Reclamação trabalhista
JT de Campo Grande/MS rejeita pedido de indenização proposto por pais de indígena atropelado por roçadeira
Mara Cleusa Ferreira Jeronymo, juíza da 4ª vara do Trabalho de Campo Grande/MS, rejeitou pedido de indenização no valor de R$ 100 mil proposto por pais de indígena que faleceu após ter sido atropelado por uma roçadeira.
Segundo os autos, "conclui-se que o acidente que vitimou o trabalhador ocorreu por sua culpa exclusiva". O acidente ocorreu um dia após ele ter sido dispensado do trabalho.
A juíza julgou improcedente o pedido de reclamação trabalhista e acolheu apenas o pedido de salário in natura da alimentação e alojamento, bem como do FGTS. Tendo em vista o período de trabalho, ficou arbitrado valor provisório de R$ 300,00 e custas no valor de R$ 10,64.
A empresa foi defendida pelo advogado Danny Fabrício Cabral Gomes, do escritório Cabral Gomes Advogados Associados.
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Confira abaixo a decisão na íntegra.
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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
4ª VARA DO TRABALHO DE CAMPO GRANDE
PROCESSO Nº 0321-2009-004-24-00-5
ATA DE AUDIÊNCIA
Aos 07 dias do mês de abril de 2010, às 17h51min, junto à sala de audiência da 4ª Vara do Trabalho de Campo Grande, presente a Exma. Juíza do Trabalho Substituta MARA CLEUSA FERREIRA JERONYMO, em audiência nos autos do processo nº 0321-2009-004-24-00-5, na ação ajuizada por ESPÓLIO DE EDSON NELSON (REPRESENTADO POR NITO NELSON E MARIA MOREIRA NELSON) em face de INFINITY AGRÍCOLA S.A., foram as partes apregoadas, ausentes, proferindo-se a seguinte sentença:
I - RELATÓRIO
ESPÓLIO DE EDSON NELSON (REPRESENTADO POR NITO NELSON E MARIA MOREIRA NELSON) ajuíza a presente ação trabalhista na data de 16.03.09 em face de INFINITY AGRÍCOLA S.A., e pelos fundamentos fáticos e jurídicos pleiteia o acolhimento dos pedidos elencados às fls. 20-21. Atribui à causa o valor de R$ 100.000,00.
Em audiência, restou frustrada a tentativa de conciliação, recebendo-se a contestação da ré que pleiteia a rejeição dos pedidos.
As partes juntaram documentos.
Audiência com oitiva de testemunhas, encerrando-se a fase de instrução com razões finais remissivas pelas partes e sem êxito a última proposta conciliatória.
É o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. PRELIMINARES
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Argúi a ré ser incompetente a Justiça do Trabalho para julgamento do pedido de indenização por danos morais e materiais decorrentes do acidente de trabalho uma vez que não mais existente o vínculo de emprego entre as partes quando da ocorrência do acidente, visto que a rescisão ocorreu em 11.02.09 e o acidente no dia seguinte, havendo a dispensa do cumprimento do aviso-prévio.
Rejeita-se a preliminar.
A teor do artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal, cabe a esta Especializada a apreciação da matéria, mormente em se considerando que o aviso-prévio integra o tempo de serviço para todos os efeitos, na forma do artigo 487, § 1º, da CLT.
INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL
Argúi a ré ser inepta a petição inicial em relação à multa do art. 467 da CLT por ausência de base de cálculo.
Rejeita-se a preliminar.
Embora o autor de fato não tenha declinado a base de cálculo, tal questão não implica em inépcia da petição inicial, pois na análise da incidência ou não da multa em questão, será verificada sua adequação ao caso concreto, ou seja, a existência de controvérsia ou não acerca de eventuais verbas rescisórias pleiteadas na presente ação, e se definirá as verbas rescisórias sobre as quais incide.
Por preenchidos os requisitos previstos no art. 840 da CLT, rejeita-se a preliminar.
CARÊNCIA DE AÇÃO – ILEGITIMIDADE ATIVA
Argui a ré a preliminar em epígrafe, asseverando não ser o espólio parte legítima para figurar no pólo ativo, mas sim os herdeiros.
Rejeita-se a preliminar.
No âmbito da Justiça do Trabalho fixou-se o entendimento de que os legitimados para ajuizamento da ação em que se postula verbas oriundas de vínculo de emprego extinto em razão do falecimento do trabalhador, deve ser observado o disposto na Lei 6858/81.
Portanto, são partes legítimas para pleitear em Juízo o direito em questão as pessoas que são indicadas perante a Autarquia Previdenciária como dependentes do trabalhador e na ausência desta, observa-se a ordem prevista na legislação civil, comportando assim, a legitimidade do espólio representado pelos pais (ascendentes) do de cujus, direito este assegurado no artigo 943 do Código Civil.
Ante o exposto, rejeita-se a preliminar.
2. MÉRITO
REMUNERAÇÃO
Pleiteia o autor o reconhecimento da remuneração no importe de R$ 2.300,00 mensais, consistente em piso salarial da categoria, produtividade, salário in natura (alimentação), utilidade (alojamento), com pagamento dos reflexos em horas extras, verbas rescisórias e FGTS acrescido da multa de 40%.
A ré impugna o pleito, alegando que o salário do autor era de R$ 473,00, consoante cláusula convencional e contrato de trabalho, sendo que a título de verbas rescisórias é devido o importe de R$ 137,48. Afirma que realizava descontos a título de refeições, consoante previsão no acordo coletivo da categoria.
Juntados aos autos o contrato de trabalho do autor, fl. 112, constata-se que a remuneração pactuada importava no piso da categoria (cláusula 4ª), que era no importe de R$ 473,00, consoante cláusula 3ª, fl. 121, sendo que a testemunha da ré declara que o salário era calculado pela produção, garantindo-se o piso da categoria, fl. 210, item 16, presumindo-se que o autor não tivesse alcançado grande produção, uma vez que restou comprovado nos autos a ausência ao trabalho em diversos dias, de acordo com o declarado pela testemunha da ré, item 17, fl. 210.
No que tange ao valor do salário in natura é de se acolher o pleito, uma vez que a demandada não nega o fornecimento da alimentação, contudo, não existe nos autos documento a comprovar a existência do desconto da parcela.
Em relação ao alojamento, não houve impugnação específica do pleito, pelo que, presume-se a veracidade dos fatos declinados.
Diante do exposto, acolhe-se o pedido e condena-se a ré no pagamento de reflexos do salário in natura, no importe de R$ 150,00 por mês pelo fornecimento da refeição e alojamento, em férias acrescidas do terço constitucional, 13º salário e FGTS.
VERBAS RESCISÓRIAS
Postula o autor o pagamento das verbas rescisórias.
A ré alega ter findado o vínculo por iniciativa do autor em 11.02.09, quando ocorreu a dispensa do cumprimento do aviso-prévio.
Considerando que o falecimento do autor ocorreu no dia seguinte, não houve tempo hábil para o pagamento das verbas rescisórias, as quais foram objeto de
depósito em Juízo, no valor de R$ 138,00, conforme documentos de fls. 117 e 174.
Por sua vez, o pedido de demissão foi juntado aos autos às fls. 114 e 15, e embora impugnada a assinatura aposta nos mesmos, observa-se que esta encontra-se em conformidade com a existente no contrato de trabalho, fl. 112 e no atestado de saúde ocupacional de fl. 113, pelo que, conclui-se pela veracidade do documento referente ao pedido de demissão formalizado pelo autor.
Com relação ao pagamento, a empresa já efetuou o respectivo depósito do valor consignado no TRCT.
Contudo, não há nos autos prova do recolhimento do FGTS, pelo que, condena-se a ré no pagamento da parcela, observada a base de incidência prevista no artigo 15 da Lei 8.036/90.
Ante o exposto, acolhe-se em parte o pedido.
HORAS EXTRAS – REFLEXOS
Postula o autor o pagamento de horas extras e reflexos, asseverando que o de cujus trabalhava em média das6h30min às 17h30min/18h, com intervalo de 1 hora para refeição, todos os dias da semana, no curso do vínculo de emprego.
A ré nega o pleito, asseverando ter contratado o autor para trabalhar das 6h30min Às 10h30min e das 11h30min às 14h50min, mas em razão das particularidades da plantação de cana-de-açúcar deveriam respeitar o itinerário de transporte dos trabalhadores, sendo que no período compreendido entre 28.01.09 a 10.02.09 o de cujus trabalhou apenas 1 dia, faltando os demais ou sendo dispensado em razão do problema de alcoolismo.
Juntado aos autos o único cartão-ponto, fl. 116, constata-se que o mesmo se refere apenas a parte do período trabalhado e não contempla a assinatura do autor, não servindo como prova da real jornada praticada.
Contudo, na busca da verdade real tomou-se o depoimento da testemunha Vanderlei Pereira da Silva, responsável pelo alojamento dos empregados, que afirmou ser o horário de trabalho das 6h30min às 10h30min e das 11h30min às 14h50min, sendo que o autor possuía diversas faltas no serviço, fl. 210, o que foi confirmado pela testemunha Anderson Morales, fl. 262.
Diante do exposto, não se verifica a existência de horas extras a serem pagas, pelo que, é de se rejeitar o pedido do autor.
INDENIZAÇÃO – ACIDENTE DE TRABALHO
Postula o autor o pagamento de indenização decorrente de acidente de trabalho, asseverando que no dia 12.02.09, em torno das 18h, o de cujus foi atropelado por uma máquina roçadeira, que lhe causou a morte. Assevera que o evento decorreu de imprudência por parte da empresa que não propiciou segurança necessária no meio ambiente de trabalho. Requer assim, o pagamento de indenização por danos morais e materiais decorrentes do óbito.
A ré alega culpa exclusiva da vítima para o acidente, o que lhe retira a responsabilidade pela indenização, relatando que o autor após ter se embriagado, deitou-se no meio de um denso capinzal, com altura aproximada de 1,20 metros, o que impediu a visualização da vítima pelo motorista da máquina roçadeira.
A Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XXVIII, estabelece a responsabilidade objetiva do órgão previdenciário e subjetiva do empregador pelos acidentes de trabalho (artigo 342 do Dec. 3048/99).
Ajuizada a ação em face do empregador, cabe ao autor, portanto, comprovar a existência dos requisitos necessários a ensejar a indenização: autoria, nexo de causalidade, culpa ou dolo e dano (artigos 186 e 927 do Código Civil).
Em sendo comprovado o acidente de trabalho, assim classificado (artigo 19 a 21 da Lei 8.213/91), com culpa da ré por não observar as normas de segurança, deve esta responder pelo dano causado (artigo 927 Código Civil).
No caso vertente a prova produzida nos autos não autoriza o reconhecimento da culpa empresarial.
Com efeito, incontroverso nos autos que o acidente ocorreu por volta das 18h, ou seja, no anoitecer, em razão de estar o autor deitado em um local próximo à sede da demandada, onde havia vegetação em altura que não permitia visualizar qualquer pessoa.
O fato de não existir placa indicativa para que não houvesse acesso ao local onde ocorreu o acidente por transeuntes não comprova a ausência de segurança no local, uma vez que é razoável concluir que em se tratando de empresa localizada em zona rural, por certo que existem caminhos e trilhas que são observadas pelos que residem e trabalham naquele estabelecimento.
Aliás a testemunha indicada pela ré comprova a existência de acesso ao alojamento em estradas públicas, sendo que no local onde ocorreu o acidente não era área de passagem, fl. 210, item 9.
Também corrobora a alegação da demandada quando ao estado de embriaguez por parte do de cujus uma vez que ambas as testemunhas, da ré e do autor, confirmam que a altura da vegetação era de aproximadamente 1 metro no local do acidente, o que impediu a visualização por parte do motorista da máquina da pessoa do autor ensejando a conclusão de que o mesmo encontrava-se deitado no campo.
Assim, conclui-se que o acidente que vitimou o trabalhador ocorreu por sua culpa exclusiva, pelo que, ausentes os requisitos essenciais para o reconhecimento do direito à indenização por danos morais e materiais.
Rejeitam-se os pedidos.
JUSTIÇA GRATUITA
Comprovado pelo autor o preenchimento dos requisitos dos art. 4° da Lei 1060/50, 14, § 1°, da Lei 5584/70 (OJ 304 da SDI-1), regras abrangidas pelo atual art. 790, § 3°, da CLT, concede-se o benefício da gratuidade judiciária.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Na Justiça do Trabalho a condenação em honorários não decorre somente da sucumbência, sendo cabível quando o autor estiver assistido por sindicato e receba salário inferior a dois mínimos legais ou seja beneficiário da gratuidade judiciária
(artigos 14 e 16 da Lei 5584/70), estando limitada a condenação a 15% do líquido apurado em execução (artigo 11, § 1°, da Lei 1060/50), conforme orientação nas súmulas 219 e 329 do C. TST.
No caso vertente o autor não está assistido pelo sindicato de classe, pelo que, rejeita-se o pedido.
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
A incidência de juros e correção monetária é matéria adstrita à fase de liquidação, não havendo prejuízo a ausência de definição de critérios de incidência destas parcelas na fase cognitiva, nos termos da súmula 211 do TST, uma vez que serão observados os dispositivos legais acerca da matéria.
III - CONCLUSÃO
ISTO POSTO, na ação ajuizada por ESPÓLIO DE EDSON NELSON (REPRESENTADO POR NITO NELSON E MARIA MOREIRA NELSON) em face de INFINITY AGRÍCOLA S.A, observados os fundamentos e critérios supra, julga-se procedente em parte os pedidos nos seguintes termos:
a) Rejeitam-se as preliminares;
b) Determina-se que a ré proceda ao pagamento das seguintes parcelas:
- Reflexos do salário in natura;
- FGTS.
Abatam-se os valores comprovadamente pagos sob a mesma rubrica.
Juros e correção monetária na forma da lei.
Imposto de Renda deve ser calculado, recolhido e comprovado pelo réu, no prazo de quinze dias após o recolhimento (artigo 28 da Lei 10.833/03), incidindo sobre o valor a ser pago ao autor, deduzindo-se do seu crédito, observando-se o regime de caixa (artigo 46 da Lei 8.541/91 e Provimento CGJT n. 1 do TST), observada a isenção prevista no artigo 5º da Resolução da Receita Federal nº 15 de 06.02.01.
Contribuição previdenciária incidente sobre as verbas de natureza salarial (artigo 28, § 8° e § 9°, da Lei 8.212/91), observado o teto de isenção, suportada por ambas as partes (artigo 276, § 4°, do Dec. 3.048/99), atualizada nos termos do artigo 879, § 4°, da CLT, a ser recolhida até o dia dois do mês subseqüente ao da liquidação (artigo 276 do Dec. 3.048/99).
Concede-se ao autor os benefícios da gratuidade judiciária.
Arbitra-se à condenação o valor provisório de R$ 300,00 e custas no importe de R$ 10,64.
Intime-se a PGFN.
Intimem-se as partes.
Cumpra-se após o trânsito em julgado.
Campo Grande, 07 de abril de 2010.
MARA CLEUSA FERREIRA JERONYMO
Juíza do Trabalho Substituta
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