e representantes da indústria discordam da análise apresentada no trabalho.

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‘Há irregularidades, mas não são a regra’

Representantes de pacientes, pesquisadores e indústria dizem que, na maioria dos casos, ações pelo direito de obter remédios são justificadas

A maior parte das ações judiciais não são fruto de esquemas para aumentar o lucro de indústrias farmacêuticas, mas de necessidades reais dos pacientes.

A análise é de Mário Scheffer, presidente do Grupo Pela Vidda/SP de apoio a pessoas que vivem com o HIV e pesquisador do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).

“Sem dúvida acontecem irregularidades e elas devem ser punidas”, diz ele. “Mas não constituem a regra.” Scheffer sublinha que é perigoso estigmatizar as demandas judiciais de medicamentos. “Obviamente não são a forma ideal para garantir acesso às terapias, pois supõem um atraso para o paciente e um gasto maior para o Estado. Mas, muitasvezes, apressam a inclusão de uma droga importante no rol dos remédios cobertos pelo SUS”, justifica.

Ele cita o programa de acesso universal aos antirretrovirais da aids. “As ações judiciais tiveram um papel importantíssimo. Hoje, quase não existem, pois, graças a elas, criou-se um modelo nacional e estadual de atualização periódica da lista.”

Scheffer recorda que muitos medicamentos citados no trabalho já foram incluídos na lista do SUS. Pelo menos dois–adalimumabe e etanercepte –, entraram no Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional no fim de 2006, que foi o ano analisado no trabalho.

“Também há o caso de remédios que estão na lista, mas que, mesmo assim, por problemas de gestão, só são obtidos via Justiça”, aponta Scheffer.

Para Vera Valente, diretora da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), os dados do Sistema de Controle Jurídico da Secretaria de Estado da Saúde deveriam receber outra leitura. “É natural a especialização de advogados em algumas áreas do direito”, diz.“Além disso, os pacientes costumam se organizar em associações de pacientes e é comum que elas recorram a advogados especializados nesse tipo de ação.”

“A judicialização da saúde é ruim para todo mundo”,complementa Vera. “É ruim para o paciente porque recebe o remédio atrasado, ruim para a empresa porque vende poucas unidades e ruim para o Estado, porque paga mais caro.”

Para ela, a solução é atualizar com mais frequência a lista dos medicamentos do SUS. Vera também defende a participação dos laboratórios nas discussões.

“Sabemos que os recursos são limitados, por isso a presença da indústria ajudaria a encontrar soluções para garantir uma aplicação mais eficaz.”

A presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), Merula Steagall, afirma que é motivo de orgulho a existência de uma cláusula na Constituição que garante o direitoà atenção em saúde e que permite aos pacientes exigir na Justiça o respeito a esse direito.

“Seria um retrocesso impedir as ações só porque uma minoria atua de forma criminosa”, considera Merula. “É necessário punir os culpados e garantir os direitos dos demais.” Ela elogia o governo do Estado por oferecer drogas para tratamento de câncer já aprovadas pela Anvisa, masque não foram incluídas nas listas do SUS.

“Nos últimos 12 anos, nenhuma droga para câncer foi incluída na lista do Ministério da Saúde”, diz a presidente da Abrale.

“Há pelo menos 70 medicamentos na fila de espera.” Ela aponta que, fora de São Paulo, muitos pacientes, mesmo com ação judicial, não têm acesso aos remédios que necessitam.

PARA LEMBRAR

STF defendeu legitimidade dos pedidos

O Supremo Tribunal Federal indeferiu em março nove recursos apresentados pelo Poder Público contra decisões judiciais que obrigavam o SUS a comprar medicamentos.

O ministro Gilmar Mendes disse que, “na maioria dos casos”, a intervenção garante o “cumprimento de políticas já estabelecidas”.

Folha de S.Paulo

Ações por remédios caros favorecem ricos, diz estudo

Pessoas com maior poder aquisitivo conseguem medicamento na Justiça

Para autor de pesquisa, número crescente de processos garante a poucos vantagens sobre recursos escassos

O crescente número de ações judiciais para a aquisição de medicamentos aumenta as desigualdades do sistema de saúde brasileiro.

Concentradas nas áreas mais ricas do país, as ações são sobretudo individuais, focam excessivamente tratamentos de alto custo e em regra não favorecem as pessoas com as piores condições socioeconômicas e as maiores necessidades em saúde.

As conclusões constam de estudo do advogado Octavio Luiz Motta Ferraz, professor de direito da Universidade de Warwick (Reino Unido), publicado em revista da "Harvard School of Public Health" (EUA).

"A judicialização garante a poucos, aos que têm acesso mais fácil ao Judiciário, benefícios que o Estado não pode dar a toda a população, já que os recursos são necessariamente escassos", afirma.

Em outro estudo (ainda não publicado), Ferraz traduz a desigualdade em números. Os cinco Estados com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) concentram quase 75% dessas ações em nível federal, embora representem cerca de 45% da população do país.

"Como a taxa de sucesso dessas ações é altíssima, o privilégio dos que buscam os tribunais não é baseado em nenhuma concepção de justiça, mas exclusivamente na habilidade de recorrer ao Judiciário -algo que os mais pobres e necessitados não possuem", diz Ferraz.

De acordo com ele, a desigualdade se repete no nível estadual: "As ações vêm das regiões mais ricas dentro dos Estados, e a população de Estados mais desenvolvidos recorre mais à Justiça."

A advogada Karina Bozola Grou, gerente jurídica do Idec, discorda dessa argumentação. Para ela, a maioria das pessoas que ingressam com ações no SUS não tem condições financeiras de bancar os tratamentos ou não encontra os medicamentos na rede pública.

50 MIL, TODOS OS ANOS

Cerca de 50 mil pessoas por ano recorrem à Justiça para obter remédios de última geração -a tabela SUS está desatualizada há quase um década- ou drogas em falta na rede pública. "Já vi ação até para aspirina", diz Sueli Dallari, da Faculdade de Saúde Pública da USP.

De acordo com Grou, as ações judiciais são importantes para levar o poder público a rever políticas de saúde.

"Hoje existe uma demonização das ações. Os gestores dizem que elas causam transtornos, que há gastos desnecessários. Por outro lado, eles demoram para rever seus protocolos clínicos e há escassez de medicamentos."

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Gasto é maior em 2009 que nos 6 anos anteriores

Entre 2003 e 2009, o Ministério da Saúde respondeu a 5.323 processos judiciais com solicitações de medicamentos, um gasto de R$ 159,03 milhões. Só em 2009, foram R$ 83,16 milhões-78,4% deste valor foram para comprar 35 drogas importadas.

Não estão computadas neste montante as ações ingressadas diretamente nos Estados e municípios.

Segundo Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, a "epidemia" de ações judiciais tem desequilibrado o sistemas de saúde.

"A política de prioridades deixa de ser dada pelo gestor e passa a ser determinada por juízes de primeira instância. Além disso, muitas das pessoas que têm acesso à Justiça não estão na camada desassistida da população."

Guimarães acredita que a saída para frear a judicialização seja a regulamentação do conceito de integralidade da saúde. Projeto que trata disso já foi aprovado pelo Senado, agora tramita na Câmara.

Nela, está definido que o fornecimento de remédios e outros produtos de saúde é uma atribuição do gestor.

Entre outras coisas, determina que o ministério atualize tabelas de remédios e procedimentos do SUS pelo menos uma vez por ano.

Para o médico Marcos Bosi Ferraz, diretor do centro economia da saúde da Unifesp, é preciso assumir o ônus político de que não é possível oferecer tudo para todos.

"Temos de mudar a mentalidade de país subdesenvolvido em que se teme dizer "não" e perder votos", diz.

Para ele, a decisão sobre quais remédios e tratamentos oferecer deveria ser técnica e fundamentada nas melhores evidências científicas, mas reconhecendo a limitação de recursos existentes.

Sueli Dallari, da USP, considera importante o caminho das ações judiciais e vê com otimismo recentes decisões em relação ao tema. "A cúpula do Poder Judiciário já percebeu que estava sendo usada indevidamente. Hoje tem demanda, mas há também mais negativas." (CC)

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