Cláusula compromissória no contrato de seguro
Apresentação
No campo das relações de consumo, a arbitragem no mundo todo encontra ampla aplicação, conceituada como uma das formas de facilitação do acesso à Justiça. As peculiaridades próprias das relações de consumo, entre elas as questões referentes à área de seguros, determinam a adoção de certas cautelas, que, necessariamente, devem ser observadas. É isto que se propõe Fernando Coelho dos Santos, neste pequeno e bem intencionado trabalho.
Utilizar a arbitragem nas relações de consumo, além de exigir a observância dos rigores legais, deve ter como base de sustentação a ética e a transparência. É isso que visualizamos nesta proposta de Fernando ao sugerir como redigir cláusulas arbitrais que possam ser operacionalizadas.
São Paulo, 17 maio de 2004
Selma Ferreira Lemes
Advogada e Professora.
Membro da Comissão Relatora da Lei de Arbitragem.
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Cláusula compromissória no contrato de seguro
Fernando Coelho dos Santos*
O parágrafo segundo da cláusula quarta da Lei 9.307, que dispõe sobre a Arbitragem em contratos de adesão, define:
“Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para esta cláusula”.
Isto quer dizer que, para os contratos de adesão, existem dois conceitos para sua aplicabilidade.
No primeiro, “a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem”, deixa claro que existe a cláusula compromissória no contrato de adesão, que ela compromete quem a elaborou, e que sua eficácia só será verificada se, e quando, o aderente vier a instituir a Arbitragem. Chamo esta cláusula de “Natural”, uma vez que ela deve integrar o clausulado normal das Condições Gerais da Apólice de Seguros.
No segundo, “ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para esta cláusula”, é a cláusula em documento apartado com algumas características específicas. Em razão do aderente ser considerado, a princípio, hipossuficiente, deverá ser levada em conta algumas peculiaridades, uma delas em relação ao local onde se realizará a arbitragem, que deverá ser o mais conveniente para o aderente. Chamo esta cláusula de “Apartada”.
Tratarei, agora, da Cláusula “Natural”, deixando a “Apartada” para outra ocasião, observando que a estrutura de ambas é semelhante.
Apresento um exemplo de Cláusula Natural para poder tecer comentários. Antes, porém, algumas observações:
a) existe a questão jurisdicional na inserção da Cláusula de Foro em conjunto com a Cláusula Compromissória. Com a inserção da Cláusula de Foro poderá advir discussão sobre a aplicabilidade da Arbitragem, entretanto, contrariamente à Cláusula Apartada, onde, via de regra, não deve ser aplicada, a Cláusula de Foro em conjunto com a Cláusula Natural em contrato de adesão se faz necessária uma vez que é dado ao aderente a opção de resolver o conflito através de Arbitragem, ou através da Justiça. Importante ressaltar que na Cláusula de Foro deve ser indicada a opção pela Arbitragem, o que evitará discussões sobre qual delas é aplicável;
b) a Cláusula de Foro sempre é a última Cláusula da Apólice, e a Cláusula Compromissória deve ser a penúltima, pois ambas tratam do mesmo tema.
xx. ARBITRAGEM
Fica entendido e acordado que:
xx.1. caso o Segurado assim deseje, e tome a iniciativa, qualquer litígio originado desta Apólice será definitivamente resolvido por arbitragem institucional;
“em primeiro lugar, fica definido que ao Segurado, e somente a ele, é dada a iniciativa de resolver a questão por Arbitragem, seguindo os parâmetros indicados na Lei para contratos de adesão; em segundo, que a Arbitragem resolverá o litígio de forma definitiva, não permitindo dúvida quanto a outro foro; em terceiro, que a Arbitragem será realizada através de uma Instituição Arbitral, eliminando a forma ad-hoc”
xx.2. o tribunal arbitral será constituído por três árbitros, sendo que a parte requerente, o Segurado, nomeará um árbitro no requerimento de instituição de arbitragem, a parte requerida, a Seguradora, nomeará o segundo árbitro no prazo de 10 (dez) dias úteis contados do recebimento da notificação do pedido de instituição de arbitragem, e o terceiro árbitro, que presidirá os trabalhos, será indicado pelos dois árbitros supra mencionados no prazo de 10 (dez) dias úteis contados da aceitação do árbitro indicado pela parte requerida;
“se a opção do Segurado for a constituição de um tribunal arbitral, ficam estabelecidas sua composição e os prazos para sua constituição”
xx.3 caso o Segurado deseje, e assim solicite, a arbitragem poderá, na forma estabelecida pelo Regulamento da Instituição Arbitral escolhida, ser realizada com árbitro único, ocasião em que o item “xx.2” não será aplicável;
"se a opção do Segurado for pela realização da arbitragem com árbitro único, opção que possibilita minimização de custos, sua realização seguirá a forma estabelecida no Regulamento da Instituição escolhida”
xx.4.a arbitragem terá sede no território brasileiro, em local escolhido pelo Segurado, o idioma a ser utilizado será o português, a regra aplicável ao fundo do litígio será o Direito brasileiro, e os procedimentos obedecerão, além das disposições da Lei 9.307, de 23.09.1996, as regras estabelecidas no Regulamento, vigente à época da solução do litígio, da Instituição Arbitral escolhida pelo requerente dentre as seguintes: (indicar as Instituições);
“delimita-se o território onde se processarão os trabalhos, define-se o local da sede do tribunal como aquele escolhido pelo Segurado, tomando o cuidado de dar ao aderente maior facilidade para resolver o litígio, em consonância com os parâmetros atuais das Apólices que indicam como Foro o domicilio do Segurado, define-se a língua, ressalvando que outras poderão ser utilizadas em casos específicos, tais como serviços dirigidos à uma determinada colônia onde a língua utilizada seja diversa da indicada, define-se a regra legal a ser aplicada,” o Direito brasileiro”, ressalvando que também poderia ser indicada “por equidade" ou "por equidade e princípios gerais do direito”, salientando, entretanto, que são escolhas excludentes; se utilizar “Direito brasileiro” não se deve cumular com a indicação, por exemplo, de “por equidade e princípios gerais do direito”, pois enquanto a primeira amarra o árbitro na letra da lei, a segunda lhe dá liberdade para decidir de acordo com o seu critério justo e equitativo. Confirmam-se as regras da Lei 9.307 e as regras do Regulamento da Instituição Arbitral escolhida, e por último, indica as Instituições às quais o aderente pode se utilizar para instituir a Arbitragem. Para contratos de abrangência nacional poderiam ser indicadas Instituições Arbitrais de/para cada Estado”
xx.5. salvo quando de outra forma disposto no Regulamento da Instituição Arbitral escolhida ou no compromisso arbitral, ou ainda, na sentença arbitral, cada parte pagará os honorários, custas e despesas do árbitro que indicar, rateando-se entre as partes tanto os honorários, custas e despesas do terceiro árbitro, ou do árbitro único, quanto demais despesas inerentes aos procedimentos arbitrais, inclusive daquelas referentes à contratação da Instituição Arbitral, na proporção de 50%(cinqüenta por cento) para cada uma das partes. Caso haja mais de uma parte num dos pólos do procedimento arbitral, os honorários, custas e despesas alocados a referido pólo serão rateados de forma igual entre as mesmas;
“define-se a repartição dos custos inerentes à Arbitragem, ressalva-se as disposições do Regulamento da Instituição e permite-se que as partes pactuem de outra forma quando do compromisso arbitral ou da sentença arbitral, definindo-se, também, a divisão de custos se houver mais de uma parte num dos pólos"
xx.6. no caso da existência de cosseguro na Apólice, ou em qualquer outro caso, não será permitida a instauração de arbitragem multilateral, ou seja, de procedimento arbitral composto por mais de dois pólos antagônicos entre si. Será, contudo, permitido haver mais de uma parte, pessoa física ou jurídica, em um dos pólos;
“atrás de um contrato de seguros podem estar resseguradora e cosseguradora, muito embora o Segurado não conheça a operação, nem tenha com ela consentido, razão para impedir a arbitragem multilateral e permitir a constituição de um dos pólos com mais de uma parte”
xx.7. em face da presente Cláusula, compromissória por parte da Seguradora, toda e qualquer medida cautelar deverá ser requerida (a) ao tribunal arbitral (caso este já tenha sido instaurado) e cumprida por solicitação do mesmo ao juiz estatal competente, ou (b) diretamente ao Poder Judiciário (caso o tribunal ainda não tenha sido instaurado), ficando eleito pelas partes, para este fim e sem prevenção do mesmo, o foro da comarca onde a medida cautelar deva ser cumprida para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que seja ou venha a ser.
“confirma-se que a Cláusula é compromissória por parte da Seguradora e, embora os pontos acima integrem a Lei 9.307, aproveita-se para deixar a Cláusula cheia por completo”
xxx. FORO COMPETENTE
Exceto pela utilização de arbitragem nos termos destas Condições Gerais, para dirimir as dúvidas, omissões ou demandas relativas à presente Apólice, elege-se o Foro da jurisdição do domicílio do Segurado, excluído qualquer outro, por mais privilegiado que seja.
“esta é uma cláusula de Foro normalmente inserida no clausulado das Condições Gerais das Apólices de Seguros, com a necessária observação quanto à utilização da Arbitragem, evitando-se outra interpretação”
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* Sócio Administrador da Coelho dos Santos Corretora de Seguros
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