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Desafios do Direito Penal no Mundo Globalizado: A aplicação da Lei Penal no espaço

O surgimento de novas tecnologias, notadamente da informática, como conseqüência de um ainda contemporâneo processo de globalização, acarretou mudanças consideráveis na sociedade, tanto que poderíamos comparar o impacto causado pelo surgimento da Internet ao sofrido com o considerado “avanço técnico” promovido durante a Revolução Industrial no século XVIII.

17/1/2008


Desafios do Direito Penal no mundo globalizado: A aplicação da Lei Penal no espaço

Christiany Pegorari Conte*

Sumário: 1. Introdução – 2. Breves Considerações acerca da Ciência Penal e os Desafios do Novo Milênio – 3. O Direito Penal e a Globalização: características e tendências – 4. Direito Penal Internacional e a Aplicação da Lei Penal no Espaço - 5. Conceito de Território – 5.1. Território físico - 5.2. Território por ficção - 5.3. Território virtual ou ciberespaço – 6. Local do Crime - 7. Territorialidade temperada - <_st13a_metricconverter productid="8. A" w:st="on">8. A extraterritorialidade e os Princípios que norteiam a aplicação da lei penal no espaço - 9. Convenção de Budapeste sobre Cibercrime - 10. Breves considerações sobre a fixação de competência nos delitos informáticos; 11. Considerações Finais – 12. Bibliografia.

1. Introdução

O surgimento de novas tecnologias, notadamente da informática, como conseqüência de um ainda contemporâneo processo de globalização, acarretou mudanças consideráveis na sociedade, tanto que poderíamos comparar o impacto causado pelo surgimento da Internet ao sofrido com o considerado "avanço técnico" promovido durante a Revolução Industrial no século XVIII.

Assim, os fenômenos tecnológicos ocorridos na denominada era da informação, que teve início nos anos 50 e ganhou força após o fenômeno da globalização, na segunda metade dos anos 80, por óbvio, atingiram e vem atingindo todas as ciências existentes, notadamente, com o advento das telecomunicações e sua fusão com a informática.

Da mesma forma, o Direito não ficou excluído destas inovações, ao contrário, passou a ter de enfrentar mais um desafio, qual seja o de solucionar as questões jurídicas atinentes a esta nova realidade. Surge, então, um novo Direito: o Direito da Internet e da Sociedade da Informação.

A partir da década de noventa desponta a problemática da relação entre o Direito e as novas tecnologias, na qual se sobressaem dois pontos: o primeiro, relacionado à capacidade ou monopólio do Estado, através do Direito, de regular estas novas tecnologias, no sentido de incriminar e punir novas condutas socialmente danosas ou penalmente relevantes; o segundo, ligado ao impacto destes sistemas informacionais no próprio Direito e suas Instituições.

O desenvolvimento da Internet trouxe sensíveis vantagens à vida moderna, posto que esta se transformou no meio mais fácil e rápido de comunicação de dados, entretanto, também acarretou num indesejável incremento da criminalidade, uma vez que tem sido utilizada para a prática de atividades ilícitas, se transformando em um novo instrumento de cometimento de crimes que anseia por amparo do Direito Penal.

Dessa forma, a utilização do ambiente da Internet facilitou a prática de crimes já existentes, bem como possibilitou a criação de novas práticas criminosas que atingem os mais diversos direitos, causando prejuízos de todas as ordens em todo o globo.

O surgimento do denominado mundo virtual ou ciberespaço, que apresenta novas concepções de tempo e, sobretudo, de espaço, passou a constituir um empecilho à correta aplicação da lei penal, posto que a concepção clássica de território (espaço físico) ganha outra denotação, qual seja: de espaço virtual, isto é, ambiente global no qual há uma transcendência dos limites territoriais (da vida real).

Assim, o ciberespaço não é propriamente um território, mas se caracteriza por um fluxo constante de informações, através de redes de comunicação, de forma que a localização da informação passa a ter relevância, uma vez que é ela quem dá a idéia de território, desvinculado do espaço físico, surgindo daí, diversas questões a serem solucionadas pelo direito penal e processual penal.

Ademais, há que se ter em mente que os delitos perpetrados em ambiente virtual possuem caráter transnacional, uma vez que atingem diversos países, simultaneamente, que somado ao caráter global do ciberespaço, faz surgir a necessidade de uma nova análise acerca do exercício da aplicação da lei penal no espaço.

É preciso ter em vista que, num mundo cada vez mais globalizado, há a necessidade de que o Direito Penal acompanhe as constantes evoluções tecnológicas, com o fito de garantir a correta aplicação da lei e, por conseguinte, atingir o ideal de justiça e de promoção da paz social.

2. Breves Considerações acerca da Ciência Penal e os Desafios do Novo Milênio

A passagem para o século XXI, por si só, já constitui uma boa razão para uma re-análise do que quer que seja e, quando tratamos da Ciência do Direito Penal, isso se torna ainda mais importante, tendo em vista que tanto a existência, quanto a sobrevivência desta estão intimamente relacionadas às exigências de seu tempo.

Nesse sentido, Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli afirmam que:

A efetividade do direito penal é a sua capacidade para desempenhar a função que lhe incumbe no atual estágio de nossa cultura. (...) Um direito penal que não tenha esta capacidade será não efetivo e gerará tensões sociais e conflitos que acabarão destruindo sua eficácia (vigência).1

Esses autores nos apresentam uma linha de pensamento interessante, consolidando a idéia de que quando o Direito Penal deixa de corresponder aos anseios da sociedade fica reduzido a um simples exercício de poder por parte do Estado, perdendo a sua efetividade.

Dessa forma, merece destaque o questionamento acerca das tarefas que o Direito Penal terá de enfrentar face às evoluções sociais que se apresentam e que modelam a nova sociedade, dita da informação.

Nessa esteira, a Ciência do Direito Penal coloca no banco dos réus as concepções clássicas e deverá proceder à revisão destas, passando a cultivar de forma mais acentuada as premissas supranacionais. É preciso ter em mente que alguns delitos que surgiram (como os crimes informáticos), e outros que foram fomentados, exatamente com a evolução da sociedade e pela revolução tecnológica, só podem ser combatidos com êxito numa atuação conjunta, de maneira que, regulações distintas e de diferentes intensidades acarretam num verdadeiro "oásis de criminalidade".2

O autor alemão Claus Roxin nos ensina que:

A Ciência Penal terá de proporcionar as bases científicas para um direito penal supranacional em curto prazo, isto é, propiciar o fortalecimento de um Direito Penal Internacional (...). A ciência penal do futuro terá que desenvolver-se sobre fundamentos internacionais em maior medida do que há feito até agora.3

Insta salientar que a criminalidade é um fenômeno que surge de forma muito similar em todos os países do globo, notadamente, com as facilidades que os meios tecnológicos, sobretudo a Internet, propiciam para que uma conduta parta ou espraie seus efeitos em qualquer país, daí porque se costuma denominar os delitos perpetrados em ambiente virtual de criminalidade transnacional.

Dessa feita, o futuro do direito penal, não obstante as diferentes lei penais existentes em cada país, exige, no mínimo, uma maior colaboração entre os Estados do globo, para uma eficaz investigação e punição dos delitos transfronteiriços.

3. O Direito Penal e a Globalização: características e tendências

Trata-se a globalização de um processo pelo qual ocorre a integração entre as economias e sociedades de vários paises, sendo que esta permite a transnacionalização de mercadorias, serviços e informações.

O colapso do regime socialista na Europa Oriental, a partir da segunda metade dos anos 80, que culminou com a desagregação da URSS, no inicio dos anos 90, foi decisivo para o fim da chamada Guerra Fria e condição para a constituição de uma Nova Ordem Mundial, na qual não faz mais sentido a bipolarização política, ideológica e econômica entre o capitalismo e o socialismo. Dentre os principais indicadores e tendências dessa Nova Ordem destaca-se a intensificação do processo de globalização econômica e financeira marcada pela acelerada transnacionalização do capital, integração de mercados, da interdependência, da competitividade no comércio internacional, da abertura das economias nacionais, tudo isso viabilizado pela dinâmica das rápidas inovações tecnológicas. O fim regime socialista derrubou, portanto, os últimos entraves políticos e ideológicos à expansão geográfica do capitalismo praticamente para todos os lugares da Terra.

Assim, a globalização faz parte da dinâmica de mundialização da economia que implica em rearranjos regionais e busca de novas diretrizes.

A luz do que preceitua Eric Hobsbawm:

Antes de mais nada, penso que não se pode identificar a globalização só com a criação de uma economia global, ainda que esta seja o seu centro e o seu aspecto mais evidente. Temos de olhar além da economia. A globalização baseia-se em primeiro lugar na eliminação de aspectos técnicos, mais do que econômicos, que constituem o seu pressuposto: a distância e o tempo. (...).4

Através da globalização, ampliou-se a integração de mercados, a interdependência entre as economias nacionais e estrutura-se, cada vez mais, uma rede mundial de mercados de produtos, bens, serviços, capitais e tecnologia.

Desde que surgiu no final do século XX, a expressão globalização tem sido utilizada em larga escala para explicar diversos fenômenos.

Em verdade, a globalização pode ser caracterizada como um fenômeno histórico impulsionado pela expansão do capital produtivo e financeiro, levando a uma maior integração de mercados e à interdependência econômica dos países, tudo isso tendo como substrato o advento de novas tecnologias.

A partir do ingresso do Brasil no fenômeno da globalização, bem como da ênfase dada à abertura econômica no fim dos anos 80 e inicio da década de 90, o país pode experimentar um crescimento econômico jamais imaginado, além de sua integração à economia global.

Assim, a globalização é um fenômeno em plena expansão, que verdadeiramente tende a mudar, cada vez mais, a feição de diversos segmentos sociais e científicos, trazendo novos hábitos, novos costumes, novas expectativas, novas possibilidades e novos problemas.5 O mundo interconectado abriu caminhos alternativos para a prática de ilícitos, fato que impõe a necessidade de um aprimoramento da eficácia penal.

Conforme nos explica Moisés Naím:

Nos anos 90 ocorreram importantes transformações políticas e econômicas, aliadas à chegada de tecnologias revolucionárias às mãos de civis, que dissolveram os mecanismos em que os governos tradicionalmente confiavam para assegurar suas fronteiras nacionais, bem como possibilitaram uma maior integração de economias, políticas e culturas mundiais.6

A tecnologia trouxe a expansão das operações de mercado, bem como de outros segmentos, não apenas geograficamente, ao minimizar custos (como o de transporte), mas também ao tornar possível o comércio de uma vasta gama de produtos que não existiam anteriormente.

Os novos meios eletrônicos de comunicação propiciaram uma alteração significativa das relações jurídicas e do modo operacional de muitas atividades, de maneira geral, sobretudo com o advento de uma nova concepção de tempo e de espaço. Hoje em dia, grande parte das nossas atividades rotineiras pode ser realizada através da rede mundial de computadores.

Conforme nos ensina o Professor Marco Antonio de Barros:

A tutela punitiva tecnológica é um tema ainda pouco explorado para os padrões da chamada Sociedade da informação, na qual se sobressai a intensa utilização de ultra modernos meios de comunicação filiados à tecnologia, notadamente a internet (cadeia de redes em escala mundial utilizada para circulação de informações de todos os tipos) os quais revolucionaram os hábitos diários de grande parte da população planetária.7

A sociedade moderna exige um repensar sobre conceitos existentes, tais como Soberania, Jurisdição e Competência, intrinsecamente ligados à questão do território, que se tornaram ultrapassados frente ao advento do ciberespaço.

Nos dizeres de Ivete Senise Ferreira: (...) já se deu a internacionalização da criminalidade informática, devido à mobilidade dos dados nas redes de computadores, facilitando os crimes cometidos à distância. Diante desse quadro, é indispensável que os países do globo harmonizem suas normas penais, para prevenção e repressão eficientes (...).8

Nesse mesmo sentido Alexandre Daoun e Renato Opice Blum afirmam que:

A reprimenda à criminalidade praticada com o emprego de meios eletrônicos, notadamente os que avançam na rede mundial de computadores, terá de ser acionada por todos os povos civilizados e essa perspectiva deriva, com certeza, do próprio fenômeno da globalização. Enquanto isso, persistem as dúvidas quanto à lei a se aplicar em cada caso concreto: se a lex fori ou se a lex loci delicti comissi e, no tocante à competência, qual a jurisdição assumirá o processo e julgamento desses crimes.9

O ponto nevrálgico que se apresenta no mundo globalizado, portanto, é o da atuação dos Estados em sistemas globais ou regionais, que obriga-os a reverem sua autonomia política, bem como sua soberania, tendo em vista que esta pode desprender-se da idéia de fronteiras e territórios fixos.

Há a necessidade de uma ampliação da colaboração jurídica, econômica, e política dentro de um mundo globalizado.

Desse modo, para combater uma praga transfronteiriça como a nova criminalidade é imperativo ter-se em conta as vias de uma cooperação internacional, já que é indiscutível que uma parte da delinqüência informática migrou para a internet, face a essa nova realidade global.

(...) neste início do século XXI as ciências se deparam com o novo desafio de pensar o mundo como uma sociedade global: as relações, os processos e as estruturas econômicas, políticas, demográficas, geográficas, históricas, culturais e sociais, se desenvolvem em escala mundia (...). (...) o pensamento científico elaborado com base na reflexão sobre a sociedade nacional não é suficiente para apreender a constituição e os movimentos de uma sociedade global que apresenta desafios empíricos e metodológicos, históricos e teóricos, que exigem novos conceitos e interpretações. Todo esse contexto acarretou na chamada crise dos Estados nacionais, com a alteração da noção clássica de soberania e transformação das fontes e instancias formais (estatais) de resolução de conflitos frente ao cenário internacional.10

Cumpre ressaltar, mais uma vez, que as fronteiras nacionais não constituem mais obstáculo significativo para a criminalidade globalizada. Basta verificarmos alguns exemplos de crimes de trânsito que surgiram nos últimos anos: em 1999 o vírus denominado I love you, que partiu de um computador localizado nas Filipinas causou danos consideráveis em máquinas de todo o mundo, desde Europa até América, passando pela Ásia; a existência de múltiplas redes de difusão de pornografia infantil em toda a Internet; em 1998, tivemos o Caso Hispahack, no qual quatro espanhóis, dois deles radicados em Gibraltar, foram detidos por acesso indevido e modificação de programas de dados de sistemas informáticos de diferentes universidades espanholas e estrangeiras (dentre elas Universidade de Oxford), de provedores de acesso, e até da NASA, entre outras entidades. Agiam a partir de um computador da universidade de Oviedo, Espanha, e como lugar para armazenamento dos dados roubados utilizavam um computador privado de um cybercafé localizado em Palma de Mallorca, Espanha; mais recentemente, em outubro de 2000 descobriu-se que os computadores da Microsoft que continham o código fonte (linguagem de programação) de seus produtos mais importantes foram furtados sigilosamente, durante três meses, por piratas informáticos, configurando um caso de espionagem industrial, realizado através de um vírus informático que viajava escondido num correio eletrônico enviado de um computador localizado em algum lugar da Ásia. Obtidas as informações essas eram repassadas para um correio eletrônico de San Petersburgo (Rússia), de onde partiam outros ataques. No mesmo ano, a Comissão de Federação de Comércio Eletrônico dos EUA, alertou sobre a existência de 1600 Webpages, realizando ofertas fraudulentas – de loteria, trabalho em casa, investimentos à distância e etc, em todo o mundo.11

Que a globalização influenciou diretamente a Ciência Criminal não há dúvidas, tanto que está em processo de formação um Direito repressivo transnacional (Penal e Processual Penal), de natureza mista, isto é, que permite a comunicação entre dois sistemas jurídicos, quais sejam: "common law" e romano-canônico. E os exemplos dessa integração já são perceptíveis em regras como: infiltração de agentes, arrependimento de criminosos, ação controlada, dentre outras, todas introduzidas pelo "common law" ao sistema pátrio.

Nesse toar, o posicionamento de Luiz Otávio de Oliveira Rocha:

Longo é o caminho a percorrer para que a repressão internacional alcance o avançadíssimo estágio em que se encontra a delinqüência organizada, sendo poucos os que duvidam que os instrumentos penais tradicionais e as clássicas técnicas de investigação não servem para fazer frente a um fenômeno criminal de tais características e dimensões, e que não é possível enfrentar a criminalidade moderna de grandes proporções, informatizada ou digital, com o Direito Penal e processual clássicos (...). Pensar de outra forma é o mesmo que comparar os meios de comunicação e transporte do século passado com os atuais.12

Portanto, a globalização trouxe consigo a necessidade de aprimoramento de mecanismos de combate à criminalidade de natureza transnacional e, consequentemente de repensar a Ciência Criminal, bem como, despertou uma consciência mundial para a necessidade de estabelecimento de mecanismos de justiça supranacional.

4. Direito Penal Internacional e a Aplicação da Lei Penal no Espaço

Quando tratamos de aplicação da lei penal no espaço, na realidade, estamos adentrando a seara do Direito Penal Internacional, portanto, trata de questão interna, posto que vinculado ao Direito nacional de cada Estado. Em contrapartida, temos o Direito Internacional Penal que trata da justiça penal em caráter supranacional, para o combate aos crimes que atingem bens considerados da humanidade ou universais, tais como: genocídio, crimes de guerra, tráfico de mulheres, etc.

O direito penal internacional, portanto, compreende um conjunto de princípios e normas que disciplinam conflitos de leis no espaço, isto é, abarca as hipóteses de um crime lesar bens jurídicos de dois ou mais países.

5. Conceito de Território

O território pode ser considerado, sob o âmbito jurídico, como o espaço onde se aceita a vigência de uma ordem jurídica estatal, constituindo, assim um dos elementos fundamentais do Estado, posto que configura o local onde ele exerce a sua soberania; sob o prisma geográfico, trata-se do espaço físico delimitado por fronteiras.

Celso Ribeiro Bastos, tratando do assunto, nos explica que:

No território de cada Estado vige, tão-somente, a sua ordem jurídica. Em outros termos, a nenhum país estrangeiro é lícito praticar atos coativos dentro do território nacional. A esse fenômeno dá-se o nome de impenetrabilidade da ordem jurídica estatal. Daí a importância assumida pelo território na configuração do Estado. É precisamente a circunstância de dispor ele de uma porção de terra sobre a qual apenas o seu poder é reconhecido, o que permite ao Estado ser soberano.13

Paulo José da Costa Jr. define território como: todo espaço, estritamente geográfico ou ampliado mercê de ficção jurídica, sujeito à soberania e à jurisdição do Estado.14

Atualmente, a soberania do Estado vem sendo questionada face à globalização e o surgimento da criminalidade transfronteiriça, conforme foi analisado no item acima, mas, fato é que o território é elemento essencial ao Estado, é o seu âmbito de validez, de tal forma que a ausência do primeiro acarreta na inexistência do segundo.

5.1. Território físico

Podemos considerar como território nacional todo o espaço em que o Estado exerce a sua soberania, portanto: o solo, os rios, os lagos, os mares interiores, as baías, a faixa do mar exterior, que corre ao largo da costa e que constitui mar territorial, incluindo o seu leito e subsolo (até a faixa de <_st13a_metricconverter productid="12 milhas" w:st="on">12 milhas marítimas, conforme a Lei n°. 8.617/93 (clique aqui) dispõe em seu art.1º); o espaço aéreo correspondente ao território (art. n°. 11 da Lei n°. 7.565/86 (clique aqui) c/c Convenção de Paris de 1919), os rios e lagos internacionais sucessivos (tal como o rio Amazonas), na parte que atravessa o país; os rios e lagos internacionais simultâneos ou fronteiriços (tal como o rio Paraguai, que toca território do Brasil, Bolívia e Paraguai e sobre o qual foi firmado o Tratado da Bacia do Prata), e etc.

Insta ressaltar que, no tocante ao mar territorial, o exercício da soberania é delimitado pelo direito de passagem inocente, isto é, a faixa contígua - de <_st13a_metricconverter productid="12 a" w:st="on">12 a <_st13a_metricconverter productid="24 milhas" w:st="on">24 milhas marítimas -, na qual o Brasil pode tomar medidas de fiscalização, a fim de evitar infrações a leis aduaneiras, fiscais, de imigração ou sanitárias, mas que não compreende o território nacional. Ademais, o espaço cósmico ou extra-atmosférico, bem como o alto-mar, são considerados bens de domínio público internacional, portanto, nenhum Estado exerce sua soberania, de maneira exclusiva, sobre os mesmos.

Temos, ainda, a questão das Contravenções penais, que segundo o art. 2º, do Decreto-lei n°. 3.668/41, só aplica-se a lei brasileira para as contravenções cometidas no território nacional. Em contrapartida, a lei n°. 9.455/97 (clique aqui), que dispõe sobre os crimes de tortura, prevê a aplicação da lei brasileira, ainda que o crime não tenha sido cometido em território nacional, desde que a vítima seja brasileira ou encontre-se o agente em local sob jurisdição brasileira (art. 2º).

5.2 Território por ficção

O art. 5º, § 1º do Código Penal (clique aqui) trata do chamado território por extensão, equiparação ou ficção:

Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

O § 2º, do mesmo dispositivo dispõe que:

É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

Assim, aos crimes cometidos em embarcações ou aeronaves públicas ou a serviço do país ou de natureza privada nacional ou estrangeira, mas que se encontrem aportadas ou pousadas em território nacional, em mar territorial ou espaço aéreo correspondente à estes, será aplicada a lei brasileira.

5.3 Território virtual ou ciberespaço

Com o advento da Internet e, com ela, do ciberespaço, a concepção clássica de território transfigurou-se, posto que esta possibilitou o tráfego rápido e eficiente de informações, bem como uma interação num espaço que desconhece os limites impostos por fronteiras.

O ciberespaço permite escapar às limitações da vida real O conceito de território está intimamente relacionado à uma idéia nova, qual seja: a de rede. A rede, como território, se caracteriza pela localização da informação. A informação na rede, portanto, passa a ser elemento identificador do território no ciberespaço. Assim, essas características fazem com que a Internet tenha uma maior dificuldade em estabelecer um “centro de comando” tal como na versão tradicional de território físico delimitado.

Além da dificuldade em identificar um território dentro do ciberespaço outra problemática se apresenta, qual seja: um indivíduo pode estar em diversos espaços, ao mesmo tempo, na Internet. Vale dizer que um sujeito pode dispor de uma identidade no espaço real e de várias distintas na Internet, fato que, em última análise, pode gerar um conflito de competências entre os Estados e carrear numa dificuldade de localização do próprio agente do crime.

O doutrinador espanhol Ramón J. Moles nos ensina que:

O ciberespaço não dispõe de fronteiras territoriais, mas de normas ou técnicas, que regulam sistemas de acesso e que não pertencem ao mundo jurídico. Assim, não vigora o conceito de soberania e nem de competência territorial.15

Dessa forma, um agente pode estar no Chile e invadir o sistema informático de uma empresa sediada no Canadá, através de um provedor brasileiro, sendo que os prejuízos provocados pela invasão ocorrerão no Japão. Como fica a questão do local do crime? Qual será o Estado competente para processar e julgar o sujeito? Se um país não pune certa atividade cibernética danosa, um país atingido deve usar o poder coercitivo de seu ordenamento jurídico para deter um individuo que está fora dos limites de sua soberania?

Esses são os questionamentos feitos diante dessa nova realidade que se apresenta, tendo em vista que a consumação de um crime se dá em todos os lugares em que a rede é acessível.

Nesse sentido, o autor Celso Valin nos apresenta a dimensão dessa problemática:

O grande problema ao se trabalhar com o conceito de jurisdição e territorialidade na Internet, reside no caráter internacional da rede. Na Internet não existem fronteiras e, portanto, algo que nela esteja publicado estará em todo o mundo. Como, então, determinar o juízo competente para analisar um caso referente a um crime ocorrido na rede?16

Gabriel Cesar Zaccaria de Inellas, sobre o assunto, afirma que: como a Rede da Internet é mundial e sem fronteiras e sem donos, torna-se quase impossível para qualquer país, aplicar e executar leis, para regular o denominado ciberespaço.17

Cumpre obtemperar que, apesar da característica global da qual é dotado o ciberespaço, cada país possui a sua soberania, ainda que esta última venha sofrendo relativizações nos últimos anos. Ademais, embora exista uma forte corrente contemporânea no sentido de mitigação da soberania nacional em prol de uma soberania internacional, visando uma participação comunitária dos Estados na resolução de problemas mundiais, através de documentos internacionais, notadamente fomentados pela globalização. Fato é que estes ainda são ineficazes quando se trata de efetiva aplicação do Direito Penal, tendo em vista seu caráter subsidiário em relação à jurisdição interna dos países.

Desse modo, estamos diante de um problema complexo a ser resolvido e que merece um olhar mais atento por parte dos estudiosos do Direito.

6. Local do Crime

O Código Penal trata do lugar do crime, determinando a possibilidade de aplicação ou não da lei penal brasileira, em seu art. 6º: Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Dessa forma, qualquer fragmento de conduta que tenha tocado o solo nacional, desafia a aplicação da lei penal pátria. Trata-se da adoção da denominada teoria da ubiqüidade, aplicada pela maioria dos países do mundo e que leva em consideração tanto o momento executivo, quanto o consumativo do crime.

Alguns doutrinadores afirmam que somente a aplicação dos artigos 5º e 6º do nosso Código Penal não seria suficiente para a solução do problema da aplicação da lei penal no espaço, tornando-a, na realidade, dúbia e confusa no que tange aos crimes informáticos, dentre eles Celso Valin.18 Referido autor, inclusive, aponta como melhor opção considerar-se como local do crime aquele em que está localizado o agente, o que não se apresenta como entendimento pacífico, constituindo, até mesmo, objeto de recusa internacional.19

Gabriel César Zaccaria de Inellas posiciona-se no sentido de que deve ser aplicada a regra geral do art. 6º do Código Penal, segundo a teoria da ubiqüidade, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, assim, os delitos cometidos fora do território nacional, poderiam aqui receber punição, desde que previstos em Convenções ou Acordos internacionais os quais o Brasil subscreva.20

Entretanto, independentemente da postura adotada, a doutrina é uníssona ao tratar da necessidade de se firmar um documento internacional que aponte parâmetros globais a serem tomados, com o fito de se evitar o problema de que todos ou nenhum país se considere apto a julgar referidos crimes.

Vale ressaltar, ainda, que se forem praticados atos meramente preparatórios no Brasil, visando à execução do delito no estrangeiro, o agente não serão atingidos pela lei pátria, que só pune os atos executórios. Daí desponta a problemática do ciberespaço como meio eficaz para a realização fragmentada do iter criminis, possibilitando o desenvolvimento deste em diversos lugares e dificultando a punição do agente.

Assim, há a necessidade de solução da questão da territorialidade da Internet, tendo em vista que muitos delitos podem ser cometidos através da Rede e, sem uma regulamentação clara e eficaz, correremos o risco de que um delito possa ser julgado em toda e qualquer parte do mundo ou, ainda, que não haja punição.

7. Territorialidade temperada

A aplicação da lei penal nacional dentro dos limites do território é uma questão de exercício da soberania estatal, constituindo-se esta, portanto, a regra. Assim, a lei penal aplica-se dentro do território que a editou. Entretanto, excepcionalmente, permite-se a aplicação de lei estrangeira, quando assim estabelecer algum tratado ou convenção internacional, o que transforma o Principio da territorialidade em territorialidade temperada. Dispõe o art. 5º, do CP: Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

Sobre o assunto, Nelson Hugria nos ensina que:

O Código criou um temperamento à impenetrabilidade do direito interno ou à exclusividade da ordem jurídica do Estado sobre o seu território, permitindo e reconhecendo, em determinados casos, a validez da lei de outro Estado. É obséquio à boa convivência internacional, e quase sempre sob a condição de reciprocidade, que o território do Estado se torna penetrável pelo exercício de alheia soberania.21

Insta ressaltar que o Código de Processo Penal (clique aqui), em seu art. 1º também adotou a teoria da territorialidade como regra: O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, constituindo, igualmente, como uma de suas ressalvas, os tratados, convenções e regras de direito internacional, bem como os crimes de responsabilidade (que são de jurisdição política – art. n°. 52 da CFB/88 - clique aqui -), casos do tribunal especial22, casos de competência da Justiça Militar, posto que possui um código de processo próprio (decreto-lei n°. 1.002/69 - clique aqui -) e os crimes de imprensa, pois são regulados regulados pela lei n°. 5.250/67 (clique aqui).

<_st13a_metricconverter productid="8. A" w:st="on">8. A extraterritorialidade e os Princípios que norteiam a aplicação da lei penal no espaço

Ante a falta de legislação penal e processual penal que corresponda às necessidades da sociedade pós-moderna, resta-nos pôr em prática a aplicação de alguns princípios já existentes no Código Penal.

Assim, é possível a aplicação da lei penal brasileira aos crimes cometidos no exterior, conforme dispõe o art. 7º do Código Penal, que trata da extraterritorialidade e se desdobra em condicionada e incondicionada (art. 7º, §§ 2º e 3º).

Referido dispositivo também adotou alguns princípios norteadores para a aplicação da lei penal nacional a crimes ocorridos em território estrangeiro, quais sejam:

1. Princípio da Proteção (art. 7º, inciso I, §3º), segundo o qual prevalece a lei referente à nacionalidade do bem jurídico lesado, é também conhecido como Princípio da defesa real;

2. Princípio da Justiça Universal (art. 7º, inciso II, alínea a), aplica-se a lei brasileira aos crimes que por tratado ou convenção internacional o Brasil se obrigou a punir;

3. Princípio da Nacionalidade Ativa (art. 7º, inciso II, alínea b), aplica-se a lei nacional aos brasileiros, onde quer que estes se encontrem;

4. Princípio da Representação (art.7 º, inciso II, alínea c), que torna possível a aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos no estrangeiro em aeronaves ou embarcações privadas ou mercantes que se localizem em território alienígena e aí não sejam julgados.

A grande diversidade das legislações penais dos vários países, contudo, leva à dificuldades, muitas vezes insuperáveis, para a aplicação da lei penal e realização de processos criminais em lugares afastados do local do crime, fato que torna a aplicação desses princípios, notadamente o da justiça universal, utópica e científicamente insustentável.23

9. Convenção de Budapeste sobre Cibercrime

A Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, também conhecida como Convenção de Budapeste, de 23.11.2001, tem como objetivos, entre outros: intensificar a cooperação entre os Estados-membros, bem como possibilitar a adoção de uma política criminal comum para o combate dos delitos informáticos.

Além de normas de direito penal material, que tipificam algumas condutas relacionadas à Internet, referido documento apresenta normas processuais, regulando, inclusive, a questão de competência, em seu art. n°. 22, que dispõe:

1. Cada parte adotará as medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para estabelecer à competência relativamente a qualquer infração penal definida em conformidade com os artigos 2º a 11º da presente Convenção, sempre que a infração seja cometida:

a) no seu território;

b) a bordo de um navio;

c) a bordo de aeronave matriculada nessa parte e segundo as suas leis; ou

d) por um dos seus cidadãos nacionais, se a infração for punível criminalmente onde foi cometida ou se a infração não for de competência territorial de nenhum Estado.

2. Cada parte pode reservar-se o direito de não aplicar ou de apenas aplicar em casos ou condições específicas as regras de competência definidas no nº. 1, alínea b à d do presente artigo ou em qualquer parte dessas alienas;

3. Cada parte adotará medidas que se revelem necessárias para estabelecer a sua competência relativamente a qualquer infração referida no artigo n°. 24, nº. 1 da presente convenção, quando o presumível autor da infração se encontre no seu território e não puder ser extraditado para outra Parte, apenas com base na sua nacionalidade, após um pedido de extradição.

<_st13a_metricconverter productid="4. A" w:st="on">4. A presente convenção não exclui qualquer competência penal exercida por uma Parte sem conformidade com seu direito interno.

5. Quando mais que uma Parte reivindique a competência em relação à uma presumível infração prevista na presente Convenção, as Partes em causa, se for oportuno, consultar-se-ão a fim de determinarem qual é a jurisdição mais apropriada para o procedimento penal.

Referido documento representa um importante passo rumo ao combate da criminalidade informática, ademais de configurar relevante exemplo rumo à cooperação internacional eficaz entre os países.

10. Breves considerações sobre a fixação de competência nos delitos informáticos

A doutrina apresenta como um dos maiores problemas a ser enfrentado, quando o assunto é o combate aos crimes cometidos através da Internet, a questão da competência.

Tomando como exemplo um crime contra a honra, cometido através da Internet, verificaremos que a ofensa à honra poderá ser conhecida em qualquer parte do mundo e, então, surge a problemática da análise de qual será o foro competente para processar o infrator, isto é, deve ser levado em conta o local de onde partiu a ofensa, ou, onde está localizado o provedor por meio do qual se veiculou a mesma? Ou, ainda, o do local onde o ofendido tomou conhecimento do ultraje à sua honra?

O artigo n°. 70 do Código de Processo Penal, que trata da fixação de competência nos denominados crimes à distância, adota, como regra, a teoria do resultado, ou seja, é competente para apurar a infração penal o foro onde se deu a consumação do delito. O art. n°. 70, caput, trata do chamado foro comum ou locus delicti commissi. Referido dispositivo prevê que:

Art. n°. 70 - A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Quando tratamos de delitos que produzem resultados em diversos locais dentro do território nacional (crimes plurilocais) ou, até mesmo, em territórios outros, que não o brasileiro (crimes à distância ou de espaço máximo), a regulamentação se dá pelos parágrafos do art. n°. 70, do Código de Processo Penal:

§ 1º - Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.

§ 2º - Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.

§ 3º - Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

Entretanto, no caso dos crimes informáticos, a questão da definição do foro competente é ainda mais complexa, notadamente, porque as distâncias territoriais transformaram-se na distância entre olhos e mãos de um teclado de computador.24

Alguns autores, contudo, afirmam ser perfeitamente possível solucionar a questão da fixação da competência dos crimes informáticos, com base nos artigos supra mencionados e, ainda, pelo art. n°. 88 do CPP25:

Art. 88 - No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.

A questão, entretanto, aparentemente solucionável pelo referido dispositivo e seus parágrafos, não possui, na realidade, uma solução tão simples assim, ademais, há de ser analisado, em caráter preliminar, o fato do crime cometido através de um computador constituir delito material ou formal, questão relevantíssima para uma correta fixação da competência. Neste sentido, Maria Helena Junqueira Reis afirma: Os crimes conectados aos computadores são crimes materiais, aqueles que só se tornam perfeitos com a realização do resultado fixado como característico do tipo legal.26 O ilustre doutrinador Fernando de Almeida Pedroso corrobora tal posicionamento preceituando que:

Tratando-se de crime material, ou seja, delito necessariamente provido de conduta e evento, sua consumação acontece no instante em que sobrevier o resultado, já que representa este o elemento típico que confere fecho e desfecho à figura criminosa, ultimando-a e completando-a. Nos delitos materiais, portanto, o local da produção do evento é que fixa sua consumação e competência para a persecutio criminis in juditio.

Gabriel César Zaccaria Inellas27, respaldado na doutrina de Fernando de Almeida Pedroso, assevera que os crimes informáticos, em sua maioria, são delitos formais, ou seja, consumando-se no local onde foi realizada a ação, uma vez que nestes, o sujeito ativo, ao realizar a ação, buscava um objetivo, entretanto, mesmo se não conseguir efetivá-lo, restará consumado o delito.

Outra questão levantada ao se tratar da competência em crimes informáticos, agora em âmbito interno, é a seguinte: uma vez superada esta questão da aplicação da lei nacional ou estrangeira, à que justiça caberá a análise do caso concreto, à Justiça Estadual ou Federal?

O doutrinador Túlio Lima Vianna pondera que:

Quando o crime for praticado pela Internet, julgamos que a competência deverá ser da Justiça Federal, já que o interesse da União em ter a Internet resguardada dentro dos limites brasileiros é evidente. Além do mais, este é um crime em que o resultado nem sempre se produz no lugar da ação, podendo até ocorrer em países diversos (crimes à distância), com repercussões internacionais que nos fazem crer ser prudente deixar a competência para a Justiça Federal.28

Entretanto, outros doutrinadores afirmam não ser aplicável aos crimes cometidos através da Internet o disposto no art. n°. 109, inciso IV, da Constituição Federal Brasileira, que dispõe sobre a competência da Justiça Federal, exceto para processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, conforme a dicção do referido dispositivo, logo, se o delito não lesionar referidos bens, não há que se falar em competência federal, mas sim, na residual Justiça Comum Estadual.

Enfim, conforme visto, diversos aspectos acerca da competência penal, podem ser suscitados ao tratarmos de delitos informáticos. Muitas são as divergências existentes em referência a este assunto, todavia, um foco não pode ser deixado de lado, qual seja, o de que a incorreta fixação da competência pode beneficiar o infrator e gerar impunidade, fato este desinteressante à comunidade interna e internacional.

11. Considerações Finais

O advento dos meios de comunicação em massa, sendo o mais relevante a Internet, bem como das novas tecnologias de informação, carreou num impacto significativo na sociedade contemporânea, transformando-a na denominada sociedade da informação, responsável pela dissolução de fronteiras e por uma nova visão acerca da produção e uso da informação.

A gênese da sociedade da informação não possui um marco perfeitamente delineado na história, mas sim, constitui um corolário lógico de diversos processos de desenvolvimento, dentre os quais, a globalização, que estimulou a idéia de infra-estrutura global de informação, propiciando a abertura das telecomunicações.

O período da pós-modernidade, em que se encontra inserida esta nova sociedade, é marcado por uma intensa revolução digital também chamada de tecnológica, na qual o Brasil encontra-se inserido, notadamente, desde os anos 90, quando houve a abertura econômica nacional, bem assim, experimentamos o ingresso da Internet em nossas vidas.

Nessa esteira, o estudo da vigência da lei penal no espaço é, sem dúvida, o tema do Direito Penal que mais suscita questionamentos dentro do contexto da globalização, tendo em vista que postulados clássicos como o do monopólio estatal da distribuição da justiça penal e o principio da territorialidade, amparados em um conceito de soberania que experimenta a mais magnífica mutação, desde o seu nascimento como conceito jurídico, estão demandando novos estudos que reformulem o seu perfil.

A visão clássica de soberania, como poder do Estado de aplicar suas leis dentro dos limites de seu território, solucionando as lides que lhe são submetidas, modernamente sofreu uma relativização, diante da necessidade de criação de instrumentos internacionais para atuarem subsidiariamente, quando o conflito de interesses extrapolar os limites internos de um país, ganhando contorno internacional.

Um novo pensar sobre o Direito Penal é necessário, tendo em vista as enormes transformações trazidas pela globalização e que implicam, também, no incremento da criminalidade de caráter transnacional, especialmente, tendo em vista que a consumação de um crime praticado pela Internet se dá em todos os lugares em que a rede é acessível.

Portanto, todos esses fatores nos levam a questionar se o Direito Penal e Processual Penal em vigor são suficientes diante desta perspectiva que surge.

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1 Eugenio Rául ZAFFARONI; José Henrique PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral, p. 348.

2 Claus ROXIN. <_st13a_personname productid="La Ciencia" w:st="on">La Ciencia del derecho penal ante las tareas del futuro, p. 401.

3 Ibidem, mesma página.

4 Uma das idéias desenvolvidas pelo historiador inglês Eric Hobsbawm numa entrevista conduzida por Antonio Polito.

5 Marco Antonio de BARROS. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas, p. 36.

6 Moisés NAÍM. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global, p. 9-10.

7 Marco Antonio de BARROS. Tutela Punitiva Tecnológica. In: O Direito na Sociedade da Informação , p. 275.

8 Ivete Senise FERREIRA. A criminalidade informática, p. 213.

9 Alexandre DAOUN; Renato Opice BLUM. In: Cybercrimes. Artigo em Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. Bauru: Edipro, 2000, p. 117.

10 Marco Antonio de BARROS. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas, p.36-37.

11 Exemplos citados por Isabel Sanchez García de PAZ; Isidoro Blanco CORDEIRO. Problemas de derecho penal internacional en la persecución de delitos cometidos a través de internet, p. 167-168.

12 A vigência da Lei penal no espaço: efeitos da globalização, p.56-57.

13 Celso Ribeiro BASTOS. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, p.58.

14 Paulo José da COSTA JR. Direito Penal – Curso Completo, p.35

15 Ramón J. MOLES. Territorio, tiempo y estructura del ciberespacio, p.25-26.

16 Celso VALIN. A questão da jurisdição e da territorialidade nos crimes praticados pela Internet. In Direito, sociedade e informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000, p. 115.

17 Gabriel Cesar Zaccaria de INELLAS. Crimes na Internet, p.79

18 VALIN, Celso. A questão da jurisdição e da territorialidade nos crimes praticados pela Internet. In Direito, sociedade e informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000, p. 115.

19 BARROS, Marco Antonio. Tutela Punitiva Tecnológica. In: PAESANI, Liliana Minardi. O direito na Sociedade da informação. São Paulo: Atlas, 2007, p. 293.

20 Ibidem, mesma página.

21 Nelson HUNGRIA. Comentários ao Código Penal, p. 149.

22 O tribunal especial não existe mais. Era previsto no art. 122 da CF/1937, cuja competência para processo e julgamento era para os crimes que atentassem contra a existência, segurança e a integridade do Estado, a guarda e o emprego da economia popular, na forma que a lei instituisse. Atualmente, os crimes contra segurança nacional (previstos na lei n. 7.170/83) são de competência da Justiça Federal Comum (art.109, IV, CF) ou da Justiça Militar, segundo o art. 82, 1º, CPPM.

23 Heleno Cláudio FRAGOSO. Lições de Direito Penal – Parte Geral, p. 132-133.

24 Flavia RAHAL; Roberto Soares GARCIA. Crimes e Internet – Breves Notas aos crimes praticados por meio da rede mundial e outras considerações. Boletim Ibccrim, ano nº 9, nº 110, janeiro, 2002, p. 8.

25 INELLAS, Gabriel César Zaccaria de. Crimes na Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 84.

26 REIS, Maria Helena Junqueira. Computer Crimes. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 47.

27 PEDROSO, Fernando de Almeida. Competência Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 48.

28 Op. Cit, p. 87-88.

29 VIANNA, Túlio Lima. Dos Crimes pela internet. Revista do CAAP, Belo Horizonte, a.5, v.9, 2000, p. 19.

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*Mestranda em Direito na Sociedade da Informação pela FMU. Advogada integrante do IBCCRIM, da Comissão dos Jovens Advogados do IASP e da Comissão sobre Direito na Sociedade da Informação da OAB/SP.






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