Mudanças no ECA! Por quê?
O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma das leis mais avançadas do mundo no tocante ao trato dos direitos e obrigações da criança e do adolescente. Difundiu-se, entretanto, erroneamente que a referida lei serve apenas para beneficiar o menor infrator. De imediato, o que nos revolta é que a maioria das pessoas que tem essa opinião, nunca se deu ao trabalho de ler sequer um único artigo da lei, não tem a menor idéia do porque da sua existência, mas, por absurdo que pareça, encontra toda ordem de motivos esdrúxulos para criticá-la.
A histeria coletiva é tanta que dá a entender a quem vê de fora ou ao desavisado, que a violência praticada pelo menor infrator e que assola nosso país, é fruto exclusivo das punições brandas que a lei impõe. É preciso ficar claro que o Estatuto da Criança, ao tratar dos “crimes” e das “penas”, não tem, nem nunca terá, o objetivo de conter a violência, mas sim de promover a recuperação do menor, que, a priori, é um iniciante na vida criminosa. É justamente por esse motivo que no Estatuto, aquilo que o código penal chama de “pena” tem a denominação de medida sócio-educativa e aquilo que chama de “crime” se trata por ato infracional, ou seja, é lei de caráter absolutamente distinto do Código Penal.
Caso fosse aplicado na sua integralidade, o Estatuto da Criança, seria sim, em última análise, um maravilhoso instrumento para reduzir a criminalidade do menor, mas não pela sua via punitiva e sim pela via da recuperação social. A situação de ignorância pública a respeito do Estatuto da Criança é tão crítica que o Conselho Tutelar, órgão que foi criado com o objetivo exclusivo de proteger os direitos da criança e do adolescente e nunca, jamais, em tempo algum para cuidar de atos infracionais, é constantemente acionado pelas autoridades policiais para atender casos que envolvam adolescentes infratores, ou seja, a própria autoridade desconhece os objetivos da lei. Hoje, a sociedade e o Estado querem a alteração da lei, aumentando o tempo da medida de internação (pena).
Ora, como se pode deduzir que as atuais disposições legais são ruins, se a lei nunca foi aplicada como se deveria? Como se pode afirmar que a pena máxima de três anos, prevista atualmente é inadequada se quando foi aplicada nunca se obedeceu ao disposto nos artigos 123 e 124 do Estatuto. Se o Estado não foi competente até hoje para promover a reeducação dos menores infratores com os atuais períodos de internação, transformando as FEBENS em verdadeiras escolas de criminosos, o que podemos esperar de jovens que ficarão mais tempo ainda nestas “faculdades” ou em outras ainda piores, pois pela proposta, quando o menor internado completar 18 anos, será transferido para presídios comuns para o restante do cumprimento? O Estado deveria deixar de lado a hipocrisia e partir definitivamente para a ação efetiva, dando cumprimento aos mandamentos do Estatuto da Criança e do Adolescente ao invés de querer mudar o que nunca foi sequer tentado.
Ao recolher os menores infratores em unidades de internação que desrespeitam descaradamente o Estatuto da Criança, o Estado literalmente os entrega ao mundo da bandidagem, onde, ao invés de recuperação, encontram todo o tipo de incentivo para rumarem para uma vida de crimes e vícios, alimentando ainda mais a já incontrolável violência que assola nosso país.
Por isso, sem medo de errar, posso afirmar categoricamente que é o próprio governo quem vem alimentando a violência. Quanto à sociedade, esta deve sempre procurar refletir antes de opinar, sair à busca de conhecimento sobre os assuntos de que não tem domínio, para não deixar se levar por discursos descompromissados e sem qualquer consistência e, com isso, evitar piorar aquilo que já é ruim.
O que devemos fazer hoje é exigir do Estado que antes de pedir mudanças, ao sabor de ideais populistas, que simplesmente cumpra o que manda a lei e só depois disso, avaliando resultados, fale em necessidade de mudar.
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*Advogado e Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Jundiaí
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