Em um cenário de grande complexidade fiscal no Brasil, a pauta tributária se apresenta como uma das mais determinantes para os rumos da economia brasileira nos próximos anos. Com foco na conformidade fiscal, novas medidas estão em andamento para desenvolver o futuro do sistema arrecadatório no país e promover uma maior justiça tributária. É de longa data esse pleito.
Sabemos que além de uma tributação justa, o contribuinte anseia por algo a mais: a implementação de normas que consolidem os direitos e as garantias do contribuinte, fundadas em um modelo de confiança e colaboração, gerando cooperação recíproca entre as partes.
Nesse contexto, entre outras frentes já implementadas ou em fase de implementação, pela portaria RFB 467, de 2024, a RFB - Receita Federal do Brasil lançou o procedimento de consensualidade fiscal, denominado “Receita de Consenso”, um marco no relacionamento entre o fisco e os contribuintes, estabelecendo um modelo de prevenção e resolução de disputas, que otimiza recursos públicos e fortalece a colaboração institucional.1
O “Receita de Consenso” busca resolver de forma consensual divergências entre os sujeitos da relação jurídica, nas hipóteses em que: (i) havendo procedimento fiscal, exista divergência quanto ao entendimento preliminar exposto pela autoridade fiscalizatória sobre a qualificação de um fato tributário ou aduaneiro; ou (ii) na ausência de procedimento fiscal, na definição da consequência tributária ou aduaneira de determinado negócio jurídico.
Na sequência, a RFB publicou a portaria Sutri 72, de 2024, para estabelecer normas necessárias à implementação do “Receita de Consenso”, viabilizando as medidas fundamentais para que seja instaurado o procedimento de consensualidade fiscal.
Para ingressar ao programa “Receita de Consenso”, estão aptos os contribuintes que possuírem classificação máxima em programas de estímulos à conformidade, como o programa “Confia”, em relação ao período do mês anterior ao do requerimento, nos termos do art. 5° da portaria Sutri 72, de 20242.
Convém aqui abrir um rápido parêntese, no contexto dessa medida, cabe rememorar que o programa “Confia”, criado em 2020 pela Receita Federal, se configura como um dos programas base de classificação dos contribuintes por promover a conformidade fiscal das empresas com a criação de um ambiente colaborativo, transparente e de confiança. É um processo de mudança de mentalidade e de comportamento de ambas as partes.
Pois bem. O exame da admissibilidade de ingresso no “Receita de Consenso”, será realizado por um auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil integrante do Centro de Prevenção e Solução de Conflitos Tributários e Aduaneiros (Cecat), o qual formalizará a decisão final mediante despacho decisório que considere a matéria controvertida; o grau de incerteza sobre os fatos tributários ou aduaneiros; a existência de conduta com repercussão em lançamentos semelhantes para períodos de apuração posteriores; e a existência de jurisprudência administrativa ou judicial sobre situações idênticas ou similares aos fatos do caso concreto.
A portaria Sutri 72, de 2024, detalha as competências do Cecat, órgão vinculado à Sutri - Subsecretaria de Tributação e Contencioso, que será responsável pela execução das seguintes atividades vinculadas ao programa “Receita de Consenso”: (i) a recepção de demandas; (ii) o exame de admissibilidade das demandas recebidas e (iii) a análise e a deliberação, de forma consensual e dialógica, das matérias admitidas no procedimento consensual.
Na prática, as tarefas serão realizadas pelo Sejup - Serviço de Controle de Julgamento de Processo de Penalidades Aduaneiras e por auditores fiscais da RFB, capazes, especificamente, de atuarem nas técnicas de consensualidade em ambiente de diálogo, podendo exercer a sua atividade em regime de dedicação exclusiva ou parcial.
Durante o exame de admissibilidade do requerimento, os auditores fiscais considerarão: (i) a matéria controvertida, verificando a possibilidade de mais de uma interpretação razoável da norma legal ou infralegal tributária incidente sobre o objeto; (ii) o grau de confiabilidade dos fatos tributários ou aduaneiros, com base em divergências quanto à qualificação dos atos, fatos ocorridos ou sobre a aplicação de norma à matéria; (iii) a existência de conduta com repercussão em lançamentos semelhantes para períodos de apuração posteriores, avaliada com base no risco de posteriores litígios e (iv) a existência de jurisprudência administrativa, por no mínimo, três delegacias da Receita Federal do Brasil de julgamento (DRJ), pelo Carf - Conselho Administrativo de recursos fiscais ou judicial, com no mínimo três decisões de pelo menos dois TRF - Tribunais Regionais Federais, uma decisão do STJ ou, ainda, pelo STF, sobre situações similares ao caso concreto.
Além disso, fatores como a avaliação da economicidade da inclusão do litígio no programa podem ser considerados para o exame de admissibilidade da demanda, bem como os auditores fiscais poderão requerer elementos de suporte para fundamentar a sua decisão.
Uma vez admitido, o procedimento consensual será conduzido por audiências gravadas, podendo o auditor fiscal solicitar reuniões adicionais, caso necessário. Após o período de debates, será formalizado um termo de consensualidade, assinado pelas partes, determinando os deveres e as obrigações de cada uma dessas. Com o termo assinado, a Sutri deverá editar um ato declaratório executivo que, uma vez publicado, inicia o prazo de 30 dias para que as partes possam cumprir as suas obrigações.
Fato é que o “Receita de Consenso” não surge como uma solução imediata para o volume atual de litígios no Brasil, mas tem o objetivo de restaurar e aprimorar a relação entre o fisco e os contribuintes, proporcionando uma maior segurança jurídica ao contribuinte e estimulando o desenvolvimento da capacidade operacional da RFB.
O programa entrou em vigor no dia 1/11/24, estando os contribuintes qualificados aptos a realizar o ingresso e seguir com o devido procedimento. Desse modo, a RFB entrelaça diferentes programas de conformidade, com o objetivo macro de criar um paradigma de relacionamento entre as partes e diminuir, gradativamente, o número de autuações.
Em conclusão, o “Receita de Consenso”, com uma abordagem voltada para a conformidade voluntária, tem o potencial de aumentar a arrecadação de forma sustentável. A mudança na postura da RFB, passando de um modo punitivo para um mais orientador, é um passo crucial para estruturar uma relação de confiança com os contribuintes e incentivar o cumprimento das obrigações fiscais, beneficiando não só as partes, mas a economia como um todo.
Agora é esperar o desenvolvimento e os efeitos práticos no dia a dia!
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1 O “Receita de Consenso” pauta-se nos princípios da imparcialidade; voluntariedade; boa-fé mútua; prevenção e solução consensual de controvérsias; e cumprimento das soluções acordadas.
2 O “Receita de Consenso” tem por finalidade evitar, mediante técnicas de consensualidade, que conflitos acerca da qualificação de fatos tributários ou aduaneiros relacionados à RFB se tornem litigiosos.
“Art. 5º Poderão ingressar no Receita de Consenso os contribuintes com classificação máxima em programas de conformidade da RFB relativa ao mês anterior ao do requerimento.