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Série reforma tributária 4: O que é o federalismo fiscal cooperativo?

O artigo trata da acomodação do conceito de federalismo na reforma tributária.

18/12/2024

O federalismo fiscal é um ramo da ciência econômica que estuda a repartição fiscal e de competências entre as diferentes esferas do governo. O objetivo é buscar a melhor alocação de recursos, a maximização da eficiência da arrecadação e a oferta de bens e serviços públicos. Os princípios do federalismo são autonomia, cooperação, coordenação e equidade e solidariedade regional. 

A classificação doutrinária mais comum é que o Brasil possui um sistema de federalismo cooperativo, mas o que é isso afinal?

Significa que um ente federado coopera com os outros para atingir os seus objetivos constitucionais.

Nesse intrincado sistema nacional, os municípios dependem das verbas Federais para sobreviverem. É através do FPM Fundo de Participação dos Municípios que grande parte do país tem acesso aos recursos para custear os serviços, pagar servidores e manter as estruturas necessárias para seu funcionamento. União, Estados e municípios precisam cooperar seja administrativamente, seja financeiramente. Já os Estados precisam do FPE - Fundo de Participação dos Estados. A União transfere recursos para Estados e municípios, já os Estados transferem para os municípios.

O federalismo cooperativo é caracterizado por: 

Existe um modelo ideal de federalismo?

Os autores citam o estadunidense como o ideal. Porém, acredito que não.

O Brasil, diferente dos Estados Unidos, se originou como um Estado central, seguido por muitos anos mesma após sua independência pelas leis afonsinas e manuelinas. Porém, a imensidão do país e o fato de ter sido durante três séculos governado por capitanias hereditárias fez com que a percepção do regionalismo sempre fosse algo presente na história e sociedade brasileira.

Na mesma linhagem a República Federal da Alemanha teve um federalismo imposto após a segunda guerra mundial. Vários países adotaram o federalismo como modelo de repartição de poder entre o ente nacional e os subnacionais, mas cada um fez a seu modo.

O Brasil, diante das reivindicações da adoção do sistema republicano e dos poderes políticos locais, a partir da CF/91, a sistemática do federalismo foi adotada como possível solução de acomodação entre interesses múltiplos nacionais e regionais. Mas repito: não existe um modelo ideal de federalismo. Os Estados Unidos tiveram outra história, e o federalismo que ali surgiu foi para acomodar os interesses das 13 colônias após a independência da Inglaterra.

Ao longo da pesquisa para a construção do livro "A reforma tributária e seus impactos nos municípios" ouvi e li algumas críticas sobre como a reforma centraliza a atuação da União na tributação.

O principal imposto afetado é o ICMS, e na sequência o ISS, que deixa de ter 27 regulamentos (de cada Estado) para ter somente uma lei geral que o substitui. Esclareço que muitos municípios nunca mesmo chegaram a instituir o ISS de forma que o impacto da reforma quanto a esse é significativamente menor.

A centralização do IBS por um órgão Federal de formação paritária de Estados e municípios e ainda buscando maior representação para os municípios mais populosos, o Comitê Gestor do IBS, fere ou não o pacto federativo?

Há boas justificativas para dizer que sim, caso consideremos um modelo ideal de federalismo, mas a meu ver não há um tipo ideal, mas uma acomodação de estrutura para atender às finalidades institucionais e políticas. O Brasil tem no máximo um modelo de federalismo à brasileira, único e resiliente. Único porque fora de qualquer modelo ideal; resiliente porque consegue sobreviver às acomodações históricas e legais transformando-se..

O debate não é novo e já foi objeto de várias decisões no STF como aquela referente aos pisos de professores ou de agentes de saúde, ou em tema diversos como as competências de cada ente federado na prestação do serviço de saúde por União (alto complexidade e custo), Estado (média complexidade e custo) e municípios (atendimento de saúde básica).

O foco da reforma em proibir a concessão de benefícios fiscais por Estados, que causariam a guerra fiscal, ou ainda reduzir a complexidade do sistema de cumulatividade e compensação do ICMS, não tem como preocupação o federalismo. De forma muito mais pragmática, buscou o reformador constituinte resolver e racionalizar a sistemática de cobrança do tributo sobre a circulação de bens e serviços e estabecer um meio mais claro de cobrança.

O fim máximo do IBS é prático: qual a melhor forma de resolver o problema do ICMS?

O quadro brasileiro sobre a regulação do ICMS era periclitante tanto por causar insegurança jurídica, quanto diante da litigiosidade e evasão de recursos.

O Congresso entende que o fato de que o Comitê Gestor ser estruturado por representação partidária e ainda por ser o produto da arrecadação do IBS todo destinado aos Estados e municípios, além da autonomia de suas alíquotas, preservaria-se o federalismo fiscal cooperativo.

Outro ponto muito importante é a distribuição do produto da arrecadação entre os entes públicos, de forma que quem arrecadar não significa que será o detentor do recurso. Isso, por exemplo, pode ser observado na nova disciplina da CIDE combustíveis, com a distribuição de recursos para os outros entes.

A reforma tributária teve esse grande mérito que conseguir superar a maior limitação que outros projetos tiveram: os Estados. Eles não queriam perder poder e receita, mas diante dos problemas históricos que vivenciaram não tiveram outra opção a não ser negociar uma reforma possível com a União.

Concluo...

Enfim, chego à conclusão que dificilmente o STF vai considerar que a reforma tributária fere o pacto federativo. Para mim, só poderia dizer que o federalismo brasileiro fosse prejudicado, se é somente se, esse fosse real em algum momento da nossa história. Como princípio simbólico, sobrevive como névoa que paira no inconsciente coletivo da nação.

Rosa Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

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