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Tribunal de ética ou de exceção nas gestões da OAB/SP?

Omissão aos §§ do art. 114 do RGOAB, tornam nulas as decisões, conforme art. 68 do EAOAB, o art. 3º e 564, IV do CPP e art. 166, IV, 186 e 927 do CC.

17/12/2024

A CF/88, nos incisos XXXVII e LIII do art. 5º, veda a existência de tribunais de exceção. A vedação tem a finalidade de garantir o julgamento imparcial das causas, que só pode ocorrer em órgãos competentes para julgar, definidos de acordo com regras pré-existentes, como consagra o princípio do juiz natural.

O regulamento geral da OAB, nos §§ do art. 114, estabelece que os membros dos Tribunais de Ética e Disciplina, inclusive seus presidentes, são eleitos na primeira sessão ordinária após a posse dos Conselhos Seccionais, dentre os seus integrantes ou advogados de notável reputação ético-profissional, observados os mesmos requisitos para a eleição do Conselho Seccional, com mandatos de 3 anos de duração, cabendo ao Conselho Seccional eleger o substituto, nas hipóteses do art. 66 da lei Federal 8.906/94.

Em observância ao mencionado dispositivo do regulamento nacional e ao § 6º do art. 45 da lei Federal 8.906/94, destaca-se as gestões da Seccional de Goiás (OAB/GO) que, por exemplo, fizeram publicar nos diários eletrônicos de 29/7/19 e de 19/6/24, editais de convocação para inscrições de advogados interessados a participarem da eleição de juízes (membros) para compor, ou substituir, as vagas nas turmas do Tribunal de Ética e Disciplina da referida seção.

Todavia, omitindo a formalidade que constitui elemento essencial do ato (eleição pelo Conselho Seccional), expressa nos §§ do art. 114 do regulamento nacional e no § 6º do art. 45 da lei Federal 8.906/94, as últimas gestões da Seccional de São Paulo (OAB/SP), ao invés de publicarem no diário eletrônico, os exigidos editais de convocação de advogados interessados para compor, ou substituir, as vagas nas turmas do Tribunal de Ética e Disciplina, têm decidido referendar a indicação e/ou nomeação de advogados para compor um tribunal de exceção (sem mandato eletivo), a exemplo, do ocorrido nas 2426ª e 2483ª sessões ordinárias do Conselho Pleno, respectivamente, realizadas em 22/2/19 e em 11/2/22.

Em razão dessa anomalia da composição, modo de eleição e funcionamento do Tribunal de Ética e Disciplina, distinta do que determina o art. 114 do regulamento geral, não foi homologado pela colenda segunda Câmara do egrégio Conselho Federal, o regimento interno do TED - Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP (representação 49.0000.2018.005966-5).

Observando tal ilicitude, um advogado constituído para defender certo colega em representação que tramitava por esse Tribunal anômalo, fez uso das atribuições que lhe conferem os arts. 2º, parágrafo único, inciso V e 11º do código de ética e disciplina da OAB para, no exercício das prerrogativas estatuída nos arts. 7º, inciso XI e 31, § 2º da lei Federal 8.906/94, oferecer defesa, arguindo preliminar intitulada de tribunal de exceção Usurpado por advogados não eleitos, com o seguinte teor: “não obstante seja objetivo de todos os órgãos da OAB, pugnar pela boa aplicação das leis,1 os ilustres Conselheiros e nobres Dirigentes, “permissa venia”, permitiram a criação de verdadeiro tribunal de exceção, usurpado por Advogados não eleitos para os mandatos de membros do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, que aceitaram ser nomeados e/ou designados fora de um processo eleitoral (edital, inscrição e sufrágio) e possibilitando que, por estarem sem mandatos, possam ser destituídos “ad nutum” por razões de ordem subjetiva, por exemplo, caso o ‘julgador’ se recuse a favorecer aliados ou perseguir opositores em eventuais representações ético-disciplinares, com o inequívoco comprometimento da indispensável imparcialidade.”

Em detrimento das prerrogativas do advogado e do § 4º do art. 58 do código de ética e disciplina da OAB, um dos indicados desse anômalo Tribunal, “decidiu” arquivar liminarmente a representação e, em razão da preliminar arguida, determinar a instauração de procedimento disciplinar “ex officio” contra o advogado que arguiu a preliminar e, genericamente, contra o seu constituinte (que sequer subscreveu a defesa), por supostas infrações aos incisos XXV e XXVII do art. 34 da lei Federal 8.906/94, a qual foi objeto de recurso.

Em evidenciado nepotismo corporativo mútuo, não obstante o recurso interposto, a referida “decisão” foi direcionada, sem sorteio, para outros indicados do anômalo Tribunal que, em afronta direta ao art. 58, § 1º do código de ética e disciplina da OAB e ao art. 77 da lei Federal 8.906/94, logo deram prosseguimento ao processo ético-disciplinar contra o aludido advogado e seu constituinte, tornando realidade a possibilidade aventada na arguição preliminar e provando o seu argumento.

Infrutíferos foram os embargos de declaração opostos para que os indicados do anômalo Tribunal se manifestassem sobre tais irregularidades e, notadamente, sobre a prescrição da pretensão punitiva, prevista no art. 43 da lei Federal 8.906/94, ante a prova documental de que a mesma questão havia sido arguida pelo aludido advogado, em outras defesas oficialmente oferecidas há mais de 10 e 15 anos.

Embora cientificada dos fatos e da necessidade de esclarecimentos de situações do\e interesse para defesa dos direitos, restaram inexitosas as tentativas de obter da Secretária-Geral da OAB/SP, a certidão fazendo constar a forma de composição do Tribunal de Ética e Disciplina das gestões 2019/2021 e 2022/2024 e se eleitos na forma dos §§ do art. 114 do regulamento geral.

Em razão de não atenderem as solicitações para agendamento de reunião em seus gabinetes, o aludido advogado relatou, por telegrama, tais ilegalidades também à presidente, ao vice-presidente, ao secretário-geral adjunto e ao tesoureiro da OAB/SP, que se mantiveram silentes.

A associação de alguns dos indicados do anômalo Tribunal, para a prática de atos contra disposição expressa dos referidos dispositivos legais, visando satisfazer o sentimento pessoal, com o uso da grave ameaça à parte e ao advogado que funcionava em processo administrativo, de injustas suspensão e exclusão (penalidades atribuídas), com o fim de favorecerem os próprios interesses em calar aqueles que observaram o irregular funcionamento do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, condutas essas que, s.m.j., em tese, consubstanciam perfeita adequação aos arquétipos dos arts. 288, 319, 327, 328 e 344 do CP.

E não obstante o advogado representado estivesse com seu endereço profissional atualizado no cadastro do Conselho Seccional, e sem que tivesse sido frustrada a entrega de notificação postal, os indicados do anômalo Tribunal passaram a intimá-lo dos atos procedimentais, através de editais publicados no diário eletrônico, em desprezo ao que estabelece o § 4º do art 137-D do regulamento geral da OAB e, a desrespeito do § 3º do citado dispositivo regulamentar e do sigilo de que trata o art. 72, § 2º da lei Federal 8.906/94, ainda faziam constar em tais editais, referências de que se tratava de matéria disciplinar, condutas essas que, s.m.j., em tese consubstanciam perfeita adequação ao arquétipo do art. 153, § 1º do CP.

Cansado de ver ignorada as suas reiteradas manifestações quanto a ilicitude das notificações por edital, sem que tivesse sido frustrada a entrega de qualquer correspondência, o aludido advogado notificado dirigiu a atual presidente da OAB/SP, representações contra esses indicados do anômalo Tribunal que, sem mandatos para o TED e sem terem sido sorteados na forma do art. 58, § 1º do código de ética e disciplina, estavam violando, sem justa causa, sigilo profissional e preceito do código de ética e disciplina, conduta essa que, s.m.j., em tese, consubstancia perfeita adequação aos arquétipos dos arts. 34, inciso VII e 36, inciso II da lei Federal 8.906/94.

Todavia, embora destinadas a presidente da OAB/SP, tais representações foram direcionadas aos indicados/nomeados do anômalo Tribunal que, em evidenciado nepotismo corporativo mútuo, decidiram arquivá-las liminarmente e retaliar/intimidar o advogado representante com novas instaurações de procedimentos disciplinares “ex ofício”, algumas com a justificativa de que os referidos indicados/nomeados não estão no exercício da profissão de advogado e que, portanto, não estariam sujeitos às infrações estabelecidas no art. 34 da lei Federal 8.906/94.

No processo decorrente da referida preliminar, sem apreciar as exceções de suspeição arguidas em razão de manifesto o interesse no julgamento do processo, em favor de si e de seu pares, com evidenciado comprometimento da imparcialidade, e caracterização da vedação legal, prevista no inciso IV do art. 145 do CPC, os indicados do anômalo Tribunal decidiram, por maioria (contra o volto do relator), julgar procedente o procedimento “ex officio”, para condenar o advogado a pena de censura e arquivar o processo em relação ao seu constituinte, que não assinou a peça de defesa, a qual foi objeto de recurso.

Nas representações e respectivas retaliações/intimidações, decorrentes das ilícitas intimações efetuadas por edital, contrariando os §§ 3º e 4º do art. 137-D do regulamento geral de uma das Câmaras Recursais do atual Conselho Seccional julgou procedente o recurso interposto pelo advogado, para arquivar a determinação de procedimento disciplinar “ex officio” e, ante os julgamentos que contrariaram o estatuto da advocacia, o regulamento geral e o código de ética e disciplina, foram objeto de recurso ao Conselho Federal.

Há anos que o advogado representado vem tentando contribuir para o aprimoramento do seu órgão de classe, do Direito e das leis e esperava que as mencionadas irregularidades fossem resolvidas “interna corporis”, sem precisar levar a questão ao Conselho Federal, ao Ministério Público Federal e à Justiça Federal Cível, o que não foi bem compreendido pelas gestões 2019/2021 e 2022/2024 da OAB/SP, que parecem desconhecer que a composição do Tribunal de Ética e Disciplina, com omissão da formalidade que constitui elemento essencial do ato, expressamente determinada nos §§ do art. 114 do regulamento geral, tornam nulas as decisões e julgamentos ali proferidos, gerando indenizações àqueles que sofreram danos por tais atos ilícios, por força do art. 68 da lei Federal 8.906/94, combinado com os arts. 3º e 564, inciso IV do CPP e arts. 166, inciso IV, 186 e 927 do CC.

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1 EAOAB, art. 44 - A Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; [...] (destaques adicionados

Luiz Riccetto Neto
LUIZ RICCETTO NETO - Presidente da OAB/SP/101ª Subseção (gestão 1993/1995) e atual integrante da sociedade RICCETTO ADVOGADOS ASSOCIADOS

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