Migalhas de Peso

Direitos Humanos, STF e o Marco Civil da Internet: Os efeitos da decisão

O julgamento do STF sobre a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet destaca a responsabilidade das plataformas e os Direitos Humanos, focando na liberdade de expressão.

17/12/2024

O julgamento das plataformas pelo STF tem tomado o debate público, iniciando-se com os votos já prolatados pelos ministros relatores dos Temas de repercussão geral 987 e 533. O foco é a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet. No entanto, a ótica dos direitos humanos e direitos fundamentais é necessária para a correta aferição dos impactos do julgado, consagrando também o dever do STF de controle de convencionalidade das normas (ou seja, verificação de sua compatibilidade com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos e internalizados pelo Brasil) e a atenção à historicidade dos Direitos Humanos. É o que aqui se propõe. 

Ainda que o precedente não se refira a provedores de aplicação, o entendimento deve ser estendido por analogia, tendo em vista a criação de um ambiente virtual de disseminação de informações e de diferentes perspectivas, enquanto um fomentador e disseminador da pluralidade de pensamentos e opiniões. 

Nesse sentido, a ampliação da moderação de conteúdo é apta a afetar não apenas o direito individual de liberdade de expressão, como o direito social. 

A mesma frase poderia vir acompanhada de um dispositivo final: “A polícia militar tem que acabar com as pessoas de [determinado grupo]”. A distinção de ambos os casos (manifestação legítima sobre segurança pública e dinâmicas sociais vs. manifestação ilícita com base em configuração de racismo ou de outra hipótese de grave discriminação) exige dos provedores de aplicação análise casuística, o que somente pode ocorrer mediante notificação. 

Caso as publicações tivessem sido acompanhadas de frases como “FOGO NOS RACISTAS!!!!”, “ESTADO ASSASSINO”, “JUSTIÇA POR GENIVALDO, JUSTIÇA A TODO CUSTO”, as publicações – sob o regime proposto pelo voto - provavelmente teriam sido banidas pelos provedores tendo em vista o risco de quem fossem compreendidas como atentatórias ao Estado Democrático de Direito, por risco de configurar conduta tipificada pelo art. 359-L (“Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”). Sob pretensão de defesa do Estado Democrático de Direito, coloca-se em xeque uma de suas pedras angulares em razão da impossibilidade de identificação de nuances subjetivas, com risco de eliminação de vozes legítimas e fragilização do debate público. 

Como se vê, o debate é complexo e exige compreensão dos efeitos práticos da decisão, notadamente à luz dos parâmetros de Direitos Humanos com os quais o Brasil se compromete (muitos dos quais dotados de valor de EC, nos termos do art. 5º, §3º, da CF/88). 

Clara Serva
Sócia e head da área de Empresas e Direitos Humanos - TozziniFreire Advogados

Helena Matos
Advogada, mestre em Direito pela Universidade Federal Fluminense.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

O papel do Direito Notarial no mercado de créditos de carbono: Uma base para sustentabilidade e confiança

17/12/2024

Prostatectomia robótica: Benefícios clínicos e cobertura pelos planos de saúde

16/12/2024

PERSE – Alterações do programa emergencial de retomada do setor de eventos

17/12/2024

Dívida médica nos EUA e visto negado, como reverter essa situação?

17/12/2024

A legalidade e a assertividade na penhora de conta escrow: Análise do acórdão no AI 2250450-89.2024.8.26.0000

17/12/2024